Redação (Quarta-feira, 08-01-2014, Gaudium Press) -
Um gesto simples, uma matéria comum, e apenas algumas palavras fáceis
de memorizar produzem, em união com a Igreja, os mais maravilhosos
efeitos no plano sobrenatural. Abaixo transcrevemos considerações sobre
os efeitos do Sacramento do Batismo.
José Afonso Sulzbach de Aguiar
Havia cerca de quatro séculos que nenhum
profeta fazia ouvir sua voz em Israel quando, no 15º ano do reinado de
Tibério César, aproximando-se os dias anunciados por Daniel em relação à
vinda do Messias, um súbito alvoroço percorreu Jerusalém e toda a
Judeia. Nas margens sagradas do Jordão - o legendário rio, palco de
deslumbrantes milagres e grandiosas cenas - aparecera um varão
penitente, um enviado de Deus no espírito de Elias. João Batista era seu
nome.
Pregação de João e Batismo de Jesus
Modelo de anacoreta até o momento de
cumprir sua missão, o filho de Zacarias e Isabel abandonou a longa,
austera e mística solidão em que vivera e desceu até o vale do Jordão,
para onde convergiam de todos os lados caravanas, a fim de aí pregar
palavras de um religioso temor: "Fazei penitência porque está próximo o
Reino dos Céus" (Mt 3, 2).
Multidões de israelitas afluíam para
ouvi-lo e receber o seu batismo, símbolo da purificação do coração
necessária para merecer o Reino dos Céus. O batismo de João - que era de
preparação, de penitência, não ainda o Sacramento - produzia um
afervoramento espiritual como nunca se vira antes em Israel. "Pessoas de
Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a circunvizinhança do Jordão
vinham a ele. Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas
águas do Jordão" (Mt 3, 5-6).
O Batismo de Cristo e o Batismo de João
Enquanto
Apolo estava em Corinto, Paulo atravessou as províncias superiores e
chegou a Éfeso, onde encontrou alguns discípulos e indagou deles:
"Recebestes o Espírito Santo, quando abraçastes a fé?".
Responderam-lhe:
"Não, nem sequer ouvimos dizer que há um Espírito Santo!". "Então em
que batismo fostes batizados?" - perguntou Paulo.
Disseram:
"No batismo de João". Paulo então replicou: "João só dava um batismo de
penitência, dizendo ao povo que cresse nAquele que havia de vir depois
dele, isto é, em Jesus".
Ouvindo
isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus. E quando Paulo lhes impôs
as mãos, o Espírito Santo desceu sobre eles, e falavam em línguas
estranhas e profetizavam.
Eram ao
todo uns doze homens. Paulo entrou na sinagoga e falou com desassombro
por três meses, disputando e persuadindo-os acerca do Reino de Deus (At
19, 1-8).
|
E o arauto do Altíssimo apresentava- se
sempre como mero precursor, dizendo sem cessar: "Eu vos dou um batismo
de água, para que façais penitência. Mas, Aquele que virá depois de mim é
mais poderoso do que eu; eu não sou digno de desatar a correia de Suas
sandálias; Ele vos batizará no fogo e no Espírito Santo" (Mt 3, 11).
Seis meses havia que o santo Precursor
preparava os filhos de Israel para o encontro com o Messias, quando foi
Jesus ao Jordão "a fim de ser batizado por ele" (Mt 3, 13). Ao notar a
presença do Inocente no meio da multidão, João inclinou-se e Lhe disse:
"Eu devo ser batizado por Ti e Tu vens a mim!" (Mt 3, 14). Jesus
respondeu-lhe: "Deixa por agora, pois convém que cumpramos toda a
justiça". E João, obediente, O batizou (cf. Mt 3, 13-15).1
Quando Jesus saiu da água, o Céu se
abriu e o Espírito Santo pairou sobre Ele na forma de uma pomba. "E
ouviu-se dos Céus uma voz: Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti ponho as
Minhas complacências" (Mc 1, 11). Grandiosa manifestação divina com a
qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo, unidos na obra da Redenção
proclamavam a instituição do Sacramento mais necessário para a nossa
Salvação.2
Os Sacramentos, o que são?
De acordo com o Catecismo da Igreja
Católica, "os Sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por
Cristo e confiados à Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida
divina. Os ritos visíveis, sob os quais eles são celebrados, significam e
realizam as graças próprias de cada Sacramento. Produzem fruto naqueles
que os recebem com as disposições exigidas".3
No mesmo sentido - embora de forma mais
sintética - se expressa o conhecido teólogo padre Antonio Royo Marín,
OP, que afirma serem os Sacramentos "sinais sensíveis instituídos por
Nosso Senhor Jesus Cristo, para significar e produzir a graça
santificante naquele que os recebe dignamente".
Acompanhemos o douto dominicano na explicação dos termos desta breve e precisa definição.
Os Sacramentos são, em primeiro lugar,
sinais. - Ou seja, remetem a algo diferente de si mesmos, como a balança
simboliza a justiça, ou a bandeira representa a Pátria.
São sinais sensíveis. - Podem, portanto,
ser percebidos pelos sentidos corporais. E o que acontece, por exemplo,
com a água no Batismo, o pão e o vinho na Eucaristia, ou o óleo na
Crisma e na Unção dos Enfermos.
Foram instituídos por Nosso Senhor Jesus
Cristo. - De acordo com São Tomás, "institui algo quem lhe dá vigor e
força". 5 Assim sendo, somente Nosso Senhor pode ser causa dos
Sacramentos, e não a Igreja, "pois a graça santificante brota, como de
seu manancial único, do Coração transpassado de Cristo".6 Segue-se
também daí que, como ensina São Pio X, não cabe à Igreja, "inovar nada
acerca da substância mesma dos Sacramentos".7
Para significar e produzir a graça
santificante. - A água do Batismo, por exemplo, lava o corpo do batizado
para representar a purificação de sua alma, que fica limpa de todo
pecado. E a Eucaristia, nos é dada sob a forma de alimento corporal,
para simbolizar o alimento espiritual que a alma recebe pela presença
real de Cristo em corpo, sangue, alma e divindade.
Naquele que os recebe dignamente. - Para
que os Sacramentos produzam a graça santificante é necessário que quem
os recebe não oponha a eles nenhum obstáculo ou empecilho voluntário.
Daí que seja requerido possuir o estado de graça para receber a
Confirmação, Eucaristia, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio. E estar
arrependido, ao menos com atrição sobrenatural,8 para receber a
absolvição no Sacramento da Penitência, ou o Batismo quando se trata de
pessoa em idade de uso da razão.
Cabe notar, por fim, que os Sacramentos
têm um caráter universal; Jesus Cristo não os instituiu unicamente para
alguns escolhidos, mas adotisim para proveito de todos os homens.
Vida natural e vida sobrenatural
Levando mais longe a analogia entre o
plano simbólico e o plano da graça, São Tomás de Aquino estabelece na
Suma Teológica um interessante paralelo entre a vida natural e a vida
sobrenatural produzida pelos Sacramentos.9
Enquanto, na vida natural, o homem é
gerado, cresce e se alimenta; na vida sobrenatural, a alma nasce pelo
Batismo, atinge a estatura e a força perfeitas pela Confirmação e
nutre-se pela Eucaristia. E "como o homem incorre às vezes em
enfermidade corporal ou espiritual, sendo esta o pecado, é necessário
que seja curado da doença".10 É esta a função da Penitência
(Reconciliação), que restabelece a saúde, e da Unção dos Enfermos, que
limpa a alma dos vestígios e sequelas deixados em sua alma pelo pecado.
A esses cinco Sacramentos unem-se o do
Matrimônio e o da Ordem - sendo este último análogo ao poder que recebe
um homem para "reger a multidão" e exercer funções públicas -
completando assim o número de sete.
"A partir daí - conclui o Doutor
Angélico - fica clara a questão do número dos Sacramentos, também
enquanto visa à rebelião do pecado, pois o Batismo se dirige contra a
falta de vida espiritual; a Confirmação, contra a fraqueza de alma que
se encontra nos recém-nascidos; a Eucaristia, contra a fragilidade da
alma diante do pecado; a Penitência, contra o pecado atual cometido
depois do Batismo; a Unção dos Enfermos, contra as sequelas do pecado
não suficientemente tiradas pela Penitência, ou provenientes da
negligência ou da ignorância; a Ordem, contra a desorganização da
multidão; o Matrimônio, contra a concupiscência pessoal e contra o
desaparecimento da humanidade que acontece pela morte".11
"Nada permanece, portanto, à margem da
influência benfazeja dos Sacramentos", observa o padre Antonio Royo
Marín."Por meio deles a vida humana toda é santificada e o homem
encontra-se provido com divina abundância de tudo quanto necessita para
assegurar sua salvação eterna".12
O único Sacramento indispensável para a salvação
Água e Sangue do costado de Cristo
É evidente que Cristo nos libertou dos
pecados, sobretudo por sua Paixão, não só devido à eficácia e méritos da mesma, mas também a seu valor expiatório. Do mesmo modo, também por sua Paixão iniciou o sistema ritual da Religião cristã, oferecendo-Se a Si mesmo a Deus como ‘oblação e vítima', como está na Carta aos Efésios. É, pois, evidente que a força dos Sacramentos da Igreja provém especialmente da Paixão de Cristo; a recepção dos Sacramentos, por sua vez, como que nos põe em comunicação com a força da Paixão de Cristo. Como sinal dessa conexão, do lado de Cristo pendente na Cruz fluíram água e sangue: a água se refere ao Batismo, o sangue à Eucaristia, que são os principais Sacramentos (AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III, q. 62, a. 5, resp.) |
Na tradicional relação estabelecida por
São Tomás, o Batismo, novo nascimento espiritual, é o primeiro dos sete
Sacramentos.13 Mas ele o é também do ponto de vista da necessidade, pois
é o único Sacramento indispensável para cada um de nós,
individualmente, alcançarmos a Bemaventurança eterna.14
Assim o afirma com toda precisão o
próprio São Tomás: "É pois, claro, que todos são obrigados ao Batismo e
que, sem ele, não pode haver salvação para os homens".15 E mais bela e
claramente ainda o próprio Nosso Senhor: "Se alguém não renasce na água e
no Espírito Santo, não pode entrar no Reino dos Céus" (Jo 3, 5).16
Ora, "convém à misericórdia de quem
‘quer que todos os homens se salvem', que permita encontrar-se
facilmente o remédio para a salvação".17 Daí que a matéria do Batismo
seja uma matéria comum, a água, que qualquer um pode obter. E daí também
que o ministro do Batismo, em circunstâncias excepcionais, possa ser
qualquer pessoa, mesmo um não ordenado, homem ou mulher, e até mesmo um
herege ou um pagão.18 Para o Sacramento ser válido, a Igreja só exige
que seja utilizada a matéria do Sacramento, observada a forma e aplicada
a intenção de fazer o que Ela própria faz, abstraindo de qualquer
heresia ou infidelidade.
Batismo e Pecado Original
Convêm, por fim, não esquecer que a
necessidade este Sacramento, conforme explica Besson, "é consequência
dos efeitos do Pecado Original e das restituições prometidas pelo
Homem-Deus".19
Cada um de nós pecou em Adão, e a morte
entrou em nossa alma com o pecado; do mesmo modo, cada um de nós foi
salvo no novo Adão, e para que a vida dEle entre na nossa alma é preciso
que recebamos a graça do Batismo. "Sob as águas do Batismo, a mancha
primitiva é apagada da fronte da humanidade; e com o título de filho
batizado e regenerado, o homem decaído recupera seus direitos e sua
herança celestial. Esta necessidade abrange todos os homens".20
Por isso, pouco tempo após seu
nascimento, a criança é levada às fontes batismais por um padrinho que
responde por sua Fé, e curva sob a água santa sua fronte ainda marcada
com o pecado original.21 Consumado o rito, a criança ergue-se livre,
inocente e imaculada, com o indelével sinete da ordem sobrenatural. Era
escrava, e seus grilhões foram quebrados; estava morta, e foi
ressuscitada.
Dois principais efeitos
Quais são os principais efeitos desse Sacramento?
Em seu já mencionado livro Somos hijos
de Dios, o padre Royo Marín enumera sete, com a precisão própria do
teólogo. O Catecismo da Igreja Católica, sob uma focalização mais
pastoral, afirma serem principalmente dois: a purificação dos pecados e o
novo nascimento no Espírito Santo.22
Pouco há a afirmar em relação ao
primeiro deles, senão que a purificação é tão completa que "todos os
pecados são perdoados: o pecado original e todos os pecados pessoais,
bem como todas as penas do pecado".23
Mas além de assim limpar a alma, este
Sacramento "faz do neófito uma criatura nova, um filho adovo de Deus que
se tornou participante da natureza divina, membro de Cristo e
co-herdeiro com Ele, templo do Espírito Santo".24
Com efeito, o Batismo nos torna membros
do Corpo de Cristo e nos incorpora à Igreja. Através dele, a vida de
Jesus Cristo circula em todo o Corpo, levando Sua graça capital a todos
os membros e permitindo-lhes alcançar a graça e as virtudes: "Da cabeça
que é Cristo deriva sobre Seus membros a plenitude da graça e da
virtude, conforme o Evangelho de João: ‘De Sua plenitude todos nós
recebemos' (Jo 1, 16)".25
Assim, na ordem da satisfação, da
redenção, do mérito, da oração, do sacerdócio: tudo se tornou comum
entre Jesus Cristo e nós, porquanto a Igreja inteira, Corpo Místico de
Jesus Cristo, pode ser considerada como uma só pessoa com Ele, conforme
ensina São Tomás de Aquino.26
A Paixão de Cristo é comunicada ao neófito
As consequências desta doutrina têm um
alcance maior do que se pensa, a ponto de São Paulo afirmar que pelo
Batismo, o crente comunga na morte de Cristo, é sepultado e ressuscita
com Ele.27 Sobre isto, comenta São Tomás: "Pelo Batismo somos
incorporados na Paixão e Morte de Cristo. Diz Paulo: ‘Se estamos mortos
com Cristo, cremos que também viveremos com Ele'.
Sete maravilhosos efeitos do BatismoO Sacramento do Batismo produz, naquele que o recebe, uma série de divinas maravilhas. Eis as principais:1) Infunde a graça santificante, com o matiz especial de graça regenerativa, que é a própria do batizado, tornando- o capaz para a recepção dos demais Sacramentos.2) Converte o batizado em templo vivo da Santíssima Trindade, pela divina inabitação em todas as almas em estado de graça. 3) Infunde o germe de todas as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo. 4) Torna-o membro vivo de Jesus Cristo, como ramo da divina Videira (Jo 15, 5). 5) Imprime o caráter batismal, o qual o torna membro vivo do Corpo Místico de Jesus Cristo, que é a Igreja, e lhe dá uma participação real e verdadeira (embora incompleta) no sacerdócio de Jesus Cristo. Esta participação sacerdotal se aperfeiçoa com o caráter do Sacramento da Confirmação e se completa com o caráter do Sacramento da Ordem. 6) Apaga totalmente da alma o pecado original e todos os pecados atuais, antes cometidos; esses pecados não são apenas cobertos, mas apagados de fato, e de forma definitiva. Assim o definiu expressamente o Concílio de Trento (D n. 792).
7) Perdoa
toda a pena devida pelos pecados, tanto a temporal como a eterna. De
modo que se um pecador recebe o Batismo no momento da morte, entra
imediatamente no Céu, sem passar pelo Purgatório. Foi o que ensinou o
Concílio de Florença (D n. 696) e o de Trento definiu (D n. 792). (ROYO
MARÍN, OP, Pe. Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.
69-70)
|
Demonstra-se assim que a todo batizado a
Paixão de Cristo é comunicada para servir de remédio, como se ele
próprio tivesse sofrido e morrido. Ora, a Paixão de Cristo é satisfação
suficiente para todos os pecados de todos os homens. Por isso, quem é
batizado, é liberto do reato de toda pena devida por seus pecados, como
se ele próprio tivesse oferecido uma satisfação suficiente por todos os
seus pecados".28
Somos filhos de Deus
Mas talvez o mais tocante e assombroso efeito do Batismo seja produzir a filiação divina.
Deus tem apenas um filho segundo a Sua
natureza, que é o Verbo Encarnado. Só a Ele o Pai transfere eternamente a
natureza divina em toda a sua infinita plenitude. Porém, a graça
santificante - que é um dos efeitos do Batismo - confere aos neófitos
uma participação real e verdadeira nessa filiação "por uma adoção
intrínseca, a qual põe em nossa alma, física e formalmente, uma
realidade absolutamente divina, que faz circular o próprio sangue de
Deus nas veias de nossa alma. Graças a este enxerto divino, a alma se
faz participante da mesma vida de Deus. Trata-se de uma verdadeira
geração espiritual, um nascimento sobrenatural que imita a geração
natural e recorda, por analogia, a geração eterna do Verbo de Deus".29
Em uma palavra, a graça santificante,
para a qual o Batismo nos abre as portas, não nos dá apenas o direito de
nos chamarmos filhos de Deus, senão que nos faz tais em realidade.
"Inefável maravilha - conclui o padre Royo Marín - que pareceria
inacreditável se não constasse expressamente na divina Revelação".30
Poderia Deus ter feito mais algo por
nós? 4
nós? 4
Por José Afonso Sulzbach de Aguiar
(In Revista Arautos do Evangelho, Jul/2009, n. 91, p. 22 à 27)
Nenhum comentário:
Postar um comentário