ihu - "Eu li o seu livro e estou esperando que ele seja implementado", disse o Papa Francisco ao arcebispo emérito John R. Quinn, de San Francisco, apenas alguns dias antes de sua eleição como papa, após os dois homens se cruzarem do lado de fora de um café em Roma.
A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada no sítio National Catholic Report, 07-07-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Quinn contou a história no dia 25 de junho para cerca de 225 sacerdotes em um encontro da Associação dos Padres da Igreja Católica dos Estados Unidos, em St. Louis, onde o prelado foi homenageado com o Prêmio Papa João XXIII, entregue pelo grupo.
O então cardeal Jorge Bergoglio estava se referindo a um tratado de Quinn de 1999, The Reform of the Papacy: The Costly Call to Christian Unity [A reforma do papado: o custoso apelo pela unidade dos cristãos]. Esse livro foi a resposta de Quinn à encíclica de 1995, Ut unum sint, do Papa João Paulo II, uma meditação sobre o ecumenismo e sobre o papel do papa como sinal de unidade da Igreja.
Quinn disse que aceitou a oferta de João Paulo, contida na encíclica, para aprofundar o debate. Quinn
examinou a história da estrutura papal e a centralização do papado que
tem ocorrido ao longo dos séculos. Ele salienta em seu livro que a
descentralização da autoridade do Vaticano é um
pré-requisito para qualquer consideração séria de união entre a Igreja
Católica Romana e outros organismos da Igreja cristã. O livro pede uma
revisão das estruturas de governo monárquico e um retorno a uma colegialidade séria entre os bispos e as Igrejas locais, inclusive permitindo-lhes escolher ou eleger seus próprios bispos.
Quinn argumentou que a ideia de uma Igreja
descentralizada não é nova e está baseada em modelos que estavam em
vigor há 1.500 anos. Restabelecer uma governança da Igreja de forma
menos centralizada e mais colegial, afirma Quinn, era a intenção dos bispos do mundo que se reuniram durante o Concílio Vaticano II (1962-65). A visão de uma Igreja mais colegial, diz ele, é encontrada no documento Lumen Gentium, "A Constituição dogmática sobre a Igreja" do Vaticano II.
Francisco disse que apoia o Vaticano II e indicou que deseja sacudir a velha guarda do Vaticano. Suas palavras têm sido amplamente interpretadas como uma preferência pela descentralização da Igreja.
No ano passado, Quinn escreveu Ever Ancient, Ever New: Structures of Communion in the Church
[Tão antigas, sempre novas: estruturas de comunhão na Igreja], uma
elaboração de seu trabalho anterior. No novo livro, o prelado diz que a
descentralização poderia ser alcançada através do retorno da Igreja
Católica Romana para um modelo de governo encontrado em Igrejas Ortodoxas Orientais. Ele sugere a criação de patriarcados, permitindo aos Sínodos dos Bispos ter poder real de decisão.
Em uma reconfiguração desse tipo, a nomeação dos bispos, a criação de
dioceses, as questões de liturgia e outros assuntos de prática católica
seriam resolvidos pelas Conferências Episcopais regionais, escreve Quinn.
Ele acrescenta que o bispo de Roma deveria permanecer como o sinal de
unidade e amor entre as Igrejas, e que um papado decentralizado
aumentaria a unidade e a força da Igreja.
No caso da Ásia e da África, os
patriarcados locais, disse, permitiriam que as Igrejas locais
desenvolvessem a sua liturgia, espiritualidade e prática de acordo com
suas próprias culturas. Essa incapacidade, disse, tem sido uma queixa de
longa data da África e da Ásia.
Não há nenhuma doutrina da fé ou norma de direito canônico que impeça
a criação de novas estruturas patriarcais na Igreja, de acordo com Quinn.
Falando aos sacerdotes no início deste mês, ele relatou que, depois
de terminar seu livro de 2013, ele enviou imediatamente uma cópia para Francisco, que estava há apenas alguns dias em sua nova função como bispo de Roma. Quinn disse que recebeu uma nota manuscrita de Francisco, agradecendo-lhe pelo livro.
Retornando a Roma em junho passado, Quinn participou de uma missa para cerca de 60 clérigos e leigos celebrada por Francisco na capela papal. Quinn disse que teve a oportunidade de observar Francisco de perto. "Eu estava sentado na primeira fila e estava assistindo, avaliando tudo", disse Quinn.
"À medida que a missa avançava, eu disse a mim mesmo que isso tudo tem a
ver com Cristo. Não há nada aqui centrado no próprio papa. Eu pensei
'esse homem é muito confortável consigo mesmo, ele tem uma serenidade
interior'. Ele parecia sereno e em paz".
Depois da missa, fora da capela, Francisco e Quinn se encontraram novamente e Francisco agradeceu a Quinn por lhe ter enviado uma cópia de seu novo livro. Ele disse que "foi muito importante", disse Quinn.
O embrião do livro de Quinn de 1999 foi um discurso bem divulgado que ele deu no Campion Hall, na Universidade de Oxford, em 29 de junho de 1996, festa de São Pedro. Nesse discurso, Quinn, com sua fala mansa, ganhou as manchetes ao pedir a implementação das reformas há muito adiadas do Vaticano II.
Em um discurso intitulado "As reivindicações do primado e o caro apelo
pela unidade", ele pediu um concílio ecumênico de bispos para discutir
questões deixadas em aberto pelo Concílio Vaticano II.
Falando novamente no ano passado sobre a reforma da Igreja, Quinn disse a uma plateia lotada na Universidade de Stanford, na Califórnia - poucas horas antes de o Colégio Cardinalício se trancar dentro do Vaticano para escolher um novo papa -, que a Igreja estava passando por um momento histórico sem paralelo desde a Reforma.
Os cardeais, disse ele, "precisam se ver e ver que toda a Igreja
Católica está diante de um momento de consequências de longo alcance".
Reformas fundamentais destinadas pelos bispos no Vaticano II não ocorreram, lamentou Quinn. O resultado foi uma "governança disfuncional e até mesmo ineficaz nos anos desde o Concílio".
Quinn disse que para haver um governo eficaz na
Igreja é essencial uma tomada de decisões compartilhada entre os bispos e
o papa. Essa tomada de decisão, sublinhou, "não é o resultado de um
decreto jurídico, não é o resultado da ação de um conselho e não é o
resultado de qualquer decisão do papa. Pelo contrário, ela está
enraizada na ordenação do bispo e na doutrina de que ele é um sucessor
dos apóstolos de Jesus".
"Um grande número de bispos é da opinião de que não há qualquer
colegialidade real ou significativa na Igreja de hoje", disse ele.
Quinn se aposentou em 1995 depois de ter sido arcebispo de San Francisco por 18 anos. Ordenado bispo aos 38 anos, ele foi arcebispo de Oklahoma City antes de se mudar para San Francisco. É ex-presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos (USCCB), à qual serviu de 1977 a 1980.
Nenhum comentário:
Postar um comentário