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Por Isabel Kershner e Elisabetta Povoledo
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud
Abbas, e o papa Francisco se cumprimentam durante audiência privada no
Vaticano, no último sábado (16)
Toda palavra conta na diplomacia delicada do Oriente Médio, onde os negociadores costumam recorrer à ambiguidade criativa.
Assim, a saudação "sotto voce" do papa Francisco ao receber o
presidente Mahmoud Abbas da Autoridade Palestina, durante um encontro no
Vaticano no sábado (16), no qual ele se referiu a Abbas como um "anjo
da paz", mas com um verbo incerto, causou um furor linguístico e
político que ainda repercute dias depois.
Teria o papa dito a Abbas, "Você é um anjo da paz", como muitos
veículos de notícias, incluindo a principal agência de notícias italiana
"ANSA", "The Associated Press" e o "New York Times" noticiaram? Esse
fraseado agradou aos palestinos, mas enfureceu alguns israelenses e
líderes judaicos ao redor do mundo.
Ou estaria o papa encorajando Abbas com as palavras, "Seja você um anjo
da paz", como outros importantes órgãos de notícias italianos, como "La
Repubblica" e "La Stampa", noticiaram, uma formulação que sugere mais
uma exortação do que um elogio, além de soar melhor para os ouvidos
pró-Israel.
Tudo parece se resumir à diferença entre o verbo "sei", "você é" em
italiano, e "sia", que significa "seja você". Os defensores pró-Israel
foram rápidos em apontar as discrepâncias.
Israel alega que Abbas incita a violência entre os palestinos e o culpa
pelo colapso das negociações de paz no ano passado. Os palestinos veem
os israelenses como instigadores da violência e como principal obstáculo
a um acordo de paz. Nenhum lado está pronto a aceitar o outro como um
anjo, ou mensageiro, da paz.
A discórdia surge em uma semana já tensa para o triângulo das relações
entre Vaticano-israelenses-palestinas. O Vaticano anunciou na
quarta-feira (13) que assinaria um tratado que inclui o reconhecimento
do "Estado da Palestina", concedendo um peso simbólico ao esforço
palestino cada vez maior para um apoio internacional à soberania, que
contornaria as negociações com Israel.
O Ministério das Relações Exteriores de Israel disse ter ficado
decepcionado com a decisão do Vaticano, apesar do Vaticano ter na
prática realizado o reconhecimento depois que a Organização das Nações
Unidas concedeu à Palestina o status de país não membro observador em
2012. Ao todo, 135 países já reconheceram o Estado da Palestina. Os
Parlamentos britânico, francês, espanhol e irlandês aprovaram nos
últimos meses resoluções pedindo aos seus governos que façam o mesmo.
A conversa no centro do alvoroço ocorreu diante de um pequeno grupo
pré-selecionado de repórteres. A frase "anjo da paz" foi murmurada e,
disseram os presentes, difícil de ouvir.
O papa falava em italiano, que ele fala bem, mas não é sua língua.
Logo, não ficou totalmente claro se ele confundiu "sei" e "sia", se
aqueles que se esforçavam para ouvir entenderam de modo diferente, ou se
ao longo da conversa ele disse ambas. Em 2014, durante uma visita a
Israel e à Cisjordânia, ele de fato se referiu a Abbas como "um homem de
paz e um pacificador".
Francisco tem relações profundas com judeus há décadas e fez gestos
significativos de amizade. Abraham H. Foxman, o diretor de saída da Liga
Antidifamação, disse que considerou as reportagens "Você é um anjo"
como "um relâmpago na comunidade judaica, dada a admiração e às
expectativas que o mundo judeu tem por este papa".
Foxman, que atualmente está visitando Israel, disse que sua organização "entrou em contato com o Vaticano", sem elaborar.
O padre Federico Lombardi, o porta-voz do Vaticano, emitiu uma
declaração de esclarecimento no domingo (17), em resposta, segundo ele,
às perguntas dos jornalistas. Praticando um pouco de ambiguidade
diplomática própria, ele disse que o papa deu a Abbas um presente
frequentemente dado aos presidentes visitantes: uma medalha de bronze
que representa um anjo da paz. Na declaração, ele disse que a palavra
anjo se refere a um "mensageiro".
Quando o papa oferece a medalha, disse Lombardi, "ele diz algumas
poucas palavras de explicação sobre o presente, assim como faz um
convite a um compromisso com a paz por parte do recebedor".
O Vaticano diz que anjos são, na verdade, "mensageiros".
Emmanuel Nahshon, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores
israelense, disse que ouviu a gravação da conversa, consultou o
embaixador de Israel no Vaticano e ficou satisfeito pelo papa ter dito,
"Que você seja um anjo da paz".
"Ele está longe de ser um anjo da paz", disse Nahshon sobre Abbas,
acrescentando: "Se ele fosse, talvez a esta altura haveria paz".
Hanan Ashrawi, integrante do comitê executivo da Organização pela
Libertação da Palestina, riu quando perguntada sobre a controvérsia,
dizendo que não forneceria "uma exegese bíblica sobre 'seja você' ou
'você é'".
"De qualquer forma", ela disse, falando por telefone de Ramallah, na Cisjordânia, "a analogia e a conexão estão lá".
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