sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Tomás responde: Foi conveniente que Deus se encarnasse?

[sumateologica]
por David

Ticiano, Kirschen-Madonna (em alemão), cerca de 1516-1518, Kunsthistorisches Museum
 

Parece que não foi conveniente que Deus se encarnasse:

  1. Com efeito, sendo Deus eternamente a própria essência da bondade, o melhor é que ele seja assim como foi eternamente. Ora, Deus, desde toda a eternidade, foi sem nenhuma carne. Logo, é muito conveniente que ele não esteja unido à carne. Logo, não foi conveniente que Deus se encarnasse.
  2. Além disso, é inconveniente que se unam coisas que distam entre si infinitamente: assim como seria uma união inconveniente se alguém desenhasse uma imagem na qual, como disse Horácio, “uma cerviz de asno se unisse a uma cabeça humana”. Ora, Deus e o corpo distam infinitamente entre si, sendo Deus simplíssimo e o corpo, sobretudo o humano, composto. Logo, não foi conveniente que Deus se unisse à carne humana.
  3. Ademais, o corpo dista do espírito supremo como a malícia da suma bondade. Ora, seria totalmente inconveniente que Deus, que é a suma bondade, se unisse à malícia. Portanto, não foi conveniente que o espírito supremo incriado assumisse um corpo.
  4. Ademais, o que está acima das grandes coisas não convém que esteja contido numa coisa mínima; e que se volte para coisas pequenas aquele a quem compete o cuidado das coisas maiores. Ora, todo o universo não é bastante para conter a Deus, que tem cuidado do mundo todo. Logo, parece não convir “que se oculte sob o corpozinho de uma criança a vagir aquele diante do qual o universo é tido como pequeno; e que tanto tempo se ausente aquele Rei de seu trono e o governo de todo o mundo seja transferido para um pequeno corpo”, como Volusiano escreve a Agostinho.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, parece muito conveniente que as coisas invisíveis de Deus se manifestem pelas visíveis: para isso foi feito o mundo, como se vê pelo dito do Apóstolo na Carta aos Romanos (1,20): “Suas perfeições invisíveis… tornam-se visíveis para a inteligência em suas obras”. Ora, como Damasceno diz: pelo mistério da encarnação “mostram-se juntamente a bondade, a sabedoria, a justiça e o poder de Deus ou a virtude: a bondade, porque não desprezou a fraqueza de sua própria obra; a justiça, porque não faz vitorioso outro tirano nem liberta o homem do medo da morte pela violência; a sabedoria, porque encontra a solução mais bela para o problema mais difícil; o poder infinito, enfim, ou a virtude, porque nada há maior do que Deus fazer-se homem”. Logo, foi conveniente que Deus se encanasse.
O que convém a cada coisa é o que lhe cabe segundo a razão de sua própria natureza; assim como ao homem convém raciocinar, pois isso lhe convém enquanto é racional segundo sua natureza. Ora, a natureza própria de Deus é a bondade, como Dionísio deixa claro. Logo, tudo o que pertence à razão do bem convém a Deus. Ora, pertence à razão do bem comunicar-se aos outros, como também deixa claro Dionísio. Donde é próprio da razão do sumo bem comunicar-se à criatura do modo mais excelente. O que é feito em grau sumo quando “une a si a natureza criada, de modo que resulte uma pessoa de três princípios, o Verbo, a alma e a carne”, como diz Agostinho. Logo, é claro que foi conveniente Deus se encarnar.

Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:

  1. O mistério da encarnação não se realiza por alguma mudança de Deus em um estado no qual não tenha existido desde toda a eternidade, mas porque se uniu à criatura segundo um novo modo, ou antes, uniu a si a criatura. É próprio da criatura, que é mutável segundo sua natureza, não permanecer sempre da mesma maneira. E assim como a criatura, antes não existindo, foi produzida na existência, assim, não sendo antes unida com Deus, foi depois com ele unida.
  2. Estar unida com Deus em unidade de pessoa não convinha ao corpo humano segundo a condição de sua natureza: pois estava acima da sua dignidade. Mas a Deus foi conveniente, de acordo com a excelência infinita de sua bondade, que o unisse a si para a salvação do gênero humano.
  3. Qualquer outra condição pela qual uma criatura qualquer difere do Criador foi estabelecida pela sabedoria de Deus e ordenada à bondade de Deus. Com efeito, Deus, em razão de sua bondade, sendo incriado, imóvel, incorpóreo, produziu criaturas móveis e corpóreas: assim como o mal da pena foi introduzido pela justiça de Deus em razão de sua glória. Ao contrário, o mal de culpa é cometido com o afastar-se da arte da divina sabedoria e da ordem da divina bondade. Desta sorte, foi conveniente assumir a natureza criada, mutável, corpórea e sujeita ao castigo; não, porém, o mal de culpa.
  4. Como responde Agostinho: “A doutrina cristã não ensina que Deus de tal modo se uniu ao corpo humano que abandonou ou perdeu o cuidado de governar o universo ou que transferiu esse cuidado, como que contraído, para aquele pequeno corpo: tal é o sentir dos homens, incapazes de pensar a não ser o corpo. Deus, porém, é grande não pelo tamanho, mas pelo poder: de sorte que a grandeza de seu poder não experimenta nenhuma estreiteza em lugar estreito. Como a palavra do homem, ao passar, é ouvida por muitos, e toda ela por cada um, assim também não é inacreditável que o Verbo de Deus, permanecendo em si, seja todo em todas as partes”. Portanto, não se segue nenhum inconveniente da encarnação de Deus.
Suma Teológica III, q.1, a.1

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