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Ticiano, Kirschen-Madonna (em alemão), cerca de 1516-1518, Kunsthistorisches Museum |
Parece que não foi conveniente que Deus se encarnasse:
- Com efeito, sendo Deus eternamente a própria essência da bondade, o melhor é que ele seja assim como foi eternamente. Ora, Deus, desde toda a eternidade, foi sem nenhuma carne. Logo, é muito conveniente que ele não esteja unido à carne. Logo, não foi conveniente que Deus se encarnasse.
- Além disso, é inconveniente que se unam coisas que distam entre si infinitamente: assim como seria uma união inconveniente se alguém desenhasse uma imagem na qual, como disse Horácio, “uma cerviz de asno se unisse a uma cabeça humana”. Ora, Deus e o corpo distam infinitamente entre si, sendo Deus simplíssimo e o corpo, sobretudo o humano, composto. Logo, não foi conveniente que Deus se unisse à carne humana.
- Ademais, o corpo dista do espírito supremo como a malícia da suma bondade. Ora, seria totalmente inconveniente que Deus, que é a suma bondade, se unisse à malícia. Portanto, não foi conveniente que o espírito supremo incriado assumisse um corpo.
- Ademais, o que está acima das grandes coisas não convém que esteja contido numa coisa mínima; e que se volte para coisas pequenas aquele a quem compete o cuidado das coisas maiores. Ora, todo o universo não é bastante para conter a Deus, que tem cuidado do mundo todo. Logo, parece não convir “que se oculte sob o corpozinho de uma criança a vagir aquele diante do qual o universo é tido como pequeno; e que tanto tempo se ausente aquele Rei de seu trono e o governo de todo o mundo seja transferido para um pequeno corpo”, como Volusiano escreve a Agostinho.
EM SENTIDO CONTRÁRIO,
parece muito conveniente que as coisas invisíveis de Deus se manifestem
pelas visíveis: para isso foi feito o mundo, como se vê pelo dito do
Apóstolo na Carta aos Romanos (1,20): “Suas perfeições invisíveis…
tornam-se visíveis para a inteligência em suas obras”. Ora, como
Damasceno diz: pelo mistério da encarnação “mostram-se juntamente a
bondade, a sabedoria, a justiça e o poder de Deus ou a virtude: a
bondade, porque não desprezou a fraqueza de sua própria obra; a justiça,
porque não faz vitorioso outro tirano nem liberta o homem do medo da
morte pela violência; a sabedoria, porque encontra a solução mais bela
para o problema mais difícil; o poder infinito, enfim, ou a virtude,
porque nada há maior do que Deus fazer-se homem”. Logo, foi conveniente
que Deus se encanasse.
O
que convém a cada coisa é o que lhe cabe segundo a razão de sua própria
natureza; assim como ao homem convém raciocinar, pois isso lhe convém
enquanto é racional segundo sua natureza. Ora, a natureza própria de
Deus é a bondade, como Dionísio deixa claro. Logo, tudo o que pertence à
razão do bem convém a Deus. Ora, pertence à razão do bem comunicar-se
aos outros, como também deixa claro Dionísio. Donde é próprio da razão
do sumo bem comunicar-se à criatura do modo mais excelente. O que é
feito em grau sumo quando “une a si a natureza criada, de modo que
resulte uma pessoa de três princípios, o Verbo, a alma e a carne”, como
diz Agostinho. Logo, é claro que foi conveniente Deus se encarnar.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
- O mistério da encarnação não se realiza por alguma mudança de Deus em um estado no qual não tenha existido desde toda a eternidade, mas porque se uniu à criatura segundo um novo modo, ou antes, uniu a si a criatura. É próprio da criatura, que é mutável segundo sua natureza, não permanecer sempre da mesma maneira. E assim como a criatura, antes não existindo, foi produzida na existência, assim, não sendo antes unida com Deus, foi depois com ele unida.
- Estar unida com Deus em unidade de pessoa não convinha ao corpo humano segundo a condição de sua natureza: pois estava acima da sua dignidade. Mas a Deus foi conveniente, de acordo com a excelência infinita de sua bondade, que o unisse a si para a salvação do gênero humano.
- Qualquer outra condição pela qual uma criatura qualquer difere do Criador foi estabelecida pela sabedoria de Deus e ordenada à bondade de Deus. Com efeito, Deus, em razão de sua bondade, sendo incriado, imóvel, incorpóreo, produziu criaturas móveis e corpóreas: assim como o mal da pena foi introduzido pela justiça de Deus em razão de sua glória. Ao contrário, o mal de culpa é cometido com o afastar-se da arte da divina sabedoria e da ordem da divina bondade. Desta sorte, foi conveniente assumir a natureza criada, mutável, corpórea e sujeita ao castigo; não, porém, o mal de culpa.
- Como responde Agostinho: “A doutrina cristã não ensina que Deus de tal modo se uniu ao corpo humano que abandonou ou perdeu o cuidado de governar o universo ou que transferiu esse cuidado, como que contraído, para aquele pequeno corpo: tal é o sentir dos homens, incapazes de pensar a não ser o corpo. Deus, porém, é grande não pelo tamanho, mas pelo poder: de sorte que a grandeza de seu poder não experimenta nenhuma estreiteza em lugar estreito. Como a palavra do homem, ao passar, é ouvida por muitos, e toda ela por cada um, assim também não é inacreditável que o Verbo de Deus, permanecendo em si, seja todo em todas as partes”. Portanto, não se segue nenhum inconveniente da encarnação de Deus.
Suma Teológica III, q.1, a.1
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