Carta Apostólica em forma de Motu Próprio do Sumo Pontífice Francisco Mitis Iudex Dominus Iesus, sobre a reforma do processo canônico para as causas de declaração de nulidade do matrimônio no Código de Direito Canônico.
O Senhor Jesus, manso Juiz, Pastor das nossas
almas, confiou ao Apóstolo Pedro e aos seus Sucessores o poder das chaves para
realizar na Igreja a obra de justiça e de verdade; este poder supremo e
universal, de ligar e desligar aqui na terra, afirma, corrobora e reivindica o
dos Pastores das Igrejas particulares, em virtude do qual eles têm o sagrado
direito e o dever, perante o Senhor, de julgar os seus súbditos (súditos). [1]
No decorrer dos séculos, a Igreja, em matéria matrimonial,
adquirindo uma consciência mais clara das palavras de Cristo, compreendeu e
expôs com maior profundidade a doutrina da indissolubilidade do sagrado vínculo
do matrimônio, elaborou o sistema das nulidades do consentimento
matrimonial e disciplinou de forma mais adequada o relativo processo judicial,
de modo que a disciplina eclesiástica fosse cada vez mais coerente com a
verdade da fé professada. Tudo isto foi sempre feito tendo como guia a lei suprema da
salvação das almas, [2] já que a Igreja, como sabiamente ensinou o Beato Paulo VI, é um
desígnio divino da Trindade, pelo que todas as suas instituições, embora sempre
perfectíveis, devem tender para o fim de comunicar a graça divina e favorecer
continuamente, segundo os dons e a missão de cada um, o bem dos fiéis, enquanto
objetivo essencial da Igreja. [3]
Ciente disso, decidi empreender a reforma dos processos
de nulidade do matrimônio e, para esse efeito, constituí um grupo de pessoas
eminentes por doutrina jurídica, prudência pastoral e experiência forense que,
sob a guia do Excelentíssimo Decano da Rota Romana, fizesse o esboço de um projeto
de reforma, permanecendo firme, contudo, o princípio da indissolubilidade do vínculo
matrimonial. Trabalhando
arduamente, este grupo preparou um esquema de reforma que, depois de meditada
consideração, com a ajuda de outros especialistas, é agora vertido neste Motu Próprio.
Motu
próprio é uma das espécies normativas da Igreja Católica, expedido
diretamente pelo próprio Papa. A expressão Motu Próprio poderia ser traduzida
como "de sua iniciativa própria". (Wikipédia)
É, portanto, a preocupação pela salvação das almas, que
continua a ser - hoje como ontem - o fim supremo das instituições, das leis, do
direito, que impele o Bispo de Roma a oferecer aos Bispos este documento
reformador, enquanto partilham com ele esta tarefa da Igreja, isto é, tutelar a
unidade na fé e na disciplina relativamente ao matrimónio, centro e origem da
família cristã. O impulso
reformador é alimentado pelo ingente
(enorme) número de fiéis que, embora
desejando prover à sua própria consciência, muitas vezes foram afastados das
estruturas jurídicas da Igreja por causa da distância física ou moral;
ora, a caridade e a misericórdia exigem que a própria Igreja como mãe se torne
próxima dos filhos que se consideram separados.
Neste sentido, apontaram também os votos da maioria dos meus
Irmãos no Episcopado, reunidos no recente Sínodo Extraordinário, que imploraram
processos mais rápidos e acessíveis. [4] Em total sintonia com tais desejos, decidi, com este Motu
Próprio, dar disposições que favoreçam, não
a nulidade dos matrimônios, mas a celeridade dos processos, no fundo, uma justa simplificação, para que, por causa
da demora na definição do juízo, o coração dos fiéis que aguardam pelo
esclarecimento do seu próprio estado não seja longamente oprimido pelas trevas
da dúvida.
Fi-lo seguindo naturalmente os passos dos meus Antecessores,
os quais quiseram que as causas de nulidade do matrimônio fossem tratadas por
via judicial, e não administrativa, não porque o imponha a natureza da coisa,
mas porque o exige a necessidade de tutelar ao máximo a verdade do sagrado
vínculo, sendo isso assegurado, sem dúvida, pelas garantias da ordem
judiciária.
Assinalam-se alguns
critérios fundamentais que conduziram o trabalho de reforma.
I. - Uma única sentença favorável à nulidade é executiva: Pareceu oportuno, antes de mais, que já não seja
exigida uma dupla decisão conforme a favor da nulidade do matrimônio para que
as partes sejam admitidas a novas núpcias canônicas, mas que seja suficiente a
certeza moral alcançada pelo primeiro juiz nos termos do direito.
II. - O juiz único, sob a responsabilidade do Bispo: A constituição do juiz único, certamente clérigo,
em primeira instância é confiada à responsabilidade do Bispo que, no exercício
pastoral do seu poder judicial, deverá assegurar que não se consinta qualquer
forma de laxismo (Relaxar ou
limitar as interdições estipuladas pela moral cristã).
III. - O próprio Bispo é juiz: A fim de que seja finalmente traduzido na prática
o ensinamento do Concílio Vaticano II num âmbito de grande importância,
estabeleceu-se evidenciar que o próprio Bispo na sua Igreja, da qual está
constituído pastor e chefe, é por isso mesmo juiz no meio dos fiéis a ele confiados.
É desejável, portanto, que o próprio Bispo, tanto nas grandes como nas pequenas
dioceses, ofereça um sinal da conversão das estruturas eclesiásticas, [5] e não
deixe completamente delegada aos serviços da Cúria a função judiciária em
matéria matrimonial. Valha isto especialmente no processo mais breve, que é
estabelecido para resolver os casos de nulidade mais evidente.
IV. - O processo mais breve: De fato, além de se tornar mais ágil o processo
matrimonial, estabeleceu-se uma forma de processo mais breve - juntando-se ao
documental atualmente em vigor -, que se aplicará nos casos em que a acusada
nulidade do matrimônio seja sustentada por argumentos particularmente
evidentes.
Não me passou, todavia, despercebido quanto um juízo
abreviado possa colocar em risco o princípio da indissolubilidade do matrimônio;
por isso mesmo, quis que em tal processo fosse constituído juiz o próprio
Bispo, o qual, em virtude do seu cargo pastoral é, com Pedro, o maior garante (Fiador; abonador) da unidade católica na fé e
na disciplina.
V - A apelação à Sé Metropolitana: É necessário que se restabeleça a apelação à Sé
Metropolitana, já que tal ofício de chefia da província eclesiástica, estável
ao longo dos séculos, é um sinal distintivo da sinodalidade na Igreja.
VI. - A tarefa própria das Conferências Episcopais: As Conferências Episcopais, que devem viver
impelidas sobretudo pelo zelo apostólico de alcançar os fiéis dispersos, sintam
fortemente o dever de partilhar a conversão acima mencionada e respeitem
absolutamente o direito dos Bispos de organizarem o poder judicial na sua
Igreja particular.
O restabelecimento da proximidade entre o juiz e os fiéis, na
realidade, não será bem sucedido se das Conferências Episcopais não chegar a
cada Bispo o estímulo, juntamente com a ajuda, para pôr em prática a reforma do
processo matrimonial.
Juntamente com a proximidade do juiz, as Conferências
Episcopais cuidem, tanto quanto possível, que, sem prejuízo da justa e digna
retribuição dos operadores dos tribunais, seja assegurada a gratuidade dos
processos, para que a Igreja, mostrando-se aos fiéis mãe generosa, numa matéria
tão estreitamente ligada à salvação das almas, manifeste o amor gratuito de
Cristo pelo qual todos fomos salvos.
VII. - A apelação à Sé Apostólica: É necessário, no entanto, que se mantenha a
apelação ao Tribunal ordinário da Sé Apostólica, isto é, à Rota Romana, no respeito de um princípio jurídico muito antigo, de
modo que seja reforçado o vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas
particulares, tendo porém o cuidado, na disciplina de tal apelação, de impedir
qualquer abuso do direito, para que daí não receba dano a salvação das almas.
O Tribunal
da Rota Romana ordinariamente funciona como instância superior no grau de
apelo junto da Sé Apostólica, para tutelar os direitos na Igreja; provê à
unidade da jurisprudência e, mediante as próprias sentenças, serve de ajuda aos
Tribunais de grau inferior. (Wikipédia)
A lei própria da Rota Romana será, quanto antes, adequada às
regras do processo reformado, nos limites do necessário.
VIII. - Previsões para as Igrejas Orientais: Considerando, enfim, o peculiar ordenamento
eclesial e disciplinar das Igrejas Orientais, decidi emitir separadamente,
nesta mesma data, as normas para reformar a disciplina dos processos
matrimoniais no Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
Tendo oportunamente considerado tudo isto, decreto e
estabeleço que o Livro VII do Código de Direito Canônico, Parte III, Título I,
Capítulo I, sobre as causas para a declaração de nulidade do matrimônio (câns.
1671-1691), a partir do dia 8 de Dezembro de 2015, seja integralmente
substituído como segue:
CONTINUA...
Dado em Roma, junto de São
Pedro, no dia 15 do mês de Agosto, solenidade da Assunção da Virgem Santa
Maria, do ano 2015, terceiro do meu Pontificado.
Francisco
[1] Cf. Concílio Ecuménico
Vaticano II, Const. dogm. Lumen Gentium, 27.
[2] Cf. Código de Direito
Canónico, cân. 1752.
[3] Cf. Paulo VI, Alocução
aos participantes no II Convénio Internacional de Direito Canónico (17 de
Setembro de 1973).
[4] Cf. Relatio Synodi, 48.
[5] Cf. Francisco, Exort. ap.
Evangelii gaudium, 27: AAS 105 (2013), 1031.
Observação: Os escritos em vermelho fosco não pertencem ao texto original.
Fonte: Libreria Editrice
Vaticana
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