Por H. Walker do Ecclesia Militans
Há poucas doutrinas católicas mais
controversas e mal-entendidas que a doutrina Extra ecclesiam nulla
salus, ou seja, Fora de Igreja não há salvação, uma expressão que vem
dos escritos de São Cipriano de Cartago, um bispo do século III em sua
carta LXXII, Ad Jubajanum de haereticis baptizandis. O axioma é muitas
vezes usado como abreviação para a doutrina que a Igreja é necessária
para a salvação. É um dogma da Igreja Católica e das Igrejas Ortodoxas
Orientais (e algumas denominações protestantes) em referência a suas
próprias comunhões, embora a definição do que constitui a Igreja seja
diferente no entendimento católico.
A cerca desta doutrina, citando o Santo católico Agostinho, o Bispo da Igreja Ortodoxa Grega, Kallistos Ware, escreveu:
Salus extra Ecclesiam nulla. Toda a força categórica e ponto deste aforismo está em sua tautologia. Fora da Igreja não há salvação, porque a salvação é a Igreja.” (G. Florovsky, “Sobornost: a catolicidade da Igreja”, na Igreja de Deus, p. 53). Será que, portanto, significa que qualquer pessoa que não esteja visivelmente dentro da Igreja está necessariamente condenada? Claro que não; menos ainda segue-se que todo o que está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente salvo. Como Agostinho sabiamente comentou: “Quantas ovelhas há fora, quantos lobos há dentro!” (Homilias sobre João, 45, 12). Enquanto não há uma divisão entre uma “Igreja visível” e uma “Igreja invisível”, ainda pode haver membros da Igreja que não são visivelmente tal, mas cuja associação é conhecida só a Deus. Se alguém é salvo, ele deve, em algum sentido ser um membro da Igreja; em que sentido, não podemos dizer sempre.
As declarações católicas desse
ensinamento foram repetidas por inúmeros santos e Padres da igreja
através dos séculos desde S. Irineu (morto em 202 dC), S. Origines
(morto em 254 dC) e S. Cipriano (morto em 258) à S. Tomas de Aquino
(morto em 1254) e o Papa Bonifácio VIII em 1302.
Contudo, antes de propor uma exposição da
doutrina, sugiro uma reflexão aos leitores católicos que eventualmente
não tenham dado-se conta da importância deste ensinamento. Com o aumento
das diversas denominações evangélicas no Brasil, somos mais
constantemente assediados pelas inquisitivos membros das igrejas
evangélicas à despeito de fé católica. Alguns, por vezes, parecem exigir
explicações como se tivéssemos um dever inerente de lhes justificar as
doutrinas da fé. Apesar disso, devido às inúmeras distorções, formulam
conclusões imprecisas seja porque (i) não conhecem a totalidade dos
textos católicos ou (ii) porque descontextualizam seus conteúdos.
A Salvação provém de Jesus, o Caminho
Todos os grupos cristãos aceitam que «toda salvação provém de Cristo (Cf João 14,6).
Entretanto, diferentemente do protestantismo, a Igreja Católica
historicamente sempre viu a necessidade de explicar os meios pelos quais
a salvação é oferecida por Cristo. Contudo, seria correto afirmar que a
fé somente nos basta para a salvação? A própria bíblia nos oferece
algumas pistas:
Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. (Marcos 16,16)
Não, digo-vos, antes, se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo. (Lucas 13,3)
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. (João 6,54)
Nas passagens acima, Jesus indica alguns
elementos adicionais igualmente importantes à fé, como também
necessários para a salvação; a saber, o batismo, a confissão do pecados,
a Eucaristia, todos eles administrados ao crente através do Corpo de
Cristo, a Igreja. Porém, dois dentre os três sacramentos acima citados,
pressupõem necessariamente a participação de um ministro validamente
ordenado. O que poderia levar-nos a concluir que o sacramento da
ordenação – marca característica da Igreja desde os seus primórdios –
também se faça um importante instrumento para a salvação.
A Igreja:
Sacramento Universal da Salvação
O catecismo da Igreja Católica (774 CIC)
afirma a Igreja como “Sacramento Universal da Salvação” e nos explica
que “A Igreja é, neste mundo, o sinal e o instrumento da comunhão de
Deus e dos homens.” (780 CIC). Como deve entender-se esta afirmação,
tantas vezes repetida pelos Padres da Igreja? Formulada de modo
positivo, significa que toda a salvação vem de Cristo-Cabeça pela Igreja
que é o seu Corpo” (CIC 846). Percebe-se que há dois elementos
importantes na explicação da Igreja: Cristo Salvador e a Igreja pela
qual a salvação é dada. A lógica desta doutrina está calcada em verdades
bíblicas e tem sido repedidas pelos Padres da Igreja através dos
séculos.
O Povo de Deus, A Esposa de Cristo e Templo do Espírito Santo
«Em todos os tempos e em todas as nações
foi agradável a Deus aquele que O teme e pratica a justiça. No entanto,
aprouve a Deus salvar e santificar os homens não individualmente,
excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O
conhecesse na verdade e O servisse na santidade. Foi por isso que
escolheu Israel para ser o seu povo, estabeleceu com ele uma aliança e
instruiu-o progressivamente manifestando-se a Si mesmo e os desígnios da
Sua vontade na história desse povo, e santificando-o para Si. Mas tudo
isso aconteceu como preparação da Aliança nova e perfeita, que seria
concluída em Cristo […]. Esta nova Aliança instituiu-a Cristo no seu
Sangue, chamando um povo, proveniente de judeus e pagãos, a juntar-se na
unidade, não segundo a carne, mas no Espírito» (II Concílio do
Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9)
Deste modo, a Igreja é o povo de Deus, ao
qual foi conferido um sacerdócio real, da qual se fez uma “nação santa”
(1 Pe 2, 9); e vem-se a ser membro deste povo, não pelo nascimento
físico, mas pelo «nascimento do Alto», «da água e do Espírito» (Jo 3, 3-5),
isto é, pela fé em Cristo e pelo Batismo. Contudo, este povo tem por
Cabeça Jesus Cristo (o Ungido, o Messias): porque a mesma unção, o
Espírito Santo, flui da Cabeça por todo o Corpo, este é o «povo
messiânico».
A missão da Igreja, enquanto povo de
Deus, é ser o sal da terra e a luz do mundo. «Constitui para todo o
gênero humano o mais forte gérmen de unidade, esperança e salvação e seu
destino, finalmente, é «o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo
próprio Deus, se deve dilatar cada vez mais, até ser também por Ele
consumado no fim dos séculos. Assim, vemos que a própria bíblia associa a
Igreja, o povo de Deus, ao Redentor de forma Intima e inseparável, pois
a Igreja é o Corpo Místico de Cristo e Comunhão com Jesus.
Uma vez que o Espírito Santo é a unção de
Cristo, é Cristo, a Cabeça do corpo, quem O derrama nos seus membros
para os alimentar, os curar, os organizar nas suas mútuas funções, os
vivificar, os enviar a dar testemunho, os associar à sua oferta ao Pai e
à sua intercessão pelo mundo inteiro. É pelos sacramentos da Igreja que
Cristo comunica aos membros do seu corpo o seu Espírito Santo e
santificador
Christus Totus «A CABEÇA DESTE CORPO É CRISTO» (Cl 1, 18)
Ele é o Princípio da criação e da Redenção. Elevado à glória do Pai, «tem em tudo a primazia» (Cl 1, 18),
principalmente sobre a Igreja, por meio da qual estende o seu reinado
sobre tudo quanto existe. Cristo e a Igreja são, pois, o «Cristo total»
(Christus totus). A Igreja é una com Cristo. Os santos têm desta unidade
uma consciência muito viva:
Uma palavra de Santa Joana d’Arc aos seus
juízes resume a fé dos santos Doutores e exprime o bom-senso do crente:
«De Jesus Cristo e da Igreja eu penso que são um só, e não há que
levantar dificuldades a esse respeito»
Na verdade, Santa Joana d’Arc apenas
ecoava as palavras de Jesus que, ao indagar São Paulo, então Saulo,
associa Sua Pessoa à própria Igreja à qual Paulo perseguia; Saulo,
Saulo, por que Me persegues? (Atos 9:4, ênfase do Blog). Ao invés de,
“Saulo, Saulo, por que persegues a minha Igreja ou àqueles que crêem em
mim?
O próprio Senhor Se designou como «o Esposo» (Mc 2, 19)
(243). E o Apóstolo apresenta a Igreja e cada fiel, membro do seu
Corpo, como uma esposa «desposada» com Cristo Senhor, para formar com
Ele um só Espírito. Ela é a Esposa imaculada do Cordeiro imaculado (245)
que Cristo amou, pela qual Se entregou «para a santificar» (Ef 5, 26)
Visto, assim, ou seja, a unidade da
Igreja com Cristo, podemos agora refletir sobre a segunda parte da
afirmação da Igreja: Salvação POR MEIO da Igreja.
Como abordado acima, os sacramentos são
os meios ordinários através dos quais Cristo oferece a graça necessária
para a salvação, e a Igreja católica que Cristo estabeleceu é o ministro
ordinário dos sacramentos, por esse motivo é adequado afirmar que a
salvação vem por meio da Igreja.
Isto não é diferente da situação que
existia antes do estabelecimento do cristianismo e da Igreja Católica.
Mesmo antes de ter sido totalmente revelado que ele era o Messias, o
próprio Jesus ensinou que “a salvação vem dos judeus” (Jo 04:22).
Ele apontou à mulher de Samaria o corpo de crentes existentes na época,
através do qual a salvação seria oferecida à toda a humanidade: os
judeus.
Em reconhecimento desta realidade a
Igreja, especialmente em tempos de grande conturbações e heresias, foi
enfática na maneira pela qual ensinou esta doutrina. Em vez de
simplesmente indicar como Deus oferece a salvação de Cristo, através da
Igreja, ela tem advertido que não há salvação á parte de Cristo, fora de
sua Igreja.
A Salvação dos não católicos: Ignorância Invencível
A Igreja reconhece que Deus não condena
aqueles que são inocentemente ignorantes da verdade sobre sua oferta de
salvação. Em relação à doutrina em questão, o Catecismo da Igreja
Católica (citando documento do Vaticano II Lumen gentium, 16) afirma:
«Com efeito, também podem conseguir a
salvação eterna aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo e
a sua Igreja, no entanto procuram Deus com um coração sincero e se
esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a sua vontade conhecida
através do que a consciência lhes dita».
Este ensinamento é consistente com o
próprio ensinamento de Jesus sobre aqueles que inocentemente o rejeitam:
“Se eu não tivesse vindo e falado a eles, eles não teriam pecado” (Jo 15:22).
Assim, a Igreja reconhece que, embora ela seja o sacramento da
salvação, aqueles não visívelmente unidos è ela, podem salvar-se. Ela
declara também que “ela está unida em muitos aspectos com os batizados,
honrados pelo nome de cristãos, mas que não professam a fé católica em
sua totalidade ou não conservam a unidade da comunhão sob o sucessor de
Pedro”, e ainda que “aqueles que ainda não receberam o Evangelho estão
relacionados com o Povo de Deus de várias maneiras.” [CIC 838-839].
Conclusão
A base para o ensinamento da Igreja é que Jesus Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida; e que ninguém vem ao Pai senão por Ele (Jo 14:
6). Em outras palavras, o fundamento da doutrina da Igreja é que fora
de Cristo não há salvação. Mas a Igreja não pára por aí, porque Cristo
não parou por aí.
Jesus ensinou enfaticamente que Ele iria
estabelecer e construir a Sua Igreja – e não apenas por conveniência,
mas também por uma questão de que Seu Corpo iria continuar seu trabalho
de salvação do mundo depois de sua ascensão ao céu. São Paulo explica
esta doutrina ao proclamar que a Igreja é nada menos que o Corpo de
Cristo, e Jesus Cristo é a Cabeça. Desta forma, São Paulo recorda-nos
que Cristo e Sua Igreja estão inseparavelmente UNOS. Não se pode estar
em Cristo se não se está em seu corpo, a Igreja.
E esta é uma razão pela qual o Novo
Testamento constantemente nos lembra que o batismo é necessário para a
salvação – porque o batismo é a “porta” através da qual entramos na
Igreja – é através do batismo que nascemos de novo na família de Deus
(que é outra imagem que São Paulo usa para a Igreja em 1 Tm 3:15).
Assim, a razão pela qual a Igreja ensina “extra Ecclesiam nulla salus” é
porque ela é inseparavelmente una a Cristo, e fora de Cristo não há
salvação, exceto é claro, quando se há ignorância invencível.
Source: Catecismo da Igreja Católica. Autoria e edição: Blog Ecclesia Militans – Hellen Walker
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