Por Atilio Faoro
Paris – Diante de seleto público, foi lançado na França o livro Le Ralliement de Léon XIII – L’échec d’un projet pastoral (A Reconciliação de Leão XIII – o fracasso de um projeto pastoral, em tradução livre), de autoria do historiador italiano Roberto de Mattei [foto acima, na tribuna]
Baseada em ampla e irrefutável documentação, a obra mostra que o Papa
Leão XIII fracassou no seu projeto pastoral de convencer os católicos
franceses a aderir à República francesa, liberal e anticatólica. E abriu
uma via desastrosa pela qual a Igreja renuncia ao ideal da civilização
cristã e aceita a modernidade revolucionária como modelo.
“O
tema a ser tratado hoje poderá parecer limitado à França ou
circunscrito a uma época histórica. Na realidade, falar do Ralliement
nos ajuda compreender numerosos problemas atuais, não somente quanto à
política da França, mas também no que diz respeito à vida da Igreja”. Com essas palavras o Prof. Roberto de Mattei iniciou sua palestra para cerca de 130 pessoas reunidas no conhecido Salon Hoche, em Paris, no dia 30 de abril de 2016. A sessão foi patrocinada por quatro associações francesas: Fédération Pro Europa Christiana, Société française pour la défense de la Tradition, Famille et Propriété e as associações Droit de Naître e Avenir de la Culture.
Para o intelectual e historiador italiano de renome internacional, o
assunto de seu livro não é a figura do Papa Leão XIII — que reinou de
1878 a 1903 — nem o seu magistério, mas a sua política de governo, com
um asssento particular no que ficou conhecido como o Ralliement, isto é, “a política de conciliação e de compromisso entre a Santa Sé e a Terceira República francesa, maçônica e laica”. O documento-base dessa política foi a encíclica Au milieu des sollicitudes, de 16 de fevereiro de 1892.
“Este Ralliement em relação à Terceira República francesa pode ser considerado tanto como projeto político quanto pastoral”, explicou o conferencista. “O
projeto político nasce da tentativa de resolver a chamada Questão
romana apoiando-se na Terceira República francesa para combater a
monarquia italiana, culpada de lhe ter subtraído os Estados Pontifícios.
O projeto pastoral se baseia num novo relacionamento com a modernidade.
Leão XIII a combatia no plano filosófico, mas pensava que era possível
reconciliar-se com ela no plano político”.
Prosseguindo sua explanação, o Prof. de Mattei afirma que “o projeto de Leão XIII era de convencer os católicos franceses a mudar de atitude em relação à República”. Os católicos no fim do século XIX “eram
na sua grande maioria monarquistas e monarquistas enquanto católicos.
Seus modelos eram a França de São Luís e de Santa Joana D’Arc, onde o
rei era um coadjutor de Nosso Senhor na Terra”.
“A Terceira Republica se estabeleceu na França após a queda de
Napoleão III, em 1870. A partir das eleições de 1877, que levaram ao
poder governos maçônicos e laicos, foram aprovadas leis que resultaram
na expulsão dos jesuítas, na interdição dos sacerdotes católicos de
ensinar nas escolas públicas, na abolição do ensinamento católico em
todas as escolas, na introdução do divórcio, na obrigação do serviço
militar para os clérigos. Apesar disso, Leão XIII estava convencido da
possibilidade de um acordo entre a Santa Sé e a classe politica
republicana. Para ele, a responsabilidade do anticlericalismo da
Terceira República era dos monarquistas, que combatiam a República em
nome da sua Fé católica”.
“A mencionada encíclica Au milieu des sollicitudes não
pedia aos católicos para se tornarem republicanos, mas as diretrizes da
Santa Sé aos núncios e aos Bispos, provenientes do próprio Pontífice,
interpretavam a sua encíclica de 1892 neste sentido. Uma parte da
Hierarquia católica na França atribuía à encíclica un caráter de
infalibilidade. Exercia-se sobre os fiéis uma pressão sem precedentes, a
ponto de lhes fazer crer que aqueles que continuassem a sustentar a
monarquia cometiam um pecado grave. Alguns fiéis foram impedidos de
comungar por terem cometido ‘um pecado de monarquia’. Os católicos e os
monarquistas se dividiram em dois grupos, os ‘coligados’ e os
‘refratários’, repetindo uma situação análoga à da época da Revolução
Francesa com a Constituição civil do clero, onde havia sacerdotes
‘juramentados’ e ‘refratários’”.
Para o Prof. de Mattei, “apesar do engajamento de Leão XIII e do Cardeal Rampolla, seu Secretário de Estado, o Ralliement
com a Terceira República fracassou, não chegando a realizar os
objetivos a que se propunha nem no plano pastoral — a cessação do
anticlericalismo na França —, nem no plano politico – a recuperação dos
Estados Pontificios”.
“Mas as consequências desastrosas do Ralliement aparecem em
toda a sua evidência, sobretudo na França, logo após a morte de Leão
XIII, ocorrida em 20 de julho de 1903. Em outubro desse mesmo ano, mais
de 10 mil escolas mantidas por congregações religiosas foram fechadas.
Na Sexta-feira Santa de 1904, todos os crucifixos foram retirados das
escolas e dos tribunais, e no dia 7 de julho do mesmo ano a República
francesa, após ter expulsado as congregações de ensino católicas, as
excluiu de todo o ensino público, até mesmo aquelas que estavam
autorizadas legalmente para isso. No dia 29 de julho de 1904, as
relações diplomáticas entre a França e a Santa Sé foram rompidas.
“Tendo chegado o momento previsto de aplicar a lei de 11 de
dezembro de 1905 sobre a separação entre a Igreja e o Estado, várias
medidas anticlericais sob o governo de Clemanceau foram brutalmente
aprovadas em dezembro de 1906. A Igreja na França perdeu um patrimônio
de 450 milhões de francos, ou seja, um montante superior dez vezes ao
orçamento anual do culto.”
Em sua conclusão, o Prof. de Mattei emitiu sua apreciação de historiador: “Nós
podemos hoje afirmar que há um percurso desastroso de Leão XIII até os
nossos dias, um percurso no qual se renuncia à tese da civilização
cristã. E a hipótese da aceitação da modernidade torna-se o modelo
irreversível. Entre doutrina e pastoral, entre teoria e prática deve
haver uma íntima coerência. Esta coerência faz falta no projeto pastoral
de Leão XIII.”
Aplicando ao que atualmente se passa na Igreja, Roberto de Mattei deplora que “hoje
se nos propõe uma mudança pastoral que conduz necessariamente a uma
mudança doutrinária. O Bispo de Oran (Argélia), D. Jean-Paul Vesco,
afirmou em uma entrevista concedida ao hebdomadário La Vie em 11 de
abril de 2016, que na Exortação Apostólica Amoris Laetitia do Papa
Francisco ‘nada muda na doutrina da Igreja e, entretanto, tudo muda em
relação ao mundo moderno’. É bem o projeto pastoral do Ralliement aplicado à época atual”.
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