sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Espírito de resistência e amor à Igreja


[abim]
Por Roberto de Mattei


À medida que se aproxima o quinto aniversário da eleição do Papa Francisco, ouvimos muitas vezes repetir que estamos diante de uma página dramática e absolutamente inédita na história da Igreja. Isto é apenas parcialmente verdadeiro. A Igreja sempre conheceu horas trágicas que viram a laceração de seu Corpo Místico, desde o nascimento no Calvário até tempos mais recentes.

Herói da resistência anticomunista, o Cardeal József Mindszenty (1892–1975), foi Arcebispo-Príncipe de Esztergom e Primaz da Hungria. Preso pelo regime comunista e cruelmente torturado, resistiu corajosamente. Na foto, em 1956, o Cardeal libertado do cárcere durante o levante popular anticomunista.         
Os mais jovens não sabem e os idosos esqueceram os terríveis anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, dos quais a era atual provém. 50 anos atrás, enquanto explodia [na Sorbonne] a revolta de 1968, um grupo de cardeais e bispos, que tinham sido os protagonistas do Concílio, tentaram impor uma mudança radical na doutrina católica sobre o casamento. A tentativa foi frustrada porque Paulo VI, com a encíclica Humanae Vitae, de 25 de julho de 1968, reiterou a proibição da contracepção artificial, restituindo força e esperança ao rebanho desorientado. Mas Paulo VI, o Papa da Humanae Vitae, foi também aquele que causou uma ruptura profunda com a tradição católica, ao impor em 1969 o novo rito da Missa, que está na origem da devastação litúrgica atual. O mesmo Paulo VI promoveu a Ostpolitik, assumindo em 18 de novembro de 1973 a grave decisão de retirar de seu cargo de Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria o Cardeal József Mindszenty (1892-1975), [foto acima e ao lado] campeão da oposição católica ao comunismo. O Papa Montini desejava a realização do “compromisso histórico” na Itália, por meio de um acordo entre o secretário da Democracia Cristã, Aldo Moro, e o secretário do Partido Comunista, Enrico Berlinguer. A operação foi abruptamente interrompida unicamente pelo sequestro e assassinato de Moro, do qual ocorrerá em breve o quadragésimo aniversário, seguido da morte do próprio Papa Montini em 6 de agosto de 1978.
Naqueles anos de prevaricação e de sangue, algumas vozes corajosas se ergueram e devem ser lembradas não apenas por dever de memória, mas porque ajudam a nos orientar na escuridão do momento presente. Recordamos duas, anteriores à explosão do chamado “caso Lefèbvre”, o arcebispo francês de quem Mons. Athanasius Schneider, em uma entrevista recente, sublinhou a “missão profética em um tempo obscuro e extraordinário de uma crise generalizada da Igreja”.
 
A primeira voz é a do teólogo dominicano francês padre Roger Calmel [foto ao lado], que em 1969 rejeitou o Novus Ordo de Paulo VI e em junho de 1971 escreveu na revista Itinéraires:
“A nossa resistência cristã de sacerdotes ou de leigos, resistência dolorosíssima porque nos obriga a dizer não ao próprio Papa a respeito da manifestação modernista da Missa católica, nossa resistência respeitosa, mas inflexível, é ditada pelo princípio da plena fidelidade à Igreja sempre viva; ou, em outras palavras, pelo princípio da fidelidade viva ao desenvolvimento da Igreja. Nunca pensamos frear ou, menos ainda, impedir aquilo que alguns, com palavras aliás muito equivocadas, chamam de ‘progresso’ da Igreja, mas que é na realidade seu crescimento homogêneo em questões doutrinárias e litúrgicas, na continuidade da tradição, a caminho da ‘consummatio sanctorum’. […] Como Nosso Senhor nos revelou nas parábolas, e como ensina São Paulo nas suas epístolas, acreditamos que a Igreja, através dos tempos, cresce e se desenvolve em harmonia, mas através de mil sofrimentos, até o retorno glorioso do próprio Jesus, seu Esposo e Senhor nosso. É precisamente porque estamos convencidos de que ao longo dos séculos se verifica o crescimento da Igreja, e porque estamos prestes a nos inserir, tanto quanto depende de nós e o mais retamente possível, neste movimento ininterrupto e misterioso, que rejeitamos este pretenso progresso que o Vaticano II reivindica e que na realidade é um desvio mortal. Retomando a distinção clássica de São Vicente de Lerins, quanto mais temos desejado um belo crescimento, um esplêndido ‘profectus’, tanto mais vigorosamente rejeitamos, sem consentir em transações, uma fatal ‘permutatio’ ou qualquer mudança radical e vergonhosa — radical, porque provindo do modernismo nega toda a fé; vergonhosa, porque toda negação de molde modernista é evasiva e oculta”.
Herói da resistência anticomunista, o Cardeal József Mindszenty (1892–1975), foi Arcebispo-Príncipe de Esztergom e Primaz da Hungria. Preso pelo regime comunista e cruelmente torturado, resistiu corajosamente. Na foto, em 1956, o Cardeal libertado do cárcere durante o levante popular anticomunista.       
 A segunda voz é a do pensador e homem de ação brasileiro Plinio Corrêa de Oliveira [foto ao lado], autor de um manifesto de resistência à Ostpolitik vaticana publicado no dia 10 de abril de 1974 em nome da associação Tradição, Família e Propriedade, sob o título de A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas. Para a TFP: omitir-se ou resistir?
          Plinio Corrêa de Oliveira explicava: “Resistir significa que aconselharemos os católicos a que continuem a lutar contra a doutrina comunista com todos os recursos lícitos, em defesa da Pátria e da Civilização Cristã ameaçadas.” E acrescentava: “As laudas da presente declaração seriam insuficientes para conter o elenco de todos os Padres da Igreja, Doutores, moralistas e canonistas — muitos deles elevados à honra dos altares — que afirmam a legitimidade da resistência. Uma resistência que não é separação, não é revolta, não é acrimônia, não é irreverência. Pelo contrário, é fidelidade, é união, é amor, é submissão. ‘Resistência’ é a palavra que escolhemos de propósito, pois ela é empregada nos Atos dos Apóstolos pelo próprio Espírito Santo, para caracterizar a atitude de São Paulo. Tendo o primeiro Papa, São Pedro, tomado medidas disciplinares referentes à permanência no culto católico de práticas remanescentes da antiga Sinagoga, São Paulo viu nisto um grave fator de confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se então e “resistiu em face” a São Pedro (Gal. II, 11). Este não viu, no lance fogoso e inesperado do Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de união e amor fraterno. E, sabendo bem no que era infalível e no que não era, cedeu ante os argumentos de São Paulo. Os Santos são modelos dos católicos. No sentido em que São Paulo resistiu, nosso estado é de resistência. E nisto encontra paz nossa consciência.”
Herói da resistência anticomunista, o Cardeal József Mindszenty (1892–1975), foi Arcebispo-Príncipe de Esztergom e Primaz da Hungria. Preso pelo regime comunista e cruelmente torturado, resistiu corajosamente. Na foto, em 1956, o Cardeal libertado do cárcere durante o levante popular anticomunista.
A “resistência” não é uma declaração de fé puramente verbal, mas um ato de amor à Igreja que acarreta consequências práticas. Quem resiste se distancia daquele que causa divisão na Igreja, critica-o abertamente, corrige-o. Expressaram-se nessa linha, em 2017, a Correctio filialis ao Papa Francisco e o manifesto dos movimentos pró-vida, publicado sob o título Fiéis à verdadeira doutrina, não aos pastores errados. Situa-se hoje na mesma linha a atitude intransigente do Cardeal Joseph Zen Zekiun [foto ao lado] em relação à nova Ostpolitik do Papa Francisco com a China comunista. Aos que lhe objetam ser necessário “tentar encontrar um terreno comum para unir o Vaticano e a China separados por décadas”, o Cardeal Zen responde: “Mas pode haver algo de ‘comum’ com um regime totalitário? Ou você se entrega ou então aceita a perseguição, permanecendo fiel a si mesmo. Pode-se imaginar um acordo entre São José e o Rei Herodes?”. E para aqueles que lhe perguntam se ele está convencido de que o Vaticano está vendendo a Igreja Católica na China, ele responde: “Sim, indubitavelmente, se eles continuarem a caminhar na direção que é óbvia em tudo o que fizeram nesses últimos meses e anos”.
Anunciou-se para o dia 7 de abril um simpósio em Roma, do qual muito ainda se ignora, mas cujo tema seria a atual crise da Igreja. A participação de alguns cardeais e bispos, sobretudo do Cardeal Zen, daria máximo crédito a essa reunião. Devemos rezar para que dela possa elevar-se uma voz de amor pela Igreja e de firme resistência a todos os desvios teológicos, morais e litúrgicos do atual pontificado, sem a ilusão de que a solução seria de insinuar a invalidade da renúncia de Bento XVI ou a eleição do Papa Francisco. Refugiar-se na questão canônica equivale a evitar debater o problema doutrinário, que está na raiz da crise que estamos vivendo.
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(*) Fonte: “Corrispondenza romana”, 7-2-2018. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.
 






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