quarta-feira, 11 de julho de 2018

Pode a Igreja Católica 'evoluir' em questões de direitos L.G.B.T.?

Por John Gehring*

Funcionários católicos L.G.B.T. têm suas vidas sujeitas ao escrutínio moral de maneiras que os católicos heterossexuais nunca são vítimas.



Adotar o termo 'L.G.B.T.' é emblemático de uma mudança emergente na postura da igreja em relação a pessoas gays, lésbicas e transgênero
Adotar o termo 'L.G.B.T.' é emblemático de uma mudança emergente na postura da igreja em relação a pessoas gays, lésbicas e transgênero (Reprodução/ Pixabay)
 
Atualmente, um número crescente de americanos apoia amplamente a igualdade de direitos entre gays, lésbicas e transgêneros. É tentador ver isso como inevitável, mas menos de uma década atrás, muitos democratas, incluindo Barack Obama, não apoiavam publicamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A velocidade em que os direitos L.G.B.T. tornaram-se uma questão dominante, incluindo outras muitas denominações religiosas, representa nada menos do que uma transformação cultural vertiginosa.
O que essa revolução significa para a Igreja Católica, uma instituição antiga que pensa há séculos e tem uma visão da sexualidade humana em desacordo com a mudança dos ventos culturais?
Bem, na semana retrasada, o Vaticano usou as siglas “L.G.B.T.” para o que se acredita ser a primeira vez em que a santa Sé prepara um documento para um grande encontro de bispos e jovens em outubro. “Alguns jovens L.G.B.T.”, diz o documento, querem “beneficiar-se de uma maior proximidade e experimentar maior cuidado da igreja”. O documento também reconhece que muitos jovens católicos discordam do ensinamento da Igreja sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Não é exatamente uma grande notícia, você pode argumentar. Mas adotar o termo “L.G.B.T.” é emblemático de uma mudança emergente na postura da igreja em relação a pessoas gays, lésbicas e transgênero. Os documentos de ensino católico normalmente usam “homossexual” ou se referem àqueles com “tendências homossexuais”, termos que reduzem a humanidade multidimensional da pessoa à mecânica do sexo. Usar o termo descritivo L.G.B.T., muitas vezes preferido por muitos gays, lésbicas e transexuais, é um sinal de respeito.
O Papa Francisco abriu espaço para uma conversa mais profunda e mais autêntica sobre como a igreja pode manter um pé plantado na tradição católica sem ter medo de entrar nas experiências vividas pelos outros. Quando o Papa Francisco pronunciou a mais famosa frase dos papas na história, cinco anos atrás - “Quem sou eu para julgar?” - até mesmo seu uso coloquial da palavra “gay” causou agitação nos círculos católicos tradicionais. Embora o Papa tenha defendido fortemente o ensinamento da Igreja sobre o casamento como exclusivamente entre um homem e uma mulher, ele prioriza a escuta e o encontro pessoal frente a denúncias superficiais. Francisco se encontrou com pessoas transexuais e, quando falou em particular no mês passado com um sobrevivente de abuso sexual clerical chileno, o Papa disse a ele que Deus o fez gay e o amava assim.
Existem outros sinais de progresso. O proeminente jesuíta e autor de livros padre James Martin, que foi proibido de falar em algumas instituições católicas nos Estados Unidos simplesmente por encorajar a Igreja a construir pontes com as pessoas L.G.B.T. foi recentemente convidado para fazer um discurso no encontro mundial das famílias patrocinado pelo Vaticano em Dublin no final deste verão. No último encontro na Filadélfia, há três anos, a única discussão sobre questões L.G.B.T. vieram de católicos homossexuais celibatários que falavam sobre a castidade.
A ênfase do Papa no encontro e no engajamento está diminuindo na influência sobre outros líderes da Igreja. O cardeal Joe Tobin, de Newark, recebeu uma peregrinação de católicos L.G.B.T. na catedral da cidade na última primavera. Na edição deste mês da revista católica norte-americana, um diácono da diocese de São Petersburgo, Flórida, escreveu de maneira comovedora sobre sua filha transgênero e desafiou a noção de "ideologia de gênero" da Igreja, um termo que tem sido usado para desacreditar a luta pelos direitos dos transgêneros.
Apesar deste progresso, a Igreja Católica deve fazer muito mais não apenas para reconhecer a humanidade de pessoas L.G.B.T., mas também para reconhecer melhor que eles querem os mesmos relacionamentos amorosos e os mesmos compromissos do que os casais heterossexuais. Após a decisão de 2015 da Suprema Corte legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o cardeal Blase Cupich de Chicago pediu "respeito real, não retórico" para gays e lésbicas. A decisão do tribunal, à qual ele se opunha, ainda oferecia uma oportunidade para “reflexões maduras e serenas”, escreveu o cardeal.
Líderes católicos nos Estados Unidos deveriam considerar estudar uma proposta feita pelo bispo Franz-Josef Bode, o vice-presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, que encorajou uma discussão cuidadosa sobre se os clérigos católicos poderiam oferecer um tipo de bênção para os católicos em relações do mesmo sexo nesse país. "Embora 'casamento para todos' difira claramente do conceito de casamento da Igreja, agora é uma realidade política", disse o bispo. "Temos que nos perguntar como nos colocamos diante aqueles que formam tais relacionamentos, também como nos comprometemos na igreja, como estamos acompanhando-os pastoral e liturgicamente".
A própria linguagem da igreja para as pessoas L.G.B.T. é uma pedra de tropeço ao seu compromisso declarado com a dignidade humana. Enquanto o catecismo católico, que detalha o ensinamento da Igreja, proíbe qualquer violência ou “discriminação injusta” contra pessoas gays ou lésbicas, também descreve a intimidade sexual entre eles como “intrinsecamente desordenada”. Antes de se tornar Papa, o cardeal Joseph Ratzinger escreveu em 1986 que a homossexualidade representa uma "forte tendência ordenada para um mal moral intrínseco".
Muitos católicos L.G.B.T. também são forçados a viver no que o padre Bryan Massingale, teólogo da Universidade de Fordham, chama de “o armário aberto”. Isto é particularmente verdadeiro nas escolas católicas, onde nos últimos anos mais de 70 funcionários L.G.B.T. da igreja e professores católicos foram demitidos ou perderam seus empregos em disputas trabalhistas. Funcionários católicos L.G.B.T. têm suas vidas sujeitas ao escrutínio moral de maneiras que os católicos heterossexuais nunca são vítimas. Os católicos heterossexuais não são demitidos por usar contraceptivos, por exemplo, ou fazer sexo antes do casamento. Por que não julgar os católicos por não acolher os imigrantes, alimentar os famintos ou visitar os doentes? No Evangelho de Mateus, deixar de fazer isso nos dá um ingresso direto para a condenação.
Cinco anos após o papado de Francisco, um Papa que enfatiza a misericórdia e dá um tom mais acolhedor em direção a pessoas L.G.B.T., Francisco está ajudando a resgatar a igreja de um cristianismo de guerra cultural que afasta as pessoas. Mas até que a hierarquia católica possa encontrar formas mais tangíveis de institucionalizar um compromisso com os direitos dos gays, lésbicas e transgêneros, o êxodo dos católicos continuará. Pesquisas mostram que a maioria dos católicos apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e a oposição da igreja aos direitos L.G.B.T. afasta os jovens.
Aqueles que são criados católicos são mais propensos do que os que são criados em qualquer outra religião para citar o tratamento religioso negativo de gays e lésbicas como a principal razão pela qual deixam a igreja, de acordo com o Instituto de Pesquisa sobre Religião Pública, não partidária. Falar mal dos católicos L.G.B.T. e usar uma linguagem degradante como “intrinsecamente desordenados” corrói a credibilidade da igreja para falar sobre justiça, amor e dignidade humana.
Se o primeiro passo para a mudança é ouvir, o Bispo John Stowe, de Lexington, Kentucky, acertou quando se dirigiu a um encontro nacional de católicos L.G.B.T. no ano passado: "Em uma igreja que nem sempre valorizou ou recebeu sua presença, precisamos ouvir suas vozes e levar a sério suas experiências", disse ele.
É hora de garantir que seja mais do que apenas uma onda de ovações.


The New York Time - Tradução: Ramón Lara

*John Gehring (@gehringdc) é diretor de programas católicos da "Faith in Public Life" e autor de "O efeito Francisco: um desafio radical do papa para a Igreja Católica americana".

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