quinta-feira, 12 de março de 2020

O coronavírus, da providência: apelo ao amor criativo


Por José Granados


Nos dias da Quaresma, relemos a partida de Israel do Egito, quando Deus o livrou do flagelo das pragas. A cena ganha vida com a epidemia que estamos enfrentando. E nos lembra que Deus não é estranho a nada que nos acontece. "Na tua mão estão as minhas chances" (Sl 35:15). Quem vive tudo, desde a fé no Criador, também da fé no Criador, vive o coronavírus.
Por que o coronavírus, quais são suas causas e efeitos? O biólogo ou médico pode nos contar sobre isso, também o psicólogo ou o economista. Mas somente a fé oferece o horizonte final que unifica visões parciais. O crente não tem todas as respostas, mas sabe quem tem. Ela o conhece e sabe como invocá-lo, ajudá-lo a viver esta hora com significado. Crer em Deus significa que o nosso "por quê?" pode se tornar "para quê?"
"No programa do reino de Deus", disse São João Paulo II, "o sofrimento está presente no mundo para provocar amor, dar nascimento a obras de amor ao próximo" ( Salvifici Doloris 30). O sofrimento do vírus também está presente para que o amor seja revivido em nós. Para esse amor, a providência conduz todas as coisas. Portanto, quem acredita na providência não responde com negligência ou irresponsabilidade, mas com a inteligência do amor.
Acordamos para amar primeiro porque descobrimos o quão valiosos são nossos relacionamentos baseados no corpo. E é que esse vírus é uma ameaça à nossa vida comum. Por causa dele, temos medo de estar juntos, de trabalhar juntos, nos isolamos... Assim, o vírus nos machuca no coração do ser humano, que é o chamado à comunhão. Mas, ao contrário, aprendemos ao mesmo tempo o grande bem que está ameaçado. Pois experimentamos que não temos vida se não for a vida juntos. Que não podemos florescer como indivíduos solitários, mas apenas como membros de uma família, escola, bairro... O vírus desmascara a mentira do individualismo e testemunha a beleza do bem comum.
E assim despertamos para o amor, em segundo lugar, porque sofremos como sofrimentos e angústias dos outros. A dor nos une. De certa forma, todos nós fomos infectados com o vírus, porque nossa comunidade, cidade e nação foram infectadas. Tempos difíceis estão chegando para muitas famílias, para idosos e para os mais frágeis. E a dor aumentará entre nós as obras de amor ao próximo. A dificuldade do contato físico exigirá um amor inteligente que invente novas formas de presença. Os meios tecnológicos nos ajudarão a expressar essa proximidade e apoio emocional que, longe de espalhar o vírus, nos vacinam contra ele.
Acordar para amar também será, em terceiro lugar, acordar para novas formas de trabalhar juntos. Bem, a dor do vírus, além da que causa a doença, será a dor da ansiedade, por não saber o que esperar ou como tirar as milhares de coisas da vida cotidiana, será a fadiga de refazer os planos e suportar a espera. E o amor inteligente e criativo será o dos professores que não interrompem seu trabalho educacional ou o apoio aos alunos, o dos pais que inventam tarefas e brincadeiras para os filhos, o dos pastores que continuam trazendo comida para seus fiéis, os de famílias que inspiram e compartilham sua criatividade com outras famílias.
Em suma, essa criatividade do amor nos fará descobrir que o amor tem uma fonte inesgotável. E assim a dor nos despertará para o amor, em quarto lugar, se voltarmos o olhar para Deus, fonte e canal de todo amor. O isolamento forçado do vírus pode ajudar a aprofundar a grande questão sobre o "para quê" de tudo. O vírus, ameaçando o fôlego da vida que respiramos e a presença daqueles que amamos, nos convida a nos perguntar sobre o segredo último desse fôlego de vida e amor. Qual é a sua origem e destino? E a pergunta nos levará a descobrir a face daquele Deus que quis responder ao sofrimento, não com uma teoria, mas com uma presença: sofrendo conosco. Pois Ele se tornou carne, assumindo nossa dor para curá-la. E, nos sacramentos de seu corpo e sangue, ele nos deu saúde.
Precisamente neste momento, o acesso aos sacramentos, especialmente a Eucaristia, pode ser difícil. Lembremos, portanto, que a graça de Deus continua a agir, mesmo quando não podemos ir à Comunhão. Pois em todas as missas que um padre diz, mesmo que ele esteja sozinho, todos estaremos presentes, e sua graça nos tocará. E a fé na providência suscitará amor inteligente, para que a Eucaristia continue em nossas vidas. Poderemos reforçar a oração comum, a leitura em voz alta da palavra de Deus, a oração familiar de louvores ou vésperas no domingo, a invocação de Maria no rosário...
É possível que, como já está acontecendo na Itália, muitos vivam essa Quaresma do jejum da Eucaristia. Será uma dor salvadora se despertar em nós o amor pelo pão vivo que vem do céu. Se nos ensina que, privados da Eucaristia, remédio para a imortalidade, não podemos viver. Pois nele está o corpo ressuscitado de Cristo, já imune a qualquer vírus, e a fonte inesgotável de nossa vida juntos. Assim, a ameaça do vírus despertará em nós, juntamente com o amor concreto pelo qual ele sofre, a esperança de um amor pleno que nunca acaba. Pois o apelo do salmista soará novo: "Você não temerá a praga que desliza na escuridão, nem a epidemia que assola ao meio-dia, porque você fez do Senhor seu refúgio, tomou o Altíssimo em defesa" (Sl 91.5-6.9).
Nada escapa à providência de Deus, e Deus confia em nossa prudência (que é a inteligência do amor) para enfrentar a epidemia, apoiando-se generosa e criativamente.
 
O padre José Granados é Superior Geral dos Discípulos dos Corações de Jesus e Maria.



 

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