sábado, 23 de maio de 2020

Como o ataque dos protestantes a Maria desmantelou toda a sociedade

O culto a Nossa Senhora fez com que, ao longo de séculos, ficasse enraizado nas sociedades outrora cristãs um senso de humildade e de hierarquia. Até que veio o movimento protestante, com uma noção revolucionária e destruidora de igualitarismo...



Por Timothy Flanders
Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

 
Desde a Queda, homens e mulheres ficaram aprisionados numa disputa por poder. Em lugar da norma da humildade e da caridade, criada por Deus, Adão e Eva escolheram a soberba e a rebelião contra o Criador e a revolta de um contra o outro. A soberba gera disputa de poder, porque só pode ser satisfeita com a ampliação deste através da realização da própria vontade. É o non serviam de Satanás. Assim, antes da vinda de Cristo, o Profeta clamou: “Senhor, estabelece sobre elas um legislador, para que os povos conheçam que são homens [miseráveis]” (Sl 9, 21).
Nosso Senhor estabeleceu uma nova criação quando veio ao mundo. Ele se tornou o novo Adão, e Maria a nova Eva. Nossa Senhora e Nosso Senhor não foram maculados pela ânsia de poder, pois não tinham o pecado original. Em vez de ser desobediente como Eva por orgulho, Maria se anulou por humildade: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Não se deixando vencer em humildade, Cristo “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fl 2, 7). Na nova criação, a disputa de poder se transformou na luta para alcançar a humildade. Essa foi a “competição” da qual participaram os santos e cujo prêmio eles ganharam.

Maria e a autoridade viva de Cristo. — Cristo tornou definitiva no mundo a luta pela humildade precisamente por ter nascido de uma mulher, a fim de estabelecer um exemplo tangível de humildade, associando-o a uma autoridade viva. Deus se deu a conhecer não apenas como uma ideia abstrata ou uma realidade transcendental — algo que no cotidiano poderia ser destituído de toda autoridade verdadeira e viva pela disputa do poder e do orgulho. Em vez disso, Deus nos foi apresentado por meio de Maria a fim de que nos humilhássemos perante uma autoridade viva. São John Henry Newman fala dessa realidade (o contexto era o dos protestantes liberais de sua época):
O mundo aceita o fato de que Deus seja homem; esse reconhecimento lhe custa pouco, pois Deus está em todo lugar e é tudo (como o mundo pode dizer). Porém, reluta em confessar que Deus é o Filho de Maria. Essa relutância ocorre porque o mundo é imediatamente confrontado com um fato grave, que viola e abala sua própria descrença; a doutrina revelada assume sua verdadeira forma imediatamente e adquire uma realidade histórica; o Todo-poderoso é introduzido em seu próprio mundo numa determinada época e de um modo definido. Sonhos são interrompidos e sombras desaparecem; a verdade divina já não é uma expressão poética, um exagero devocional, uma economia mística ou uma representação mítica. “Não quiseste sacrifício nem oblação”, as sombras da Lei, “mas me formaste um corpo” [1].
Os hereges odeiam Maria porque é através dela que Cristo confronta pessoalmente suas opiniões arrogantes. A Encarnação fez com que Cristo se tornasse presente nos clérigos e na hierarquia da Igreja, responsável pela transmissão da Sagrada Tradição e à qual o herege jamais se submeterá. Por isso, as heresias do primeiro milênio procuraram atacar a Encarnação em Maria a fim de remover a autoridade viva e fundamental de Cristo em sua Igreja. A disputa de poder conduzida pelos hereges foi sempre combatida e derrotada por meio da luta pela humildade, enraizada na devoção à Tradição e à autoridade viva da Igreja, que se manifestou primeiro em Cristo e Maria.


Infelizmente, a igreja assíria, as igrejas orientais e as ortodoxas se separaram uma a uma da Igreja Católica por causa de muitos fatores, particularmente a disputa de poder. No entanto, como ainda preservam alguma reverência por Maria, permaneceu intacta a estrutura fundamental da autoridade viva na figura do bispo. A postura de humildade perante uma autoridade humana na pessoa de Maria ajudou a preservar essa mesma postura em relação ao bispo. Isso também salvaguardou a glória da feminilidade para as mulheres pertencentes às referidas igrejas, pois ainda lhes era possível ascender ao “trono verdadeiramente régio” bem como tornar-se virgens consagradas. “Mas”, continua Newman: 
[...] quando [os espíritos maus] vieram novamente dos reinos das trevas e tramaram a completa ruína da fé cristã no século XVI, não conseguiram encontrar meio mais certeiro para atingir seu odioso propósito do que o insulto e a blasfêmia contra as prerrogativas de Maria, pois sabiam muito bem que, se conseguissem fazer o mundo desonrar a Mãe, se seguiria a desonra do Filho. Tanto a Igreja como Satanás sabiam que Filho e Mãe não podiam ser separados, e a experiência de três séculos confirmou seu testemunho, pois os católicos que honraram a Mãe ainda cultuam o Filho, ao passo que os protestantes, que deixaram de confessar o Filho, começaram zombando da Mãe [2].
Aqui, Newman entende corretamente a relação entre a depreciação de Maria e os movimentos progressistas modernos de sua época, que também incluíam o feminismo e o marxismo, como veremos. Ao eliminar da vida cristã o culto a Maria, os protestantes conseguiram reintroduzir a disputa de poder no coração de cada família e de cada alma cristã. Ao eliminar Maria como canal da Encarnação, puderam remover a autoridade viva da Igreja e de Cristo, algo que levaria diretamente à completa eliminação da autoridade de Cristo Rei em toda a sociedade. 

A degradação das mulheres pelos protestantes. — O protestantismo foi, por meio de suas doutrinas fundamentais, uma tentativa de santificar a disputa de poder. Na vida cristã, tudo foi submetido a essa disputa. Assim, o culto à Virgem foi considerado uma disputa com Deus; o poder do sacerdote, uma competição com o sacerdócio do povo; e a autoridade da Igreja, uma disputa com os fiéis. 
Como a soberba vê no poder “a” fonte da dignidade, qualquer poder que não seja igualitário — portanto, qualquer tipo de hierarquia — é considerado um rival injusto.
A resposta protestante a essa suposta injustiça foi uma revolução constante cujo objetivo era tirar poder do “opressor injusto”. Em lugar do esforço para alcançar a humildade no seio da hierarquia conjugal, eclesial e estatal, os protestantes consideraram a rebelião (o orgulho) uma virtude. Porém, a depreciação da Mãe de Deus provocou diretamente a depreciação das mulheres. Assim como a exaltação de Maria deu origem à glória feminina em seu “trono verdadeiramente régio”, a remoção de Maria provocou a supressão do dever de honrar as mulheres.
O prestígio da mulher sofreu um revés incalculável com a abolição da veneração à Mãe de Deus e do culto prestado a ela, ambos levados a cabo pelo protestantismo. Com o desaparecimento da vida conventual, as mulheres deixaram de ter um status reconhecido na vida social fora do matrimônio, algo que lhes fora dado anteriormente pela vida religiosa [...]. Tão-logo foi suprimida a autoridade da Igreja, a postura do marido em relação à mulher tendeu a retornar ao ideal pagão do mestre e do dono em lugar de um afetuoso amigo, companheiro e protetor. Evidências claras da triste deterioração do prestígio da mulher podem ser vistas na literatura inglesa dos séculos XVII e XVIII, quando os efeitos destrutivos do protestantismo na vida social já podiam ser percebidos plenamente. A estima e o respeito cortês pelas mulheres [...], reflexo da inigualável glória da Rainha do Céu, desapareceu da literatura inglesa [...]. A mulher voltou a ser valorizada apenas por seu sexo; e aquela que não exercia atração sexual (ou deixara de fazê-lo) muitas vezes era alvo de piadas grosseiras demasiado repulsivas à mentalidade verdadeiramente cristã [3]. 
Foi desencadeada pelos homens protestantes — de forma imediata e previsível — uma licenciosidade indiscriminada. O matrimônio indissolúvel, a monogamia, os direitos e os deveres mútuos e específicos do casamento — que refreavam, pelo bem da mulher, a masculinidade decaída e dominadora — tinham como sólido fundamento a veneração a Maria e a Sagrada Tradição da Igreja. Com a eliminação de Maria e da Tradição, os homens protestantes puderam então satisfazer impunes sua luxúria. 
Isso se manifestou em todo o movimento protestante: das segundas “núpcias” adúlteras de Henrique VIII — públicas e recorrentes —, passando pelo casamento do monge Lutero com uma freira, até o defensor luterano Filipe I de Hesse, que teve duas mulheres, e os haréns libertinos de João de Leiden e Bernardo Rothmann. O próprio Lutero facilitou a destruição da virgindade e da castidade ao mesmo tempo que, como seus imitadores, desonrava a Virgem Maria: 
O contrabando de freiras se tornara uma das principais operações eclesiásticas do grupo dos reformados na Alemanha, e na década de 1520, Wittenberg (cidade natal de Lutero) tornou-se um de seus pontos de encontro prediletos [...]. A libido (e a consequente quebra de votos) foi o motor que puxou o trem da Reforma. Foi um modo excepcionalmente eficaz de organizar ex-sacerdotes para que se opusessem à Igreja [4].
Uma testemunha da época afirmou que “os conselhos de Lutero foram seguidos de tal forma que sem dúvida alguma havia mais castidade e honra ao matrimônio na Turquia do que entre os evangélicos [protestantes] na Alemanha” [5]. O próprio Lutero, por não ter conseguido encontrar um fundamento para a proibição geral da poligamia, eliminou a dignidade sacramental do matrimônio [6].

A Santa Madre Igreja responde. — Contra essa devassidão que desonrava Nossa Senhora e as mulheres em geral, o Concílio de Trento bradou em defesa do matrimônio indissolúvel, da virgindade e da castidade, reflexos da veneração essencial devida à Virgem Mãe:  
Se alguém disser que o matrimônio não é verdadeira e propriamente um dos sete sacramentos da lei evangélica instituída por Nosso Senhor […], seja anátema.

Se alguém disser que é lícito ao cristão ter muitas esposas ao mesmo tempo e que isso não é proibido por qualquer lei divina […], seja anátema.

Se alguém disser que a Igreja se engana por ter ensinado e por ensinar que, segundo a doutrina evangélica e apostólica, o vínculo matrimonial não pode ser dissolvido pelo adultério […], seja anátema.

Se alguém disser que os clérigos constituídos em ordens sacras e os regulares que professam solenemente a castidade podem contrair validamente matrimônio [...], seja anátema.

Se alguém disser que o estado conjugal se deve antepor ao estado da virgindade ou celibato, e que não é melhor nem mais beato permanecer no estado de virgindade e celibato do que contrair matrimônio, seja anátema [7].
Os excessos da devassidão dos revolucionários foram duramente reprimidos pelos decretos definitivos de Trento. O culto à Virgem Maria foi defendido com firmeza e, com ele, a ordem hierárquica da família, da Igreja e da sociedade. Sob o catolicismo, as mulheres ficaram protegidas, assim como à Virgem foi concedida a glória sagrada que lhe era devida. Trento se tornou o bastião da Igreja para resistir aos ataques de carnificina e do caos provocados pelos protestantes, que destruíram o tecido social e degradaram as mulheres, retirando-lhes a devida honra.
Como os cismáticos do Oriente, os protestantes conseguiram preservar alguma reverência por Cristo e pelas Sagradas Escrituras, que impediram que seu orgulho cego mais uma vez subjugasse completamente as mulheres à escravidão pagã. Caberia aos marxistas e às feministas cumprir esse objetivo.

Referências

  1. São John Henry Newman, Discourse 17, “The Glories of Mary for the Sake of Her Son”.
  2. Ibid.
  3. Rev. E. Cahill, S.J., The Framework of a Christian State, Roman Catholic Books, reimpressão de 1932, p. 432.
  4. E. Michael Jones, Degenerate Moderns: Modernity as Rationalized Sexual Misbehavior, Ignatius, 1993, p. 244.
  5. Heinirch Denifle, Luther and Lutherdom, Somerset, Ohio: Torch Press, 1917, p. 298, apud Michael Jones, op. cit., p. 245.
  6. “Confesso que não posso proibir uma pessoa de ter muitas esposas, pois isso não contradiz a Escritura. Se um homem deseja se casar com mais de uma mulher, deveria ser questionado se sua consciência está tranquila, para que possa fazê-lo de acordo com a palavra de Deus”. Martinho Lutero, De Wette II, 459, em: Hartmann Grisar, Luther, 1916, vol. 5, pp. 329-330. Embora tenha permitido a prática em princípio, Lutero não a incentivou. Para a perspectiva católica a respeito da poligamia permitida antes de Cristo, ver Santo Tomás e Santo Agostinho
  7. Sessão 24, Cânones 1, 2, 7, 9 e 10.


 Fonte - padrepauloricardo


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