Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
terça-feira, 26 de maio de 2020
São Felipe Neri, Fundador do Oratório
O santo fundador dos padres
oratorianos é comemorado neste dia 26 de maio
Por Plinio Maria Solimeo
Os
santos são modelos para nós. Pela sua vida eles nos ensinam de modo concreto
como servir a Deus e praticar a virtude.
─
Que lição especial nos dá São Felipe Neri? Esse
jovial santo italiano nos ensina a “servir
o Senhor com alegria” (Salmo 99,2).
São Felipe nasceu em Florença em 1515
Pelo
seu caráter amável, São Felipe foi chamado o “santo da alegria” ou “o
jogral de Deus”. Ele é o padroeiro da santa alegria. Assim, ele pode ser
nosso poderoso intercessor quando estivermos acabrunhados pelo peso da vida ou nos
períodos de tristeza ou depressão — infelizmente tão frequentes nos difíceis dias
em que vivemos. E também nos períodos de aridez espiritual a que estão sujeitos
os homens, como uma provação a ser vencida para merecerem a recompensa celeste.
Primeiros
anos de “Pippo Buono”
Segundo filho de Francisco Neri e Lucrecia da Mosciano,
Filippo
Romolo Neri nasceu na bela cidade de Florença, na Toscana. O casal tivera já
uma filha, Catarina, nascida dois anos antes, e teria depois Elizabetta (ou
Isabel), três anos mais nova. Outro filho, Antonio, morreria em tenra idade.
Felipe foi batizado na igreja de São Pedro Gattolino no dia seguinte ao seu
nascimento.
Francisco,
modesto tabelião, era bom católico. Sua família havia sido nobilitada no
serviço do Estado, por ter exercido durante gerações funções de relevo na
cidade. Felipe contava apenas cinco anos quando perdeu sua mãe,
mas encontrou na madrasta, Alexandra de Michele Lensi, uma digna
sucessora que o amou como filho.
O
menino era tão
amável, jovial e terno, que logo se
tornou conhecido como
Pippo Buono, “o bom
Felipinho”. Sua bondade de coração e sua amabilidade
eram contagiantes. Permeadas pela graça divina, elas se tornariam o grande segredo
de suas conquistas
apostólicas. Sua
irmã Isabel, testemunhando no processo de beatificação do irmão, afirma que ele
“jamais causou desgosto a seu pai, nem
fez algo pelo qual ele o repreendesse (exceto por uma zanga feita uma vez à sua
irmã). […] Era pacífico, e jamais se zangou; era alegre [‘brincalhão’,
dizia ela numa primeira declaração],
máxime com a madrasta, e era manso e paciente”.(1)
Aventuras
dos tempos infantis
Felipe aprendeu as primeiras
letras com um professor chamado Clemente, que lhe ensinou a ler, escrever e contar.
De
sua primeira infância
restam-nos dois episódios, narrados pelos seus primeiros biógrafos. Quando Pippo tinha
cerca de oito anos,
querendo certa vez silêncio para poder refletir sobre algum assunto que lhe viera
à mente, começou a ser perturbado por sua irmã. Eles se encontravam no alto de
uma escada. O menino não teve dúvidas: deu-lhe um empurrão e ela rolou escada
abaixo. O
outro fato é apresentado pelos seus biógrafos. Quando Felipe tinha mais ou
menos essa mesma idade, foi brincar num terreno perto de sua casa. Vendo ali uma
mula carregada de frutas que alguém trouxera para vender, não hesitou um
instante: pulou na garupa da besta para fazê-la cavalgar. Assustada, a mula desequilibrou-se,
rolando com a carga e derrubando o menino. Quando os pais e vizinhos acorreram,
pensando encontrar morto o imprudente cavaleiro, viram-no ileso e sorrindo devido
àquela aventura. Felipe estudou depois no convento dominicano de São Marcos,
na sua cidade natal. Mais tarde dirá que devia muito do seu progresso
intelectual a dois professores daquela casa religiosa, Frei Zenóbio de Medici e
Frei Servanzio Mini.
Falta
de tino comercial, mas senso do divino
Aos 18 anos Pippo foi enviado à casa de seu “tio”
(primo-irmão do pai) Bartolomeu Romolo, na vila de São Germano, aos pés do
Monte Cassino, para iniciar-se na carreira de comerciante. Ganhou a confiança e
a afeição do tio, mas, “apesar de se dedicar com empenho ao negócio,
suas cogitações estavam muito acima das
mercadorias com
que tratava. Logo
se viu que ele
não tinha
tino comercial, mas senso do divino. Apenas terminado o trabalho
do dia, Pippo se retirava para
uma igreja ou
um oratório, abundantes na Itália. Servia-se também
do emprego para
fazer apostolado,
perguntando aos fregueses se sabiam o Pai-Nosso ou
se haviam feito a Páscoa.
O tio comentava: ‘Felipe nunca será um bom comerciante. Eu lhe deixaria toda
a minha herança, se não
fosse essa mania de rezar’. Para
Felipe isso não
era ‘mania’, mas
necessidade. ‘Nada
ajuda mais
o homem do que
a oração’, dirá mais tarde”.(2)
Um
dos locais preferidos de Felipe era uma “capela
de montanha pertencente aos beneditinos de Monte Cassino, construída sobre a
baía de Gaeta, na fenda de uma rocha que, segundo a tradição, fendera-se na hora
da morte de Nosso Senhor”.(3)
São Felipe promoveu a música e a pintura como um meio de formação de seus jovens
Peregrinação
à Cidade Eterna
Em 1534, com 20 anos incompletos, movido por um impulso
sobrenatural, Felipe partiu para Roma como peregrino, na mais completa pobreza.
Não comunicou sua resolução aos pais nem a qualquer outro parente.Na Cidade Eterna ele procurou Galeotto Del Caccia, um
aristocrata seu conterrâneo e aduaneiro, que pagava as aulas ministradas por
Felipe a seus dois filhos com pousada e uma renda em farinha, que Pippo
transformava em pão para seu sustento. Seu
quarto na casa desse aristocrata — talvez por escolha do próprio hóspede — era um
cubículo, tendo como únicos móveis um leito, uma pequena mesa e uma corda presa
à parede para pendurar suas roupas. Felipe destinava quase todo o seu tempo livre à oração. Sua
vida era tão pura e edificante, que logo chamou a atenção, começando sua fama
de santidade a espalhar-se por Roma, chegando até Florença. Quando falaram dele
à sua irmã Isabel, esta ponderou: “Isso
não me surpreende. Desde seus primeiros anos, vendo suas virtudes, eu podia já
conjecturar que ele se tornaria um grande santo”.(4)
Prosseguimento
de seus estudos
Após dois anos de vida reclusa, Felipe, movido pelo Espírito
Santo, resolveu recomeçar seus estudos, cursando filosofia no Estudo Geral dos agostinianos. Alguns de
seus mestres participaram ativamente no Concílio de Trento. Cursou também teologia
na Universidade La Sapienza. Contudo,
segundo um seu moderno biógrafo, esse curso foi de pouca duração, pois, como explica
seu discípulo cardeal César Barônio, “toda
a organização acadêmica do tempo, o sistema escolástico, era-lhe áspero: as
disciplinas filosóficas eram para ele verdadeiras cadeias, das quais logo decidiu
livrar-se. […] Dir-se-á, em seguida, que o fato de abandonar o estudo se dera
pelo quotidiano encontro na aula, de um grande crucifixo, que o comovia até às
lágrimas”.(5)Outros
afirmam que, em 1538, quando Felipe julgou que tinha aprendido o suficiente,
vendeu seus livros para socorrer os pobres. Foi assim que ajudou um jovem sacerdote
calabrês e futuro cardeal, Guilherme Sirleto, que estava em dificuldades. Entretanto, “embora
nunca mais tenha estudado com regularidade, sempre que chamado a dar o seu
parecer, apesar de sua habitual reticência, [Felipe] surpreendia os mais eruditos
pela profundidade e clareza de seus conhecimentos teológicos”.(6)Com efeito, “até seus
últimos anos ele discutia as questões mais elevadas e mais subtis com a mesma
facilidade e erudição daqueles que consagram sua vida ao estudo. Ele não se
esqueceu das controvérsias mais importantes, e espantavam-se ouvi-lo repetir
com exatidão os sentimentos dos doutos sobre essas questões, e os raciocínios
nos quais se apoiavam”.(7) Despojando-se de seus livros, Felipe conservou apenas dois:
a Suma Teológica e a Bíblia. Ele
julgava Santo Tomás “o teólogo por excelência”, e sempre, em suas
controvérsias, apoiava-se no Doutor Angélico.Foi provavelmente durante o ano em que era tutor dos filhos
de Caccia que ele escreveu a maior parte de suas poesias, tanto em latim quanto
em italiano. Infelizmente, elas não passaram para a posteridade, pois Felipe,
antes de morrer, queimou todos os seus escritos, só restando uns poucos
sonetos. Isso explica também a nossa pobreza de material de seu próprio punho, que
pudesse nos transmitir mais fielmente o seu pensamento.
Apostolado
com os pobres e doentes
O santo atendendo confissões
Felipe viveu 17 anos como
leigo, sem pensar em ordenar-se sacerdote. Tendo conseguido juntar um pequeno
pecúlio para atender às suas parcas necessidades, entregou-se totalmente ao apostolado
com os doentes e os pobres, o que lhe valerá mais tarde o título de “Apóstolo
de Roma”.Foi por isso que ele passou a
frequentar os hospitais da Cidade Eterna, em particular o Hospital de São Tiago
dos Incuráveis, onde se inscreveu na confraria de Santa Maria da Purificação
para assistência dos enfermos. Embora ainda leigo, a par da assistência
material, ele prodigalizava a todos a esmola da palavra divina. Ao mesmo tempo o santo começou a fazer a Visita das Sete Igrejas (São Pedro, São
Paulo extra-muros, São Sebastião, São João de Latrão, São Lourenço extra-muros,
Santa Maria Maior e Santa Cruz de Jerusalém), antiga forma de piedade popular
que depois legou ao Oratório. Felipe frequentava a igreja de Santa Maria da Estrada, dos
primeiros jesuítas, onde conheceu Santo Inácio de Loyola. Consta que esse santo
o teria querido entre os seus, para enviá-lo às Índias. Mas Felipe não quis
entrar na Companhia, aguardando os desígnios da Providência. Entretanto, como
enviava muitos recrutas para a recém-fundada Companhia de Jesus, Santo Inácio dizia que Felipe era
como um sino, que chamava os demais para entrar na igreja, mas ficava sempre de
fora…
O grande milagre de Pentecostes
No ano de 1544, no qual, segundo
Felipe, teria início a sua “conversão” — entenda-se uma entrega mais decidida
ao serviço de Deus —, ele rezava ao Espírito Santo na catacumba de São
Sebastião quando se deu o grande milagre de Pentecostes, que ele próprio narrou
ao cardeal Frederico Borromeu. Isso ocorreu do seguinte modo: um pouco antes da festa de
Pentecostes daquele ano, depois de uma aparição de São João Batista, “golpeou-o um ímpeto de ardor, uma irrupção
do Espírito Santo, que o fez cair por terra e marcar seu corpo”.(8) Sobre isso, afirmou seu
médico, Vittori: “Dizia-me que, aos 30
anos, estava com grande fervor, e pedia ao Espírito Santo que lhe desse um
cúmulo de espírito; e me disse que lhe fora dado tanto, que o lançou por terra.
Ao levantar-se, sentiu elevado o peito e uma contusão por dentro, a qual durou
enquanto viveu”.(9)Seu segundo biógrafo, Pietro Giacomo Bacci, assim descreve o sucedido: “Quando ele estava com o maior empenho pedindo os dons do Espírito
Santo, apareceu-lhe um globo de fogo que entrou em sua boca e alojou-se em seu
peito; em seguida ele ficou tomado com um tal fogo de amor que, incapaz de
suportá-lo, atirou-se ao solo e, como alguém tentando refrescar-se, despiu seu
peito para de algum modo moderar a chama que sentia. Quando permaneceu assim
por algum tempo e recuperou-se um pouco, levantou-se cheio de inusitada alegria,
e imediatamente todo seu corpo começou a tremer violentamente; e, pondo sua mão
no peito, sentiu no lado de seu coração um inchaço grande como o punho de um
homem, mas nem então, nem depois isso provocou a mais leve dor ou ferida”.(10)
O impacto divino quebrou-lhe
duas costelas
Quando, depois de sua morte, os médicos examinaram seu
corpo, viram que o coração estava dilatado — em decorrência de um subito impulso de
amor! —
e, a fim de que ele tivesse espaço suficiente em seu peito para mover-se,
haviam-se quebrado duas costelas, que ficaram com a forma de um arco. Um dos
médicos,
Andréa Cesalpino, que fez a autópsia,
declarou: “Percebi que
as costelas estavam rompidas naquele ponto, isto é,
estavam separadas da cartilagem. Só dessa maneira
era possível
que o coração
tivesse espaço suficiente
para levantar-se e abaixar-se. Cheguei à conclusão de que
se tratava de algo sobrenatural, de uma providência de Deus para que o coração, batendo tão
fortemente como
batia, não se machucasse contra as duras costelas”.(11) A partir desse milagre, seu coração palpitava
violentamente toda vez que ele fazia qualquer ação espiritual: “Crescia esta palpitação mais, ou menos,
estando em oração, e às vezes o fazia tremer, bem como a cadeira ou cama onde
se achava, e mesmo o aposento, como se sucedesse algum terremoto. Sentia também
naquela parte um calor tão excessivo, que por mais frio que fizesse, e sendo já
muito velho, era obrigado a desabrigar-se o peito e, às vezes, sendo inverno,
abrir as portas e janelas do aposento para temperar aquele fogo que se espalhava
por todo seu corpo”.(12)
O
berço do Oratório em Roma
São Felipe sendo recebido pelo Papa
Em
1547 Felipe começou a frequentar a igreja da Arquiconfraria de São Jerônimo da
Caridade, onde um grupo de sacerdotes seculares levava uma vida exemplar,
constituindo uma pequena comunidade. Cada um vivia de suas próprias rendas, ao
serviço do templo e da confraria, tendo mesa em comum. Não se obrigavam a
nenhum voto. Este será o berço do Oratório de São
Felipe Neri. Por sua boa fama, essa igreja passou a ser o ponto de
referência para eclesiásticos que chegavam a Roma, entre os quais estarão alguns
dos filhos mais queridos do santo. Foi
ali que Felipe encontrou seu confessor, o primeiro de que se tem notícia, o Pe.
Persiano Rosa, a quem se afeiçoou por seu ânimo alegre e espírito sereno. Nesse tempo, Felipe começou suas conquistas entre seus
jovens conterrâneos, aprendizes e empregados de banco. O
santo sentia-se atraído especialmente
para cuidar da juventude. Para
colocar os jovens
em guarda
contra as seduções
da idade e conservar
todo o frescor
da virtude, ele
lhes dizia para se lembrarem sempre das palavras
do profeta: “Bem-aventurado o homem que leva o jugo do Senhor desde a sua adolescência”.
Ele os exortava a uma mudança de vida. Havia em
sua voz
e em suas
maneiras tanto
atrativo, que muitos,
cedendo à ascendência que Felipe tinha sobre eles, renunciavam às frivolidades
do mundo, e se entregavam inteiramente a
Deus. Conta-se que, numa só ocasião, ele
converteu com suas palavras trinta jovens dissolutos.
Confraria da Santíssima
Trindade dos Peregrinos
Em 1548, juntamente com seu
confessor, Pe. Persiano Rosa, Felipe fundou a Confraria da Santíssima Trindade. Sua finalidade era inteiramente devocional,
com preeminência ao culto eucarístico. Seus confrades reuniam-se na igreja de
São Salvador in Campo para a Comunhão
e outros exercícios de piedade. Aí o santo introduziu pela primeira vez em Roma
a exposição do Santíssimo Sacramento na devoção das Quarenta Horas.
Durante o ano jubilar de 1550, o Vicariato de Roma
conferiu à Confraria uma finalidade nova e estável: a assistência aos
peregrinos e convalescentes que, saindo do hospital, necessitavam ainda de
cuidados. Crescendo a associação, “as obras que os confrades exercitavam com os peregrinos e
convalescentes causaram tanta edificação em todos, que muitos se moveram a
imitá-los, vindo servir os pobres pessoas de grande qualidade e prelados
eclesiásticos; até o papa Clemente VIII vinha lavar-lhes os pés, abençoando-lhes
muitas vezes a mesa e servindo-os nela”. (13) Não contente com a visita a hospitais, São Felipe punha-se também a percorrer ruas e praças, falando da maneira
mais comovedora e cativante
às pessoas sobre
a Religião e as coisas de Deus. A um
perguntava: “Então,
meu irmão,
quando é que
começaremos a amar a Deus?”.
A outro: “É hoje que
nos decidimos a comportar-nos bem?” Ele era,
sobretudo, um semeador
da santa alegria
dos filhos de Deus.
“Grande
bondade e costumes angélicos”
Como um ímã, Felipe continuava a atrair pessoas para seu
grupo. Ele, que era todo fervor e alegria, entretinha o crescente núcleo de seus
discípulos com fervorosos e prolongados sermões.
Nessa época a maturidade do santo atingia seu auge. Um de
seus conterrâneos assim o descreve: “Era
de belíssimas feições […] e sempre foi tido como de grande bondade e de
costumes angélicos. Sua natureza sempre alegre e prazenteira, seu rosto alegre
e jovial, sua hilaridade (um atributo que se nomeia com frequência) concorrem
até agora para explicar o fascínio que vai exercendo e a sua crescente popularidade”. (14) O santo pouco comia “pouquíssima
carne, verdura, ovos, nada de laticínios, um pouco de vinho temperado com água.
Por espírito de pobreza, gostava de viver de esmola e, portanto, mandava trazer
do cardeal Cusani e Borromeu algum ovo e um pouco de pão [declaração de Antonio
Gallonio, seu primeiro biógrafo]. Sempre amante da pobreza, com esta buscará
formar o espírito de seus filhos, como uma virtude básica para o homem de Deus”. (15)
Seus discípulos o admiravam profundamente. E testemunharam: “Com todos se familiarizava: crianças,
grandes, medianos, mulheres, senhores, cardeais, prelados e outros. Todas as
pessoas que iam ter com o Padre, tendo falado uma vez, regressavam, e não
podiam separar-se dele”.O Cardeal Panfili afirma: “Era afável, agradável e carinhoso com todos, de modo que, com
grandíssima facilidade e alegria, atraía para o caminho de Deus qualquer pessoa
que com ele tratasse, e eram raros os que escapavam de suas mãos”. (16)
Amor
à Eucaristia e a Nossa Senhora
Outra
nota marcante
na vida de São
Felipe Neri foi seu amor
pela Eucaristia.
Era tão
grande o fervor
de sua caridade
que, em
vez de se recolher
para celebrar a Missa, tinha que procurar
deliberadamente uma distração, para ser
capaz de prestar
atenção depois
no rito externo
do Santo Sacrifício. “Deus o havia
gratificado com excepcionais carismas: êxtases, levitações (especialmente
durante a celebração da Missa), lúcido discernimento dos espíritos, predições seguras,
intuição das profundidades do coração, intervenções prodigiosas para os
enfermos”. (17)
“Junto com o culto
eucarístico, na experiência e na direção filipenses, tem notória relevância a
devoção à Virgem, que Felipe recomenda como um elemento indispensável no
progresso da virtude. Sua experiência a este respeito, de uma devoção mariana
terna, afetiva, quase infantil, o leva a sugerir aos seus uma singela e
compendiada jaculatória, repetida como um rosário: ‘Virgem Maria, Mãe de Deus,
roga a Jesus por mim’”. (18)
Sacerdote
para a Eternidade
Quando Felipe tinha 36 anos, o Pe. Rosa ordenou-lhe, em nome de Deus, que se tornasse
sacerdote. Assim, depois de mais
alguns estudos, foi-lhe conferido o
sacerdócio no dia 29 de maio de 1551.
Como
sacerdote, São Felipe dedicou-se especialmente ao confessionário, onde passava grande parte do
dia. Com efeito, “dedicou-se ao exercício
da confissão, no qual consumiu o resto de seus dias”, dirá um de seus
discípulos. “O título ideal que o qualificará para sempre, será o de confessor,
conselheiro, guia e mestre das almas”. (19) Muitos de seus
penitentes, levados pelo
desejo de recolher
a doutrina desse pai
espiritual, passaram a ir
visitá-lo diariamente. “Pouco a pouco
os discípulos se tornaram tão numerosos, que foi preciso
ter a reunião
numa igreja; e, por
fim, a concorrência cresceu tanto, que foi necessário distribuí-la em
grupos, à frente
dos quais o mestre
punha um
de seus discípulos
mais capazes.
Assim nasceu o instituto
do Oratório, sem
outras regras que
os cânones, sem
outros votos que os compromissos
do batismo e da ordenação,
sem outros vínculos
que a caridade”. (20)
O número de seus seguidores foi crescendo. Entre eles figura
um sapateiro, um miniaturista, um notário, e outros que ele convertera quando
era ainda leigo. As
reuniões com esse grupo eleito eram informais. Diz um deles: “No princípio, liam-se páginas edificantes e
interessantes, de fácil compreensão; seguia-se um comentário do Padre […].
Alguém tomava a palavra, dialogava-se, e continuava-se discorrendo durante
longo período, sem um programa determinado”. (21) Entre
seus discípulos estavam Francisco Maria Tarugi, nobre de Montepulciano aparentado
com o Papa, que se tornaria arcebispo de Avignon e cardeal, e César Barônio,
célebre historiador da Igreja e doutor em leis, admitido ao círculo de Felipe
em 1557, um dos primeiros a receber o sacerdócio. Ele sucedeu ao santo na
direção do Oratório e se tornou mais tarde cardeal. Ouvindo
contar as maravilhas
de São Francisco Xavier na Índia e de
outros missionários no Novo Mundo, São
Felipe e seus discípulos pensaram muito em ir também
para o Oriente. Entretanto, querendo conhecer a
vontade de Deus, Felipe dirigiu-se a um santo
religioso cisterciense, também seu conterrâneo, Agostinho Ghettini, muito favorecido por
Deus, pedindo-lhe que
consultasse o Senhor sobre
esse seu
projeto. A resposta
divina foi: “Felipe não deve buscar
as Índias, mas Roma, onde o destina Deus, assim como a seus filhos, para salvar almas”.(22)
Mais tarde o santo dirá a seus discípulos: “Quem
faz o bem em Roma, o faz a todo o mundo”.
A
singular Congregação do Oratório
O
Oratório surgiu, como vimos, de maneira muito modesta. Sua denominação veio da
extensão da palavra — que no princípio se referia a um pequeno edifício, um sinônimo
de confraria. “Foi desde o princípio uma
experiência de agrupação totalmente singular, nem sequer poderia chamar-se de
associação porque era de participação livre, sem estatutos nem elenco de
inscritos; uma acolhida espontânea, regulamentando-se necessariamente na
prática. […] A estrutura, agora já completa do Oratório, bosquejada em suas
formas essenciais no desvão [da igreja] de São Jerônimo, está delineada
detalhadamente nas antigas memórias, entre as quais está o autorizado breve
ensaio de Barônio, De origine Oratorii”.(23)
“Ao longo de todo o
processo de restauração que se construía na Igreja no século XVI [após a
devastação do herético Lutero], o aporte
de Felipe foi, sem dúvida, o de modelar e propor — com sua esplêndida vida e
através de sua restrita família presbiterial — a singela figura do sacerdote
secular, em sua expressão original e genuína”. “Exatamente por suas
características singulares, esta família sacerdotal, é bom destacar, é
absolutamente um unicum na Igreja:
não existem instituições, entre as inumeráveis, afins a esta. Afirmava-o com
autoridade o primeiro sucessor de São Felipe, o padre (depois cardeal) César
Barônio, apresentando o texto das Constituições revistas por ele. A Igreja,
recordava, é a rainha das vestes de jaspe celebrada pelo salmo circumdata
varietate (Sl 44). A Congregação do
Oratório se preza por representar, em sua humilde particularidade, um dos
tantos vestidos reais da santa Igreja de Cristo”. (24)
“O exercício
quotidiano da palavra de Deus ‘de modo fácil, familiar, frutífero’ representava
a essência particular do Oratório […]. Neste sistema oratoriano nada há de
escolástico, de retórico, de difícil compreensão: falar ao coração era o
método: ‘exortações e fervores mais afetivos que intelectuais’ eram os assim
chamados ‘arrazoados’. Felipe não quis jamais que o oratório ‘entrasse em
coisas escolásticas’, para as quais não faltavam escolas ou cátedras em Roma”. (25) Em 1564 Felipe também ficou encarregado da igreja de São
João dos Florentinos, para lá mandando alguns de seus discípulos. E, em 1575, o
Papa Gregório XIII concede ao “querido
filho Felipe Neri, sacerdote florentino e preposto de alguns sacerdotes e
clérigos”, a igreja de Santa Maria in Vallicella, dedicada à Natividade de
Maria (bula Copiosus in misericordia).
Esta bula “ficará como o documento solene de fundação da sociedade oratoriana […].
A agrupação designada expressamente com esta locução pela bula de Oratorio
nuncupandam, define a congregação por
antonomásia: ‘Congregação do Oratório’ […]. Nas Constituições aprovadas pelo
Papa Paulo V em 1612, o Pontífice declara expressamente que tal convivência
presbiterial (mais tarde se agregarão irmãos leigos), ‘instituída por divina
inspiração pelo santo Padre Felipe’, estava cimentada só pelo vínculo da
caridade, fora de todo vínculo por voto, juramento ou promessa, e assim devesse
perseverar na igreja santa ‘de vestiduras variadas’ (Sl 44)”. (26)
História
da Igreja como arma apologética
Para combater a heresia protestante, São Felipe encarregou seu discípulo
César Barônio de escrever uma verdadeira e documentada História da Igreja que
refutasse as falsas versões divulgadas pelos heréticos. O futuro cardeal levou 30 anos para produzir os seus monumentais Annales Ecclesiatici─ Anais Eclesiásticos, que se tornaram paradigma de historiografia católica e mereceram ao seu
autor o título de Pai da História Eclesiástica. A música tinha um papel importante no apostolado de São
Felipe. Ele introduziu, entre os sermões e no final, o cântico de motetes
latinos e italianos. E, como muitos com talento musical acorreram ao Oratório, a
música ficou nele incorporada como parte importante de sua espiritualidade.
Embora
alguns o afirmem, não está documentada a participação no Oratório do maior compositor
de música sacra do século XVI, Giovanni
Pierluigi da Palestrina. São Felipe era o “santo da alegria” e nele essa
característica se unia a sua dignidade e responsabilidade. Assim, exigia dos
membros e hóspedes do incipiente Oratório uma absoluta obediência, sob pena de
expulsão. Ao morrer, deixou um documento no qual fazia um severo juízo sobre
vários membros da Congregação, não os querendo como sucessores no governo. Ele
chegou a denunciar como herege ao Santo Ofício um dos seus mais antigos
discípulos. Este, mantido na prisão por um ano, foi depois absolvido. Entretanto
Felipe não quis recebê-lo de volta na comunidade, apesar das súplicas de
autorizados intercessores.(27)
Apesar de ardoroso defensor do Papado, houve um momento em
que Felipe discordou do Soberano Pontífice. Foi quando se tratou de aceitar a
conversão e, portanto, a consequente habilitação do herege huguenote, o futuro
Henrique IV, para o trono da França. “Clemente
VIII mostrou-se indeciso e vacilante. Felipe mostrou-se desde o primeiro
momento partidário da reconciliação […], e aconselhou o Papa nesse sentido,
mas sem obter dele uma decisão eficaz. […] Felipe atuou através de Barônio,
confessor do Papa. Deu-lhe instruções no sentido inclusive de lhe negar a absolvição
enquanto ele não aceitasse um conselho reconciliatório. Barônio triunfou nessa
empresa tão delicada. A França contará mais adiante com Felipe entre seus
santos protetores”.(28)
Vítima
de calúnias e incompreensões
Como acontece com todos os santos,
também São Felipe teve que enfrentar muitas calúnias.
O próprio Cardeal-Vigário de Roma, levado por certo preconceito e pelos
rumores de que
o santo mantinha assembleias perigosas e semeava novidades
entre o povo,
chegou a repreendê-lo severamente,
retirando-lhe durante 15 dias a licença para atender confissões. Mas,
tendo o purpurado adoecido repentinamente,
o Papa Paulo IV, chamado a julgar o caso, não só absolveu
São Felipe como
se recomendou às suas orações. São
Felipe Neri entregou sua alma a Deus no dia 26 de maio de 1595, sendo canonizado 27 anos depois,
juntamente com Santo Isidro Lavrador, Santo
Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e
Santa Teresa d’Ávila.
____________
Notas:
1. Pe. Antônio Cistellini,
C.O., San Felipe Neri, breve historia de
una gran vida, Congregación del Oratorio de México, Ciudad de México, 1999,
p. 19.
2. Plinio Maria Solimeo, São Felipe Neri, Catolicismo, maio/2009.
3. C. Sebastian Ritchie, Philip
Romolo Neri, The Catholic Encyclopedia. CD Room edition.
4. Mons. Paul Guérin, Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo VI, p. 207.
5. Cistellini, op.cit. pp. 27-28.
6. Ritchie, op.cit.
7. Guérin, p. 217.
8. Cistellini, pp. 30-31.
9. Cistellini, p. 31.
10. Ritchie, op.cit.
11. Apud Guilherme Sanches
Ximenes, Felipe Neri – O sorriso de Deus,
Editora Quadrante,
São Paulo, 1998, p. 17.
12. Pedro
Ribadeneira, Flos Sanctorum, in D.
Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de
Oro, L. González y Compañia, Barcelona, 1896, tomo II, p. 332.
13.
Ribadeneira, p. 333.
14. Cistellini, pp. 36-37.
15. Cistellini, p. 75.
16. Cistellini, p. 73.
17. Cistellini, p. 66.
18. Cistellini, pp. 122-123.
19. Cistellini, p. 40.
20. Fr. Justo Perez de Urbel,
O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, vol. II, p. 457.
21. Cistellini, p. 42.
22. Edelvives, El Santo
de Cada Dia,
Editorial Luis vives, S.A., Saragoça,
1947, vol. III, p.
266.
23. Cistellini, pp. 49-50.
24. Cistellini, pp. 142-143.
25. Cistellini, p. 53.
26. Cistellini, pp. 84-86-87.
27. Cfr. Cistellini, p. 124.
28. J.M. Leonet Zabala, Gran
Enciclopedia Rialp, Ediciones Rialp, S.A., Madri, 1972, p. 843.
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