domingo, 14 de dezembro de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: A unidade da Igreja

 TRIBUNA: A unidade da Igreja 

 

Por Luis López Valpuesta

 

A origem da Igreja e sua culminação encontram-se no amor eterno das três Pessoas do único Deus um e trino. Por isso, na Igreja está presente a Vontade do Pai, a Palavra do Filho e a Ação do Espírito Santo.

Vontade, Palavra e Ação que pode ser resumida em um propósito do amor de Deus com toda a sua criação, especialmente o homem “a única criatura que Deus quis para si mesmo” (Gaudium et Spes, C.V.II). O homem é uma criatura que Deus criou, à qual redimiu e à qual espera – unido a todos os eleitos – na Igreja celestial, nos luxuosos casamentos do Cordeiro no fim dos tempos.

A nota da Unidade é tão importante na Igreja militante que o mesmo credo Niceno-Constantinopolitano nos indica como a primeira de suas características. A Igreja, portanto, é (deve ser) Uma, como um orçamento essencial para que a partir dela possa afirmar seus caráteres remanescentes: Santo, católico e apostólico. Sem unidade, dificilmente podemos falar de santidade (haveria atitudes orgulhosas), de universalidade (haveria divisões) e apostolicidade (haveria falsos apóstolos).

Cristo não encontrou várias igrejas, mas uma. Cristo morreu, lembra João:

“para reunir em um só os filhos de Deus que foram dispersos” (Jo. 11.52).

E ele queria reunir todas as suas ovelhas em um só aprisco:

“Também tenho outras ovelhas, que não são deste aprisco; devo também carregá-las e elas ouvirão a minha voz e haverá um sopro de rebanho e um só pastor” (Jo. 10.16)

Teólogo José Antonio Sayés ressalta:

“Bem, essa unidade que Cristo tornou possível não é outra senão a unidade da Igreja. É por isso que o Concílio Vaticano II compreende que a Igreja é um instrumento ou sacramento de intimada união com Deus e da unidade de toda a raça humana (L.G. 1). Há uma vocação de unidade de toda a humanidade, já desde o início pelo desígnio criativo de Deus em Cristo, mas agora, essa unidade, quebrada pelo pecado, encontra na Igreja o instrumento de unidade que a humanidade jamais pode seguir pela sua própria força” (José Antonio Sayés. A Igreja de Cristo).

A Igreja – sacramento geral da salvação, onde Deus é amarrado com o gênero humano – deve necessariamente estar unida, pois esse foi o grande desejo de Jesus – o último anseio de Nosso Senhor – antes de sua partida de entre nós.

De fato, é especialmente significativo (e emocional), que as últimas palavras de Jesus para seus discípulos na última ceia, antes de enfrentar o drama de sua paixão e morte na cruz, tenham sido um poderoso chamado à unidade entre eles. Lemos em João que o Senhor, em sua grande Oração Sacerdotal, apela de maneira que seus discípulos (então, hoje e o habitual) permaneçam unidos ao Seu redor.

“Eu não rezo por estes apenas, mas também por aqueles que crêem em mim através da sua palavra: para que todos sejam um; como tu Pai em Mim e Eu em Ti, para que sejam também um em nós, para que o mundo creia que me enviastes. E eu lhes comuniquei a glória que Tu me deste, para que sejam um como nós somos um. Eu neles e Tu em mim, para que sejam consumados em unidade; para que eu conheça o mundo que me enviaste e os amaste como Tu Me amaste” (Jo. 17.20).

E essa unidade não seria apenas de natureza puramente espiritual, pois o Senhor nos deixou uma Igreja Visível, com uma hierarquia estabelecida pela vontade divina, e cuja cabeça dirigente na terra seria o apóstolo Pedro e seus sucessores:

“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt. 16.18).

Pedro, portanto, é e será para o futuro a rocha na terra onde essa unidade que Cristo quis para a sua Igreja é fundada, o próprio Cristo sendo “a sua pedra angular” (Atos. 4.11). Pedro manterá no poder da igreja militante em geral “as chaves do Reino dos Céus” (Mt. 16:19) (Is. 22:22); não só a autoridade final nas questões doutrinárias (pois foi confiada ao Senhor a missão de “confirmar a fé dos irmãos” (Lc 22:32), mas também de liderança e governo (de “pastorear o rebanho” (Jo. 21, 15-17).

Como aponta a Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II, Lumen Gentium (18) aponta:

“Mas, para que o próprio episcopado fosse um e indiviso colocou (Cristo) à frente dos outros Apóstolos São Pedro e ele mesmo estabeleceu o princípio e fundamento perpétuo e visível da fé e da comunhão.”

E ele acrescenta que:

“os bispos, sucessores dos Apóstolos, juntamente com o sucessor de Pedro, Vigário de Cristo e chefe de toda a Igreja, governam a casa do Deus vivo”.

Mas o chamado à unidade, pela importância dela, também é lembrado por São Paulo em suas Cartas. Lemos em Filipenses, pouco antes do maravilhoso hino cristológico do segundo capítulo onde a Kenosis e a glória de Jesus expressarão, uma humilde petição àquela comunidade cristã (e a todos), centrada na unidade:

“Encham a minha alegria, para que sintas a mesma coisa, tendo uma só caridade, sendo uma só alma, aspirando a uma coisa” (Fil. 2.2).

Uma unidade cativante na caridade. Mas esta unidade espiritual exige fidelidade à doutrina recebida, e, portanto, o grande desejo de São Paulo, como expresso na Epístola aos Efésios, foi que aquela comunidade permaneceu fiel a:

“Um só Senhor, uma só fé e um só batismo. Um só Deus e Pai de todos, que é acima de tudo, que age através de todos e habita em todos” (Ef. 4.5-6).

De fato, em virtude do mesmo Batismo, os membros do Povo de Deus que são a Igreja, são todos iguais em dignidade, todos nós somos parte do Povo de Deus (1 Ped. 2.10). E graças aos outros sacramentos – especialmente à Eucaristia, um precioso símbolo de unidade – fortalece-se a coesão do Corpo de Cristo.

Aqui devemos mencionar a importante reflexão do teólogo Antonio María Calero, que ressalta que:

“Dessa unidade no plano ontológico da fé, a unidade fortemente sublinhada e exigida, a diversidade pode e deve ser mencionada na Igreja. De fato, o mesmo faz o mesmo apóstolo: várias são as vocações, as várias carismas, as diferentes as graças, as diferentes funções, os vários ministérios. Mas toda esta ampla e rica diversidade nos membros brota de um só e mesmo Espírito, e, portanto, não deve servir para uma luta antagônica entre eles, mas para o enriquecimento mútuo e de todo o corpo eclesial” (Antonio María Calero. A Igreja: Ministério, Comunhão e Missão).

A unidade, portanto, não é incompatível com a diversidade de membros e aí temos a esplêndida imagem paulina do Corpo Místico de Cristo, ordenado cada um dos membros, através de seus dons, em favor de toda a Igreja, e Cristo sendo sua cabeça. A Carta aos Colossenses nos diz:

“Estar preso à cabeça – a Cristo – todo o corpo, nutrido e trancado através das articulações e ligamentos, cresce com o crescimento de Deus” (Col. 3.19).

Mas voltando à carta aos Efésios, São Paulo denunciará o grande inimigo dessa unidade, que ele identifica acima de tudo com heresia. Se na Carta aos Filipenses, eu tivesse destacado a unidade entre os cristãos, aqui se

“Já não sejamos crianças, flutuando daqui para ali, voltando-nos para todo vento de doutrina pela armadilha dos homens” (Ef. 4, 14).

II

Podemos refletir hoje, francamente, sobre se aquela dupla unidade, de doutrina e de coração que Cristo exigiu de nós como o morteiro de seu Reino, foi cumprida na Igreja de Cristo. E parece claro – e devemos nos envergonhar de todos os cristãos por isso – que não o fazemos. E não somos apenas cristãos desunidos porque muitos não reconhecem Pedro como a cabeça na terra da Igreja de Cristo, e isso levou a uma pluralidade de doutrinas cristãs fora da Igreja Católica, que pelo mero princípio da não-contradição, são falsas. Mas talvez o drama do nosso tempo seja aquele também entre os mesmos cristãos fiéis ao Bispo de Roma, encontramos divisões dramáticas que não devemos encurralar. Todos nos lembramos do último cisma provocado no catolicismo por Monsenhor Lefebvre, bem como das divisões não resolvidas causadas pela reforma litúrgica. A unidade não é destruída, mas sim enriquecida pela pluralidade e diversidade legítima dos membros do Corpo de Cristo, e é trágico que neste ponto a hierarquia eclesiástica ainda não tenha realizado os imensos bens que a Igreja (cuja principal missão é salvar almas) seria um reconhecimento uniforme do rito tradicional e do novus ordo.

Mas deixemos aquele triste assunto, e vejamos finalmente as rupturas eclesiais que, desde o início da Igreja, têm mostrado um modo triplo de divisão: a heresia, a negação pertinente de uma verdade que se tem acreditado com a fé divina e católica; a apostasia, a rejeição total da fé e do cisma cristão, que é a rejeição da submissão do Romano Pontífice ou da comunhão dos membros da Igreja Esses três fenômenos ocorreram em todas as épocas, mas hoje especialmente os episódios de apostasia, seja expressa ou tácita, recebem uma maneira generalizada e dramática.

Por tudo isso, o teólogo José Antonio Sayés se pergunta se podemos continuar a falar sobre a unidade da Igreja que Cristo fundou. Especialmente hoje que vemos muitos bispos discordando em assuntos sérios (por exemplo, de doutrina moral ou disciplina sacramental), situações que produzem tristeza e perplexidade com o Povo de Deus. Mas Sayés responde com um retumbante SIM.

E é “sim” porque todas as infidelidades e rupturas nunca podem provar que a unidade da Igreja foi quebrada em torno de Pedro e sua fé. Mas podemos também dizer que esta unidade, presente na Igreja, é também um grande desafio, hoje em dois aspectos:

É uma tarefa interna (pois há poucas tensões que existem dentro da Igreja), e é igualmente uma tarefa externa (porque continua a ser um desafio que existem igrejas particulares e comunidades cristãs sem unidade com o vigário de Cristo). Estas Igrejas ou comunidades mantêm ainda elementos de verdade e santificação como recorda o Concílio Vaticano II. No caso dos ortodoxos, eles têm sacramentos válidos, como o batismo ou a Eucaristia, mas - é sempre conveniente recordá-lo - todos eles nascem da única Igreja que Cristo fundou em Pedro, a rocha e sua confissão de fé. E, portanto, como o Concílio também lembra, eles são os próprios bens da Igreja e impelem a unidade católica. E embora não seja mais citado, não devemos esquecer que Pio IX  em 1864  condenou que “na adoração de qualquer religião os homens podem encontrar o caminho para a saúde eterna e alcançar a salvação eterna” (proposição XVI, Conteúdo do Estudo). E que Pio XI, em seu Mortalium Animos, de 1928, considera que:

“a união dos cristãos não pode ser promovida de outra forma senão buscando o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, da qual um dia foram infelizmente removidos; àquela única Igreja verdadeira que todos certamente conhecem e que pela vontade de seu Fundador devem permanecer sempre como Ele mesmo a fundou para a salvação de todos”.

Porque, como aponta a Unitatis Redintegratio do Concílio Vaticano II, unidade:

“que Cristo concedeu desde o princípio à sua Igreja, sabemos que subsiste infalivelmente na Igreja Católica, e esperamos que cresça a cada dia até a consumação dos séculos” (U.R. 4).

E permanece e subsistirá porque o próprio Jesus, em Cesaréia de Filipos, fez uma promessa à única Igreja que Ele fundou sobre Pedro e sua confissão de fé:

“Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt. 16.18).

Por isso, em conclusão, como católico, faço das minhas as retumbantes palavras de Santo Agostinho, em sua luta com os hereges maniqueístas:

“Muitas coisas me impedem com toda a justiça dentro da Igreja Católica. Retém o consentimento dos povos e das nações; conserva a minha autoridade indiscutível, iniciada com milagres, sustentada com esperança, fortalecida com amor, estabelecida como antiga; retém a sucessão de pastores da própria sede do apóstolo Pedro, a quem o Senhor, após a ressurreição, deu a comissão para alimentar as ovelhas ao presente episcopado. Retém-me, finalmente, o mesmo nome de católico, que não sem razão no meio de tantas heresias preservou. E embora todos os hereges queiram se chamar de católicos, no entanto, quando um estranho pergunta onde está a Igreja dos Católicos, nenhum herege se atreve a indicar seu templo ou sua casa. Estes são, portanto, em número e importância os laços que me prendem como cristão na Igreja” (Santo Agostinho. Contra o episto. Maniq. 4.5).

Nota: Artigos publicados como Tribuna  expressam a opinião de seus autores e não representam necessariamente a linha editorial da Infovaticana, que oferece este espaço como fórum de reflexão e diálogo.

 

Fonte - infovaticana

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