sexta-feira, 15 de abril de 2011

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL (Parte 3)


CAPÍTULO 20
Do amor à solidão e ao silêncio
1.     Procura tempo oportuno para cuidar de ti e relembra a miúdo os benefícios de Deus. Renuncia às curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir, que para te distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro.
2.     Disse alguém: "Sempre que estive entre os homens menos homem voltei" (Sêneca, Epist. 7). Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer.
3.     Não pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre misturada com o temor de Deus; nem eram menos cuidadosos e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma. Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom religioso ou ermitão devoto.
1.     Muitas vezes os melhores no conceito dos homens correram graves perigos, por sua demasiada confiança. Por isso, para muitos é melhor não serem de todo livres de tentações, mas que sejam freqüentemente combatidos, para que não confiem demadiadamente em si, nem se exaltem com soberba, nem tampouco busquem com ânsia as consolações exteriores. Oh! Quem nunca buscasse alegria transitória, nem deste mundo cuidasse, que consciência pura teria! Oh! Quem arredasse todo vão cuidado, para só cuidar das coisas salutares e divinas, pondo toda a sua confiança em Deus,
2.     de que grande paz e sossego gozaria!
4.     Ninguém é digno da consolação celestial, senão quem se excitar, com diligência, na santa compunção. Se queres compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o bulício do mundo, conforme está escrito: Compungi-vos em vossos cubículos (Sl 4,5). Na cela acharás o que fora dela muitas vezes perdes. A cela bem guardada causa doçura, e pouco freqüentada gera enfado. Se bem a guardares e habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á depois querida companheira e suavíssimo consolo.
5.     No silêncio e sossego faz progressos uma alma devota e aprende os segredos das Escrituras. Ali ela acha a fonte de lágrimas, com que todas as noites se lava e purifica, para tanto mais de perto unir-se ao Criador quanto mais retirada viver do tumulto do mundo. Aquele, pois, que se aparta de seus amigos e conhecidos verão aproximar-se Deus com seus santos anjos. Melhor é estar solitário e tratar de sua alma, que, descurando-a, fazer milagres. Merece louvor o religioso que raro sai, que foge de ser visto pelos homens e nem procura vê-los.
6.     Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência (1Jo 2,17). A inclinação sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas.
7.     Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências. Deixa as vaidades para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com ele em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor terias conservado a santa paz; enquanto folgares de ouvir novidades, terás que sofrer desassossego do coração.
CAPÍTULO 21
Da compunção do coração
1.     Se quiseres fazer algum progresso, conserva-te no temor de Deus e não busques demasiada liberdade; refreia, antes, todos os teus sentidos com a disciplina e não te entregues à vã alegria. Procura a compunção do coração e acharás a devoção. A compunção descobre tesouros, que a dissipação bem depressa costuma desperdiçar. É de estranhar que o homem jamais possa, nesta vida, gozar perfeita alegria, se considera seu exílio e pondera os muitos perigos de sua alma.
2.     Pela leviandade do coração e pelo descuido dos nossos defeitos não percebemos os males de nossa alma; e muitas vezes, rimo-nos frivolamente, quando, com razão, devíamos chorar. Não há verdadeira liberdade nem perfeita alegria, sem o temor de Deus e Boa consciência. Ditoso aquele que pode apartar de si todo estorvo das distrações e recolher-se com santa compunção. Ditoso aquele que rejeita tudo que lhe possa manchar ou agravar a consciência. Peleja varonilmente: um costume com outro se vence.
3.     Se souberes deixar os homens, eles te deixarão fazer tuas boas obras. Não te metas em coisas alheias, nem te impliques nos negócios dos grandes. Olha sempre primeiro para ti e admoesta-te com mais particularidade que a todos os teus amigos. Não te entristeça a falta dos humanos favores, mas penalize-te o não viveres com tanta cautela e prudência como convém a um servo de Deus e devoto religioso. Mais útil e mais seguro é para o homem não ter nesta vida muitas consolações, mormente sensíveis. Todavia, se não temos, ou raramente sentimos o consolo divino, a culpa é nossa, porque não procuramos a compunção do coração, nem rejeitamos de todo as vãs consolações exteriores.
4.     Reconhece que és indigno da consolação divina, mas antes merecedor de muitas aflições. Quando um homem está perfeitamente compungido, logo se lhe torna enfadonho e amargo o mundo todo. O homem justo sempre acha bastante matéria para afligir-se e chorar. Pois, quer olhe para si, quer para o próximo, sabe que ninguém passa esta vida sem tribulações. E quanto mais atentamente se considera, tanto mais profunda é a sua dor. Matéria de justa mágoa e profundo pesar são nossos pecados e vícios, aos quais de tal sorte estamos presos, que raras vezes podemos contemplar as coisas do céu.
1.     Se mais amiúdo pensasses na morte que numa vida de muitos anos, não há dúvida que tua emenda seria mais
2.     fervorosa. Se também meditasses seriamente nas penas futuras do inferno ou do purgatório, creio que sofrerias de bom grado trabalhos e dores, sem recear nenhuma austeridade. Mas, como estas coisas não nos penetram o coração e amamos ainda os regalos, ficamos frios e muito tíbios.
5.     É muitas vezes pela fraqueza do espírito que este miserável corpo se queixa tão facilmente. Pede, pois, humildemente ao Senhor que te dê o espírito de compunção, e dize, com o profeta: Sustenta-me, Senhor, com o pão das lágrimas e a bebida copiosa do pranto (Sl 79,6).
CAPÍTULO 22
Da consideração da miséria humana
1.     Miserável serás, onde quer que estejas e para onde quer que te voltes, se não te voltares para Deus. Por que te afliges, quando não te correm as coisas a teu gosto e vontade? Quem é que tem tudo à medida de seu desejo? Nem eu, nem tu, nem homem algum sobre a terra. Ninguém há no mundo sem nenhuma tribulação ou angústia, quer seja rei quer Papa. Quem é que vive mais feliz? Aquele, de certo, que sabe sofrer alguma coisa por Deus.
2.     Dizem muitos mesquinhos e tíbios: Olhai, que boa vida tem este homem: quão rico é, quão grande e poderoso, de que alta posição! Olha tu para os bens do céu, e verás que nada são os bens corporais, mas muito incertos e onerosos, pois nunca vive sem temor e cuidado quem os possui. Não consiste a felicidade do homem na abundância dos bens temporais; basta-lhe a mediania. O viver na terra é verdadeira miséria. Quanto mais espiritual quer ser o homem, mais amarga lhe será a vida presente, porque conhece melhor e mais claramente vê os defeitos da humana corrupção. Porque o comer, beber, velar, dormir, descansar, trabalhar e estar sujeito a todas as demais grandes misérias e aflições para o homem espiritual que deseja estar isento disto e livre de todo pecado.
3.     Sim, muito oprimido se sente o homem interior com as necessidades corporais neste mundo. Por isto roga o profeta a Deus, devotamente, que o livre delas, dizendo: Livrai-me, Senhor, das minhas necessidades (Sl 24,17). Mas, ai daqueles que não conhecem a sua miséria, e, outra vez, ai daqueles que amam esta miserável e corruptível vida! Porque há alguns tão apegados a ela - posto que mal arranjem o necessário com o trabalho ou com a esmola - que, se pudessem viver aqui sempre, nada se lhes daria do reino de Deus.
4.     Ó insensatos e duros de coração, que tão profundamente jazem apegados à terra, que não gostam senão das coisas carnais. Infelizes! Lá virá o tempo em que hão de sentir, muito a seu custo, como era vil e nulo aquilo que amaram. Os santos de Deus, e todos os fiéis amigos de Cristo, não tinham em conta o que agradava à carne nem o que neste mundo brilhava, mas toda a sua esperança e intenção se fixavam nos bens eternos. Todo o seu desejo se elevava para as coisas invisíveis e perenes, para que o amor do visível não se arrasta a desejar as coisas inferiores. Não percas, irmão meu, a confiança de fazer progressos na vida espiritual; ainda tens tempo e ocasião.
5.     Por que queres adiar tua resolução? Levanta-te, começa já e dize: Agora é tempo de agir, agora é tempo de pelejar, agora é tempo próprio para me emendar. Quando estás atribulado e aflito, é tempo de merecer. Importa que passes por fogo e água, antes que chegues ao refrigério (Sl 65,12). Se não te fizeres violência, não vencerás os vícios. Enquanto estamos neste frágil corpo, não podemos estar sem pecado, nem viver sem enfado e dor. Bem quiséramos descanso de toda miséria; mas como pelo pecado perdemos a inocência, perdemos também a verdadeira felicidade. Por isso devemos ter paciência, e confiar na divina misericórdia, até que passe a iniqüidade (Sl 52,6), e a vida absorva esta mortalidade (2Cor 5,4).
6.     Como é grande a fragilidade humana, inclinada sempre ao mal! Hoje confessas os teus pecados, e amanhã cometes outra vez os mesmos que confessaste. Resolves agora te acautelar, e daqui a uma hora de portas como quem nada se propôs. Com muita razão nos devemos humilhar e não nos ter em grande conta, já que tão frágeis somos e tão inconstantes. Assim, facilmente se pode perder pela negligência o que tanto nos custou a adquirir com a divina graça.
7.     Que será de nós no fim, se já tão cedo somos tíbios? Ai de nós, se assim procuramos repouso, como se já estivéssemos em paz e segurança, quando nem sinal aparece em nossa vida de verdadeira santidade. Bem necessário nos fora que nos intruíssemos de novo, como bons noviços, nos bons costumes; talvez que assim houvesse esperança de alguma emenda futura e maior progresso espiritual.
CAPÍTULO 23 Da meditação da morte
1.     Mui depressa chegará teu fim neste mundo; vê, pois, como te preparas: hoje está vivo o homem, e amanhã já não existe. Entretanto, logo que se perdeu de vista, também se perderá da memória. Ó cegueira e dureza do coração humano, que só cuida do presente, sem olhar para o futuro! De tal modo te deves haver em todas as tuas obras e pensamentos, como se fosse já a hora da morte. Se tivesses boa consciência não temerias muito a morte. Melhor fora evitar o pecado que fugir da morte. Se não estás preparado hoje, como o estarás amanhã? O dia de amanhã é incerto, e quem sabe se te será concedido?
2.     Que nos aproveita vivermos muito tempo, quando tão pouco nos emendamos? Oh! nem sempre traz emenda a longa vida, senão que aumenta, muitas vezes, a culpa. Oxalá tivéssemos, um dia sequer, vivido bem neste mundo! Muitos contam os anos decorridos desde a sua conversão; freqüentemente, porém, é pouco o fruto da emenda. Se for tanto para temer o morrer, talvez seja ainda mais perigoso o viver muito. Bem-aventurado aquele que medita sempre sobre a hora da morte, e para ela se dispõe cada dia. Se já viste alguém morrer, reflete que também tu passarás pelo mesmo caminho.
3.     Pela manhã, pensa que não chegarás à noite, e à noite não te prometas o dia seguinte. Por isso anda sempre preparado e vive de tal modo que te não encontre a morte desprevenido. Muitos morrem repentina e inesperadamente; pois na hora em que menos se pensa, virá o Filho do Homem (Lc 12,40). Quando vier àquela hora derradeira, começarás a julgar mui diferentemente toda a tua vida passada, e doer-te-á muito teres sido tão negligente e remisso.
4.     Quão feliz e prudente é aquele que procura ser em vida como deseja que o ache a morte. Pois o que dará grande confiança de morte abençoada é o perfeito desprezo do mundo, o desejo ardente do progresso na virtude, o amor à disciplina, o rigor na penitência, a prontidão na obediência, a renúncia de si mesmo e a paciência em sofrer, por amor de Cristo, qualquer adversidade. Mui fácil é praticar o bem enquanto estás são; mas, quando enfermo, não sei o que poderás. Poucos melhoram com a enfermidade; raro também se santificam os que andam em muitas peregrinações.
5.     Não confies em parentes e amigos, nem proteles para mais tarde o negócio de tua salvação, porque mais depressa do que pensas te esquecerão os homens. Melhor é providenciar agora e fazer algo de bem, do que esperar pelo socorro dos outros. Se não cuidas de ti no presente, quem cuidará de ti no futuro? Mui precioso é o tempo presente: agora são os dias de salvação, agora é o tempo favorável (2Cor 6,2). Mas, ai! Que melhor não aproveitas o meio pelo qual podes merecer viver eternamente! Tempo virá de desejares, um dia, uma hora sequer, para a tua emenda, e não sei se a alcançarás.
6.     Olha, meu caro irmão, de quantos perigos te poderias livrar e de quantos terrores fugir, se sempre andasses temeroso e desconfiado da morte. Procura agora de tal modo viver, que na hora da morte te possas antes alegrar que temer. Aprende agora a desprezar tudo, para então poderes voar livremente a Cristo. Castiga agora teu corpo pela penitência, para que possas então ter legítima confiança.
7.     Ó louco, que pensas viver muito tempo, quando não tens seguro nem um só dia! Quantos têm sido logrados e, de improviso, arrancados ao corpo! Quantas vezes ouviste contar: morreu este a espada; afogou-se aquele; este outro, caindo do alto, quebrou a cabeça; um morreu comendo, outro expirou jogando. Estes se terminaram pelo fogo, aqueles pelo ferro, uns pela peste, outros pelas mãos dos ladrões, e de todos é o fim a morte, e, depressa, qual sombra, acaba a vida do homem (Sl 143,4).
8.     Quem se lembrará de ti depois da morte? E quem rogará por ti? Faze já, irmão caríssimo, quanto puderes; pois não sabes, quando morrerás nem o que te sucederá depois da morte. Enquanto tens tempo, ajunta riquezas imortais. Só cuida em tua salvação, ocupa-te só nas coisas de Deus. Granjeia agora amigos, venerando os santos de Deus e imitando suas obras, para que, ao saíres desta vida, te recebam nas eternas moradas (Lc 16,9).
9.     Considera-te como hóspede e peregrino neste mundo, como se nada tivesses com os negócios da terra. Conserva livre teu coração, e erguido a Deus, porque não tens aqui morada permanente. Para lá dirige tuas preces e gemidos, cada dia, com lágrimas, a fim de que mereça tua alma, depois da morte, passar venturosamente ao Senhor. Amém.
CAPÍTULO 24
Do juízo e das penas dos pecadores
1.     Em todas as coisas olha o fim, e de que sorte estarás diante do severo Juiz a quem nada é oculto, que não se deixa aplacar com dádivas, nem aceita desculpas, mas que julgará segundo a justiça. Ó misérrimo e insensato pecador! Que responderás a Deus, que conhece todos os teus crimes, se, às vezes, te amedronta até o olhar dum homem irado? Por que não te acautelas para o dia do juízo, quando ninguém poderá ser desculpado ou defendido por outrem, mas cada um terá assaz que fazer por si? Agora o teu trabalho é frutuoso, o teu pranto aceito, o teu gemer ouvido, satisfatória a tua contrição.
2.     Grande e salutar purgatório tem nesta vida o homem paciente: se, injuriado, mas se dói da maldade alheia, que da ofensa própria; se, de boa vontade, roga por seus adversários, e de todo o coração perdoa os agravos; se não tarda em pedir perdão aos outros; se mais facilmente se compadece do que se irrita; se constantemente faz violência a si mesmo, e se esforça por submeter de todo a carne ao espírito. Melhor é expiar já os pecados e extirpar os vícios, que adiar a expiação para mais tarde. Com efeito, nós enganamos a nós mesmos pelo amor desordenado que temos à carne.
3.     Que outra coisa há de devorar aquele fogo senão os teus pecados? Quanto mais te poupas agora e segues a carne, tanto mais cruel será depois o tormento e tanto mais lenha ajuntas para a fogueira. Naquilo em que o homem mais pecou, será mais gravemente castigado. Ali os preguiçosos serão incitados por aguilhões ardentes, e os gulosos serão atormentados por violenta fome e sede. Os impudicos e voluptuosos serão banhados em pez ardente e fétido enxofre, e os invejosos uivarão de dor, à semelhança de cães furiosos.
4.     Não há vício que não tenha o seu tormento especial. Ali, os soberbos serão acabrunhados de profunda confusão, e os avarentos oprimidos com extrema penúria. Ali será mais cruel uma hora de suplício do que cem anos aqui da mais rigorosa penitência. Ali não há descanso nem consolação para os condenados, enquanto aqui, às vezes, cessa o trabalho e nos consolam os amigos. Relembra agora e chora teus pecados, para que no dia do juízo estejas seguro entre os escolhidos. Pois erguer-se-ão, naquele dia, os justos com grande força contra aqueles que os oprimiram e desprezaram (Sab 5,1). Então se levantará, para julgar, Aquele que agora se curvou humildemente ao juízo dos homens. Então terá muita confiança o pobre e o humilde, mas o soberbo estremecerá de pavor.
5.     Então se verá que foi sábio, neste mundo, quem aprendeu a ser louco e desprezado, por amor de Cristo. Então dará prazer toda tribulação, sofrida com paciência, e a iniqüidade não abrirá a sua boca (Sl 106,42). Então se alegrarão todos os piedosos e se entristecerão todos os ímpios. Então mais exultará a carne mortificada, que se fora sempre nutrida em delícias. Então brilhará o hábito grosseiro e desbotarão as vestimentas preciosas. Então terá mais apreço o pobre tugúrio que o dourado palácio. Mais valerá a paciente constância que todo o poderio do mundo. Mais será engrandecida a singela obediência que toda a sagacidade do século.
6.     Mais satisfação dará a pura e boa consciência que a douta filosofia. Mais valerá o desprezo das riquezas que todos os tesouros da terra. Mais te consolará a lembrança duma devota oração que a de inúmeros banquetes. Mais folgarás de ter guardado silêncio, do que de ter falado muito. Mais valor terão as boas obras que as lindas palavras. Mais agradará a vida austera e árdua penitência que todos os gozos terrenos. Aprende agora a padecer um pouco, para poupar-te mais graves sofrimentos no futuro. Experimenta agora o que podes sofrer mais tarde. Se não podes agora sofrer tão pouca coisa, como suportarás os eternos suplícios? Se tanto te repugna o menor incômodo, que te fará então o inferno? Certo é que não podes fruir dois gozos: deleitar-se neste mundo, e depois reinar com Cristo.
7.     Se até hoje tivesses vivido sempre em honras e delícias, que te aproveitaria isso se tivesses que morrer neste instante? Logo, tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a ele servir. Pois quem ama a Deus, de todo o coração, não teme nem a morte, nem o castigo, nem o juízo, nem o inferno, porque o perfeito amor dá seguro acesso a Deus. Mas quem ainda se delicia no pecado, não é de estranhar que tema a morte e o juízo. Todavia, é bom que, se do mal não te aparta o amor, te refreie ao menos o temor do inferno. Aquele, porém, que despreza o temor de Deus, não poderá por muito tempo perseverar no bem, e depressa cairá nos laços do demônio.

(Continua...)

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...