sumateologica
22 maio, 2011
INTRODUÇÃO
A lei da graça é como a atmosfera que dá oxigênio a toda a teologia católica; mais: o próprio conceito de teologia inclui o da graça, porque o cristianismo é uma religião revelada: não um produto da razão humana, mas um dom de Deus comunicado ao homem para lhe confidenciar Sua vontade misericordiosa.
A teologia cristã, propriamente dita, nasce do estudo da Revelação, isto é, do debruçar-se sobre o que Deus revelou, de modo inteiramente gratuito, sobre Si mesmo, sobre o homem, sobre seu destino e do mundo. Sem esta mensagem vinda dos céus, e portanto sem a graça, é inconcebível a existência da teologia cristã, porque a Revelação, a que deve corresponder, da parte do homem, a humilde aceitação dos mistérios da Fé, é um conhecimento sobrenatural que eleva a humanidade a um novo modo de existir superior, intangível só por seus recursos naturais. É ainda a Revelação que nos diz o que Deus quis ser para nós e o que quis que fosse o homem para Ele: um amigo pessoal e próximo, que Se comunica no amor e na familiaridade recíproca, que Se dá ao homem numa doação absolutamente insuspeitada que penetra até o íntimo da natureza humana para elevá-lo às alturas inacessíveis em que habita a Trindade, onde então participará eternamente de uma vida semelhante à de Deus.Esta antropologia cristã é ensinada pela Sagrada Escritura quando narra que o homem foi constituído na justiça original, mas que a perdeu pelo pecado. Sem a noção da graça é impossível compreender esta antropologia e os problemas que lhe são inerentes na dialética cristã do natural-sobrenatural, da natureza-graça, muito menos ainda se pode compreender o que seja o pecado como ruptura transcendental das relações de amizade com um Deus que Se tinha dado gratuitamente ao homem. O Deus que infunde a graça não é, porém, um ser abstrato, um motor imóvel: é o único Deus verdadeiro e pessoal: Pai, Filho e Espírito Santo. Donde se conclui que a graça traz consigo a vida íntima do grande mistério da Trindade, porque ela é, na sua essência profunda, a doação das três Pessoas divinas, que penetram no homem transformando-o num templo.
O pecado rompe esta comunhão sobrenatural com Deus: consumado o pecado, jamais poderia o homem, por suas próprias forças, restabelecer uma relação a que não tinha direito e que por culpa sua perdeu, tanto para si como para os seus descendentes. Por isso, já desde o início dos tempos se delineia a expectativa de um Salvador, que outro não é senão o próprio Filho de Deus, que Se encarna para reintegrar a humanidade na intimidade com Deus por meio de Sua morte e ressurreição: “Mas quando chegou a plenitude dos tempos Deus enviou Seu Filho [...] para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4, 4.5). A graça toma assim uma coloração essencialmente cristológica e, desde as origens da humanidade, é conexa com a Obra de Cristo Salvador. Outra finalidade não tem qualquer ação de Jesus senão o superabundante restabelecimento da primitiva comunhão sobrenatural com Deus: “Mas onde abundou o pecado superabundou a graça” (Rm 5, 20). Consuma-se a doação de Deus por meio da doação filial do Verbo Encarnado, o primeiro de uma multidão de irmãos que constituem a grande família dos filhos de Deus, da qual Ele é a Cabeça: esta é a Igreja, povo de Deus, constituída visivelmente, como convém ao mundo material em que se desenrola a vida humana, mas ao mesmo tempo instrumento eficaz da graça divina, que é, na realidade, a graça de Cristo. Jesus fundou a Igreja dando-lhe o caráter sacramental, capaz de alcançar o homem em cada instante de sua vida: tais são os sacramentos.
Os santos que a Igreja venera são pessoas que foram dóceis ao dom de Deus: neles se contempla o modelo original do que pode ser a alma humana que não interpõe obstáculos à graça, porque a santidade, a que todos são chamados, outra coisa não é senão o fruto pleno da graça, que no seu desenvolvimento harmônico alicerça as grandes virtudes cristãs.
Finalmente, a graça tem uma consumação final, individual, social e até cósmica na vida sem fim e na bem-aventurança eterna, com a dimensão corporal na ressurreição da carne.
A graça, portanto, envolve toda a história da salvação, que conhecemos pela Revelação; ao mesmo tempo pressupõe a colaboração do homem: aqui nascem os delicados problemas do harmonioso equilíbrio que protege a liberdade humana. Surge também a questão de saber se o homem pode chegar, por si só, a estes fins sobrenaturais: “E se foi pela graça, não foi pelas obras; do contrário, a graça já não seria graça” (Rm 11, 6).
Por tudo isso, voltamos à verdade inicialmente afirmada: a teologia católica respira inteiramente numa atmosfera de graça.
[CONTINUA]
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