Por Augusto Pessina*
MILÃO, terça-feira, 14 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Enquanto se espera que o Tribunal Europeu de Justiça se pronuncie sobre o problema das patentes de linhas celulares produzidas com embriões humanos e na Alemanha, depois da morte de uma criança tratada com células estaminais se fecha um centro, na França o Senado restabeleceu a proibição do uso de embriões humanos com fins de pesquisa. Imediatamente se levantaram protestos que tacham a decisão de obscurantista e contrária à liberdade de pesquisa.
Ainda não isenta de incongruências e contradições, na situação atual da pesquisa biológica – na qual parece reger apenas o princípio de que é lícito fazer tudo o que for tecnicamente possível -, a lei francesa representa, do seu jeito, uma opção valente e se dirige à proteção da dignidade da pessoa humana. Certo, trata-se de uma “proibição com derrogatórias”: desde o primeiro lançamento da lei bioética francesa, em 2004, até hoje, a Agência de Biomedicina autorizou pesquisas com embriões humanos em 58 projetos, de 64 (90,6%), demonstrando que os organismos delegados para a concessão de derrogatórias são os que têm a última palavra. Mas as normas incidem nos costumes e têm sempre um valor educativo e, portanto, é mais aceitável, com certeza, uma lei proibitiva com derrogatórias que uma normativa como a britânica, que liberaliza, com algum limite, as pesquisas em embriões humanos.
Na biomedicina das células estaminais, são muitas as más informações e as mentiras, tanto sobre as consequências biológicas reais como sobre as aplicações clínicas. Esta situação contribui para alimentar essa mentalidade acrítica que demoniza como anticientífico e contrário ao progresso qualquer tentativa de regulamentação. E “estaminal” se converteu em uma espécie de palavra mágica que produz um valor agregado (progressista) a tudo: desde os cosméticos até as propostas terapêuticas mais absurdas.
Ao navegar na internet com palavras como “terapias celulares”, encontramos centenas de sites, a maior parte deles com promessas irreais, quando não com claras enganações. Contudo, estes sites até exibem nomes pomposos de instituições científicas com equipe médica capaz de atender qualquer patologia (também com a utilização de células embrionárias humanas). Por trás dessas instituições se ocultam muitas vezes interesses econômicos, frequentemente com tons filosóficos, pseudorreligiosos, mágicos. No melhor dos casos, trata-se de terapias ainda não aprovadas; em outros casos, inúteis e inclusive com efeitos negativos para a saúde. O Committee for Advanced Therapies, dentro da European Medicines Agency, interveio recentemente em Lancet, denunciando o turismo médico dirigido a clínicas que propõem terapias ineficazes, às vezes perigosas e sempre, em qualquer caso, muito custosas. Por limitado que seja, o fenômeno também está presente na Europa, contribuindo para criar um ambiente de descrédito igualmente ao redor de pesquisas clínicas conformes a normas éticas corretas. Há pouco, na Alemanha, as terapias com células estaminais foram colocadas sob acusação pelo caso do centro X-Cell de Düsseldorf, ambicionada meta do turismo médico devido à reputação de que goza o país também no campo científico e médico e que, no entanto, trabalhava sem ter produzido jamais documentação.
Para que que não se incrementem semelhantes fenômenos, é preciso ter controles e verificações, mas também uma informação correta e honesta. Acontece, de fato, que até as entidades públicas de pesquisa são seduzidas por enfatizar supostas descobertas para justificar e obter financiamento. Por outro lado, os meios de comunicação brincam frequentemente com o sensacionalismo, sem ocupar-se de verificar a bondade e o valor de notícias que as agências de imprensa lançam acriticamente. Ocorre muitas vezes que a ênfase de certas informações biomédicas é recebida de forma errônea, gerando, em pacientes e familiares, esperanças infundadas e sucessivas desilusões amargas. Todos, especialmente os pacientes, têm o direito de ser informados sobre os progressos no campo médico, mas também o de não ser enganados. De fato, não é com mentiras que se alimenta a esperança dos doentes.
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* Augusto Pessina é doutor em microbiologia pela Universidade de Milão e diretor do Cell Laboratory Culture nessa universidade. Foi responsável científico de vários projetos de pesquisa com células-tronco, especialmente no tratamento do câncer e em terapia regenerativa.
Este artigo foi publicado hoje no L'Osservatore Romano.
MILÃO, terça-feira, 14 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Enquanto se espera que o Tribunal Europeu de Justiça se pronuncie sobre o problema das patentes de linhas celulares produzidas com embriões humanos e na Alemanha, depois da morte de uma criança tratada com células estaminais se fecha um centro, na França o Senado restabeleceu a proibição do uso de embriões humanos com fins de pesquisa. Imediatamente se levantaram protestos que tacham a decisão de obscurantista e contrária à liberdade de pesquisa.
Ainda não isenta de incongruências e contradições, na situação atual da pesquisa biológica – na qual parece reger apenas o princípio de que é lícito fazer tudo o que for tecnicamente possível -, a lei francesa representa, do seu jeito, uma opção valente e se dirige à proteção da dignidade da pessoa humana. Certo, trata-se de uma “proibição com derrogatórias”: desde o primeiro lançamento da lei bioética francesa, em 2004, até hoje, a Agência de Biomedicina autorizou pesquisas com embriões humanos em 58 projetos, de 64 (90,6%), demonstrando que os organismos delegados para a concessão de derrogatórias são os que têm a última palavra. Mas as normas incidem nos costumes e têm sempre um valor educativo e, portanto, é mais aceitável, com certeza, uma lei proibitiva com derrogatórias que uma normativa como a britânica, que liberaliza, com algum limite, as pesquisas em embriões humanos.
Na biomedicina das células estaminais, são muitas as más informações e as mentiras, tanto sobre as consequências biológicas reais como sobre as aplicações clínicas. Esta situação contribui para alimentar essa mentalidade acrítica que demoniza como anticientífico e contrário ao progresso qualquer tentativa de regulamentação. E “estaminal” se converteu em uma espécie de palavra mágica que produz um valor agregado (progressista) a tudo: desde os cosméticos até as propostas terapêuticas mais absurdas.
Ao navegar na internet com palavras como “terapias celulares”, encontramos centenas de sites, a maior parte deles com promessas irreais, quando não com claras enganações. Contudo, estes sites até exibem nomes pomposos de instituições científicas com equipe médica capaz de atender qualquer patologia (também com a utilização de células embrionárias humanas). Por trás dessas instituições se ocultam muitas vezes interesses econômicos, frequentemente com tons filosóficos, pseudorreligiosos, mágicos. No melhor dos casos, trata-se de terapias ainda não aprovadas; em outros casos, inúteis e inclusive com efeitos negativos para a saúde. O Committee for Advanced Therapies, dentro da European Medicines Agency, interveio recentemente em Lancet, denunciando o turismo médico dirigido a clínicas que propõem terapias ineficazes, às vezes perigosas e sempre, em qualquer caso, muito custosas. Por limitado que seja, o fenômeno também está presente na Europa, contribuindo para criar um ambiente de descrédito igualmente ao redor de pesquisas clínicas conformes a normas éticas corretas. Há pouco, na Alemanha, as terapias com células estaminais foram colocadas sob acusação pelo caso do centro X-Cell de Düsseldorf, ambicionada meta do turismo médico devido à reputação de que goza o país também no campo científico e médico e que, no entanto, trabalhava sem ter produzido jamais documentação.
Para que que não se incrementem semelhantes fenômenos, é preciso ter controles e verificações, mas também uma informação correta e honesta. Acontece, de fato, que até as entidades públicas de pesquisa são seduzidas por enfatizar supostas descobertas para justificar e obter financiamento. Por outro lado, os meios de comunicação brincam frequentemente com o sensacionalismo, sem ocupar-se de verificar a bondade e o valor de notícias que as agências de imprensa lançam acriticamente. Ocorre muitas vezes que a ênfase de certas informações biomédicas é recebida de forma errônea, gerando, em pacientes e familiares, esperanças infundadas e sucessivas desilusões amargas. Todos, especialmente os pacientes, têm o direito de ser informados sobre os progressos no campo médico, mas também o de não ser enganados. De fato, não é com mentiras que se alimenta a esperança dos doentes.
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* Augusto Pessina é doutor em microbiologia pela Universidade de Milão e diretor do Cell Laboratory Culture nessa universidade. Foi responsável científico de vários projetos de pesquisa com células-tronco, especialmente no tratamento do câncer e em terapia regenerativa.
Este artigo foi publicado hoje no L'Osservatore Romano.
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