Entrevista com arcebispo de Luxor, Dom Youannes Zacharia
CAIRO, quinta-feira, 21 de julho de 2011 (ZENIT.org) – A chamada “primavera árabe” ou “Revolução do Jasmim” uniu, na Praça Tahrir do Cairo, jovens muçulmanos e cristãos, mostrando a vontade de conviver em uma mesma nação.
No entanto, precisamente nestes últimos anos, foram testemunhas do aumento de atos de intolerância com relação aos cristãos, que provocaram preocupação no Ocidente, especialmente na Igreja, como se evidenciou durante o Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio, realizado em Roma em outubro de 2010.
Qual pode ser a contribuição dos cristãos para o futuro cenário político destes países? A esta e outras perguntas responde Dom Youannes Zacharia, bispo católico de Luxor, nesta segunda parte de uma ampla entrevista realizada pela equipe árabe de ZENIT.
A primeira parte foi publicada ontem e a terceira parte será publicada amanhã.
ZENIT: Nos últimos anos, foram observados casos sem precedentes de conversões forçadas ao Islã. Em sua opinião, trata-se de incidentes aleatórios ou de um plano metódico, levando em consideração que o grupo de idade que constitui o alvo é somente um – as mulheres jovens?
Dom Zacharia: Não acho que sejam incidentes casuais, mas que existem pessoas planejando e financiando esse tipo de incidentes e tirando proveito dos problemas emocionais, familiares e financeiros que essas moças coptas sofrem. Eles as ajudam a escapar das suas famílias e as convidam a converter-se ao Islã.
Cada família copta deveria cuidar dos seus filhos e filhas e a Igreja, neste período tão delicado, tem de intensificar sua atividade no aprofundamento da fé entre seus filhos, cuidando deles e trabalhando pelo seu bem.
ZENIT: De fato, a maioria dos coptas sonha com emigrar e deixar o Egito para evitar danos futuros, segundo sua visão... Como a Igreja Católica no Egito considera este assunto?
Dom Zacharia: Não são somente os coptas que sonham com emigrar e viajar para o exterior; também há irmãos muçulmanos e jovens de países do terceiro mundo que compartilham este sonho. A razão desta imigração não é somente escapar de uma realidade amarga em seus países, no âmbito político, econômico e de segurança, mas também buscar uma oportunidade de um futuro melhor para as suas vidas e para os seus filhos.
A Igreja Católica no Egito não incentiva os fiéis e emigrar, para poder preservar a presença cristã na terra egípcia e no Oriente Médio. Mas a Igreja deveria ter planos para os jovens, planos de oferecer trabalho e oportunidades de moradia, e que tenham como objetivo oferecer-lhes estabilidade e garantir seu próprio futuro e o dos seus filhos.
ZENIT: Muita gente considerou que o Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio seria uma esperança para os cristãos desse lugar, mas aparentemente ele só ofereceu recomendações teóricas. Qual foi o benefício desse Sínodo?
Dom Zacharia: O Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio foi considerado um sucesso singular na história da Igreja do Leste. De fato, é a primeira vez que todos os bispos do Oriente Médio se reuniram com o Santo Padre em Roma para analisar as aspirações e os problemas da Igreja e dos cristãos do Oriente Médio.
O Sínodo foi precedido por intensos estudos e debates preparatórios, que aconteceram na maioria das arquidioceses, institutos, centros e ordens monásticas católicas do Oriente Médio. Muitas personalidades e comitês especializados nos assuntos das igrejas do Oriente Médio pertencentes à Igreja Católica participaram desses preparativos.
Durante o Sínodo, a mídia internacional se centrou nas notícias, história e assuntos da Igreja no Oriente Médio e nos problemas dos fiéis cristãos. Este fato é considerado um êxito do Sínodo, que debateu e se centrou na situação das Igrejas Orientais e nos problemas dos cristãos.
O Sínodo levou à publicação de alguns importantes documentos e recomendações. As igrejas e arquidioceses estudaram estes documentos e solicitaram a aplicação destas recomendações. Nossa Igreja no Egito imprimiu um livro que contém os estudos e debates sobre estas recomendações e atualmente se estuda este livro em cada diocese egípcia.
Atualmente, estamos esperando a exortação apostólica relacionada às igrejas do Oriente Médio, que o Santo Padre publicará em breve e que incluirá a publicação definitiva das recomendações do Sínodo, para trabalhar e servir de acordo com estas recomendações, implementando-as na missão da Igreja.
ZENIT: O que a Igreja Católica no Egito oferece aos leigos que querem aprofundar no seu papel na vida política e nos partidos, para que os coptas não sejam acusados de languidez?
Dom Zacharia: No passado, a Igreja Católica no Egito deve ter oferecido algo neste âmbito, devido às condições que impediam o trabalho. Agora, há muitos fóruns e reuniões que estão sendo realizados em todas as arquidioceses, ordens monásticas, institutos e escolas para educar os leigos e incentivá-los a unir-se à ação política.
A este respeito, há um trabalho sério e concreto, realizado pela Comissão de Justiça e Paz dos Patriarcas Católicos Egípcios e pela conferência episcopal.
ZENIT: Por que os coptas estão divididos no assunto da proteção internacional? Alguns deles a querem, apesar do fato de que não a pedem publicamente, enquanto outros o fazem. Como a Igreja Católica egípcia vê isso?
Dom Zacharia: Sem dúvida, os coptas que são indígenas e vivem em seu país sofrem problemas, dificuldades acumuladas ao longo dos séculos, e sentem que seus direitos são ignorados, que ninguém se preocupa por eles e que suas petições não são consideradas. Finalmente, alguns acreditam que a proteção internacional eliminará seus problemas e dificuldades. Mas eu acho que a proteção internacional, entendida como a dependência dos coptas das potências estrangeiras, não é o caminho para resolver os problemas dos coptas. Considero que o caminho correto para isso é a calma e o diálogo construtivo entre os cidadãos de uma mesma nação.
ZENIT: Como são suas relações no Sul do Egito com os muçulmanos moderados e os chefes dos movimentos liberais? Estes têm a mesma influência dos salafitas e os Irmãos Muçulmanos?
Dom Zacharia: Na minha época sacerdotal e de serviço episcopal, minha relação com os irmãos muçulmanos sempre foi boa.
Lembro-me de quando era pastor na cidade de Alfikriyah na província de Minya; lá, criei um albergue para crianças e muitas dessas crianças eram de famílias muçulmanas. Nunca discriminei entre uma criança muçulmana e uma cristã. Ainda hoje, tenho uma amizade pessoal com alguns dos responsáveis por essas crianças. Há um sentimento de cordialidade e de respeito mútuo entre nós; e quando visito a minha família em Abu Qarqas, muitos deles vão me ver. Para mim, é um grande prazer encontrar-me com meus filhos e filhas que estiveram lá e que, ao crescer, agora se encarregam de dirigi-lo. Alguns deles, quando vêm a Luxor a trabalho, me visitam especialmente. Com eles, recordo aqueles belos dias que passamos juntos.
Em minhas visitas pastorais às igrejas e paróquias da arquidiocese de Luxor, todos os paroquianos muçulmanos, ortodoxos e católicos me dão as boas-vindas, e quando visito as casas pertencentes às paróquias, dou prioridade às casas dos meus irmãos muçulmanos.
De fato, posso dizer que as relações entre os muçulmanos e os cristãos que moram e trabalham juntos nos povoados e em algumas cidades do Alto Egito são cordiais. E muitas pessoas que plantam as sementes da traição e da divisão vêm de fora dos povos ou das cidades, têm suas ideias fanáticas e trabalham na difusão do rancor, do ódio entre as pessoas do mesmo povoado cujos ancestrais viveram durante séculos em amor e paz, sem discriminações entre muçulmanos e cristãos.
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