[IHU]
4/9/2011
Padres e
arcebispos do Brasil foram investigados pelo regime militar nos anos 1960 e
1970: muitos foram considerados subversivos e outros tantos foram exilados.
A reportagem
é de Pollianna Milan e publicada pela Gazeta do Povo, 03-09-2011.
Durante a
ditadura brasileira, os sermões de alguns padres revelava posicionamentos
políticos que não passaram despercebidos pelos agentes do regime militar.
Muitos religiosos, padres e bispos, imbuídos da crença de que a fé cristã não
estava desligada das questões sociais e políticas, faziam questão de associá-la
às lutas sociais dos idos das décadas de 1960 e 1970. Como consequência, alguns
foram expulsos do Brasil porque, pelo Departamento de Ordem Política e Social,
o Dops, eles eram considerados elementos subversivos ao regime.
Um caso que
ganhou notoriedade, principalmente entre os operários paulistanos, é o do padre
francês Pierre Wauthier. Ele foi preso em 1968 por ter participado de
uma greve em Osasco, São Paulo. Wauthier era um padre operário,
trabalhava em uma indústria como retificador e estava associado ao Sindicato de
Metalúrgicos de Osasco. “Ele era trabalhador porque esta era uma forma de
aproximação da Igreja com os pobres”, explica o historiador Marcos Roberto
Brito dos Santos, doutorando do programa de pós-graduação em História da
Universidade Federal da Bahia. Brito dos Santos pesquisa a reflexão
teológica e a atuação de agentes religiosos durante a ditadura e vítimas da
repressão.
Sobre a
prisão e expulsão de Wauthier, Santos lembra que ele foi preso e
interrogado e, segundo o depoimento registrado pelo Dops/SP, o padre
tentou se defender dizendo que não era subversivo ou marxista, argumentando que
o seu irmão, também padre, havia sido fuzilado por comunistas. Mesmo assim, ele
acabou expulso e voltou ao seu país de origem.
Modernização
Segundo o
historiador, a atuação política da Igreja Católica ocorreu principalmente
porque o Brasil, à época, deixava de ser um país essencialmente rural. E a
urbanização fazia com que a Igreja perdesse fiéis. Ou seja, a Igreja teve de se
envolver com diversos setores e classes e adotar novos métodos de evangelização
para continuar atuante.
Resumidamente,
é possível afirmar que dentro da Igreja foram criadas duas frentes: os
movimentos de direita, que apoiavam o regime militar, e os de esquerda que
abominavam a ditadura. “Os de direita, em sua maioria, acreditavam que a
Revolução Francesa era um dos grandes males do mundo moderno. Eles eram
antimodernistas. Mesmo assim, é possível encontrar também documentos desses
grupos apreendidos pelo Dops”, afirma Santos. Um dos grupos de
direita era a Sociedade Brasileira em Defesa da Tradição, Família e
Propriedade (TFP), ainda existente, que deu origem a dissidências
como os arautos do Evangelho.
De esquerda
Já os de
esquerda foram duramente controlados, isso porque, conforme a Igreja ampliava
sua atuação junto a outros segmentos, principalmente entre os mais pobres, se
transformava em alvo mais fácil da repressão policial. Entre os movimentos
criados àquela época estavam o Juventude Operária Católica (JOC),
Juventude Estudantil Católica (JEC) e o Juventude Universitária Católica
(JUC).
O então
arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, criou o
movimento Pressão Moral Libertadora (PML), que tinha como objetivo
arregimentar pessoas nas diferentes classes sociais para, de forma pacífica,
pressionar o governo a mudar as estruturas sociais. O arcebispo também
incentivou a Teologia da Enxada, entre os anos 1969-1971, no auge da ditadura
brasileira.
Padre Comblin defendia a revolução social
O
historiador Marcos Roberto Brito do Santos teve a oportunidade de
conhecer pessoalmente o padre José Comblin, um dos
agentes religiosos a quem se dedica estudar, anos antes do seu falecimento, em
março deste ano. O sacerdote Comblin era de origem belga e, quando chega
ao Brasil, começa a atuar como assessor da Juventude Operária Católica (JOC).
Depois, ele passa a ser assessor do arcebispo de Recife e Olinda, dom Hélder
Câmara, no Recife. No ano de 1968, dom Hélder pede a Comblin que
escreva uma reflexão sobre um documento enviado pelo Conselho Episcopal
Latino-Americano, para a reunião do espiscopado que aconteceria naquele ano em
Medellín, na Colômbia.
Comblin redige o documento, que acaba chegando às mãos de um vereador
anticomunista do Recife que tinha feito parte do regime. “O episódio, que ficou
conhecido como o Caso Comblin, teve repercussões em todo o país. O
documento defendia uma revolução social e criticava o funcionamento da Igreja.
“Ainda hoje encontro escritos de intelectuais que se posicionaram na época
contra este documento. Um texto do sociólogo Gilberto Freire, grande
inimigo da Igreja popular, talvez seja o mais conhecido entre os textos que o
combateram”, afirma Santos.
Por causa
desse escrito, foi solicitada a expulsão do padre do país. Comblin não
foi exilado, mas decidiu ir à Bélgica em 1972 e, quando tenta retornar ao
Brasil, é impedido de entrar. Ele acaba se exilando no Chile e enfrentando a
ditadura de Augusto Pinochet. Volta ao Brasil na década de 1980 e
continua atuando junto aos camponeses até o fim da vida.
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