[IHU]
6/9/2011
Em 1966, um jovem teólogo católico alemão escreveu
um comentário sobre a sessão final do Concílio Vaticano II (1962-1965), expressando
algumas reservas bastante fortes sobre o que ele via como o tom excessivamente
otimista e "francês" do seu documento final, Gaudium et Spes,
a "Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno".
A análise é
de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter,
02-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O elevado
humanismo do documento, acusava esse teólogo, "levanta a questão sobre o
porquê, exatamente, o ser humano razoável e perfeitamente livre descrito nos
primeiros artigos foi subitamente oprimido pela história de Cristo". Ele
temia que conceitos como "Povo de Deus" e "o mundo"
recebessem uma interpretação acriticamente positiva, refletindo a ingenuidade
acerca dos efeitos corruptores do pecado.
Ao longo do
caminho, esse escritor ofereceu um aparte impressionante. A Gaudium et
Spes, opinou, respira o ar de Teilhard de Chardin, jesuíta francês, mas não
o suficiente de Martinho Lutero, o pai alemão da Reforma Protestante.
Dizer isso exigia uma certa audácia ecumênica, uma vez que a condenação do Papa
Leão X, em 1520, às ideias de Lutero como "heréticas,
escandalosas, falsas, ofensivas aos ouvidos piedosos e sedutoras às mentes
simples, e contra a verdade católica" permaneceu nos livros.
Essa é uma
ironia que merece ser lembrada, já que o jovem teólogo em questão é hoje o Papa
Bento XVI, e que, em duas semanas, estará rumando novamente para a terra de Lutero
para a sua primeira visita de Estado oficial.
Bento XVI pode ser tão católico quanto quiserem, mas ele também é profundamente
alemão e obviamente sente uma atmosfera de afeto pelo filho teológico mais
famoso do seu país. Parte do drama da viagem, portanto, é a forma como Bento
pode usar isso para recalibrar as relações com o protestantismo, rumo ao
500º aniversário da Reforma em 2017.
Ecumenicamente,
o destaque deve vir com uma visita, no dia 23 de setembro, a um mosteiro
agostiniano em Erfurt, a cerca de duas horas de carro a sudoeste de Berlim,
onde Lutero viveu de 1501 a 1511, enquanto estudava na universidade
local (aliás, o veredicto de Lutero sobre a sua permanência na cidade
foi mista. Ele descreveu Erfurt como "o lugar perfeito para uma
cidade", mas ridicularizou a universidade como uma "cervejaria e
bordel"). Foi em Erfurt que Lutero entrou na ordem
agostiniana, depois de fazer os votos para se tornar monge em gratidão por ter
sobrevivido a uma tempestade violenta, e foi ordenado sacerdote em sua
catedral.
O padre
jesuíta Hans Langendoerfer, secretário da Conferência dos Bispos
Alemães, disse esta semana que Bento XVI irá usar a parada em Erfurt
para reformular as percepções católicas sobre Lutero e seus discípulos
contemporâneos.
"Em Erfurt,
Bento XVI terá como objetivo ir muito além da ideia de que os
protestantes são, acima de tudo, dissidentes", disse ele. "Essa ampla
visão da história cristã poderia ser muito frutífera enquanto nos aproximamos
do aniversário da Reforma".
(Langendoerfer
alertou, no entanto, contra grandes expectativas: "As esperanças em torno
dessa visita foram longe demais", ele alertou. "Há boatos de que o Papa
Bento XVI poderia conceder aos protestantes um novo status ou poderia
simplesmente dizer 'ok, vamos mudar completamente essas regras sobre os
serviços da comunhão'. Não é assim que funciona").
Como pano de
fundo, vale a pena dar um breve passeio pela pista da memória para revisitar um
episódio pouco conhecido da biografia de Bento XVI, um episódio que tem
relação com a sua atitude a respeito de Lutero e dos luteranos. Ele
envolve o papel do futuro papa em primeiro descartar e, depois, ressuscitar, o
acordo ecumênico mais anunciado, talvez, do século XX: a Declaração Conjunta sobre a Doutrina
da Justificação, de 1999, entre a Igreja Católica e a
Federação Luterana Mundial, que supostamente encerrou o debate
sobre a salvação pela fé, versus a fé mais as obras, que esteve no centro da Reforma
Protestante.
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