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Maurício Savarese
- Ministros Luiz Fux e Carmen Lucia durante a sessão do STF (Supremo Tribunal Federal)
Após um dia inteiro de discussões, o Supremo Tribunal Federal (STF)
continuará a partir das 14h desta quinta-feira (12) decidir a ação que
descriminaliza a interrupção de gestações de anencéfalos. O placar é de 5
x 1 a favor da iniciativa, com expectativa de que uma maioria venha a
ser formada, no mínimo, com o voto do ministro Carlos Ayres Britto –
levando-se em conta seus julgamentos anteriores.
Quatro ministros ainda devem votar. Cinco ministros, o relator Marco
Aurélio de Mello, Rosa Maria Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen
Lúcia, já foram favoráveis à ação, evocando princípios de manutenção do
Estado laico e de dignidade da vida da mãe. Ricardo Lewandowski abriu a
dissidência, sob a justificativa de que o Poder Legislativo não permite o
aborto de anencéfalos.
Apenas o ministro Dias Tóffoli não participa do julgamento, porque já
tratou do caso quando era advogado-geral da União. Com mais um voto
favorável, e desde que nenhum voto seja mudado - o que pode acontecer
até a proclamação do resultado -, a interrupção de gravidez de
anencéfalo não será crime.
A prática já foi autorizada pela Justiça em mais de 3 mil casos desde
1989. Na sessão de quarta-feira, grupos católicos se manifestaram diante
do STF, incluindo um casal com uma filha vítima de acrania – problemas
de formação do crânio. A ação em julgamento trata exclusivamente de
casos de anencefalia (ausência da maior parte do cérebro).
Primeiro dia
Relator da ação no STF, Marco Aurélio afirmou que dogmas religiosos não podem guiar decisões estatais e fetos com ausência parcial ou total de cérebro não têm vida. A ministra Rosa Maria Weber admitiu que conceitos científicos são mutáveis e considerou que anencéfalos podem sobreviver por meses – o que médicos negam. Mas acabou votando a favor da interrupção da gravidez nesses casos "porque não está em jogo o direito do feto, mas sim da mulher".
Ao contrário do que defendem entidades religiosas, o relator afirmou que o feto anencéfalo não tem como viver. "Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida", disse. "Aborto é crime contra a vida em potencial. No caso da anencefalia, a vida não é possível. O feto está juridicamente morto."
Relator da ação no STF, Marco Aurélio afirmou que dogmas religiosos não podem guiar decisões estatais e fetos com ausência parcial ou total de cérebro não têm vida. A ministra Rosa Maria Weber admitiu que conceitos científicos são mutáveis e considerou que anencéfalos podem sobreviver por meses – o que médicos negam. Mas acabou votando a favor da interrupção da gravidez nesses casos "porque não está em jogo o direito do feto, mas sim da mulher".
Ao contrário do que defendem entidades religiosas, o relator afirmou que o feto anencéfalo não tem como viver. "Hoje é consensual no Brasil e no mundo que a morte se diagnostica pela morte cerebral. Quem não tem cérebro não tem vida", disse. "Aborto é crime contra a vida em potencial. No caso da anencefalia, a vida não é possível. O feto está juridicamente morto."
Por essa razão, especialistas defensores da ideia são contrários ao uso
do termo "aborto" - preferem usar "interrupção da gravidez" ou
"antecipação do parto". Mas para o ministro Lewandowski, não se trata de
interrupção de gravidez de anencéfalo, mas sim de aborto em uma
condição não prevista pelo Código Penal.
“Até agora os parlamentares decidiram manter intacta a lei penal,
excluída as duas hipóteses [estupro e risco de vida da mãe]”, disse. O
ministro afirmou que o Supremo só pode legislar de forma negativa, “para
extirpar do texto jurídico o que contradita ao texto constitucional".
"Além de discutível do ponto de vista ético e jurídico, [a medida]
abriria as portas para a interrupção de inúmeros embriões que sofrem ou
venham a sofrer de problemas genéticos que levem ao encurtamento de suas
vidas intra ou extrauterinas", afirmou.
Weber afirmou que não há garantia de que os conceitos científicos sobre
o que é um feto anencéfalo sejam estáveis. Ela relatou ter sido
visitada por Marcelo e Joana Croxato, pais de Vitória, que sofre de
acrania, uma má formação diferente da anencefalia. A ação proposta em
2004 no Supremo trata exclusivamente de anencéfalos.
“Nem a ciência tem o controle de todos os seus conceitos”, disse a
ministra. “Plutão por muitos anos do século 20 foi considerado um
planeta e depois deixou de ser. Quem diria que uma área de conhecimento
como a astrofísica poderia recorrer a uma convenção mundial para usar um
conceito como o de planeta?”
Em uma antecipação do seu voto, o ministro Joaquim Barbosa acompanhou o
relator e remeteu a decisões antigas que já tomou na corte.
Luiz Fux apelou à dignidade da vida da mãe. “É até desumano ler esses
efeitos nocivos e deletérios para a saúde da mulher”, disse ele,
referindo-se a problemas recorrentes nas mulheres após gestações desse
tipo.
Desvincular a decisão o Supremo do aborto geral foi o centro do voto da
ministra Cármen Lúcia. "O Supremo não está decidindo sobre o aborto.
Decisões judiciais são oferecidas de acordo com objeto apresentado para a
decisão", disse.
Tramitação
A ação chegou ao STF em 2004, por sugestão da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS). A entidade defende o aborto quando há má
formação cerebral sem chance de longa sobrevivência para a criança.
Para grupos religiosos, incluindo a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), o princípio mais importante é o de que a vida deve se
encerrar apenas de forma natural.
Mas há controvérsias de que o bebê anencéfalo de fato vive – mesmo que
brevemente. Juristas, que autorizam a interrupção de gestações desse
tipo há mais de 20 anos, alegam que legalmente a vida termina na morte
cerebral. É apenas depois disso que são autorizados os transplantes e o
desligamento dos aparelhos.Os anencéfalos nunca chegam a ter vida
cerebral.
Os críticos dessa visão veem no julgamento uma tentativa de abrir as
portas para todos os tipos de aborto, como defendem entidades
feministas, inclusive de dentro da Igreja Católica. De acordo com uma
pesquisa do instituto Datafolha, em 2004 havia 67% de paulistanos
favoráveis a interromper a gravidez de bebês com anencefalia.
Sobre anencefalia
A anencefalia causada por um defeito no fechamento do tubo neural
(estrutura que dá origem ao cérebro e à medula espinhal). Ela pode
surgir entre o 21º e o 26º dia de gestação. O diagnóstico é feito no
pré-natal, a partir de 12 semanas de gestação, inicialmente por meio de
ultrassonografia. Entidades médicas afirmam que o Brasil tem
aproximadamente um caso para cada 700 bebês nascidos.
A grande maioria das crianças que nascem sem cérebro morrem instantes
depois. Além de carregar no útero um bebê fadado a viver possivelmente
por alguns minutos, as mães ainda têm de lidar com a burocracia de
registrar o nascimento e o óbito no mesmo dia. Alguns juízes já
autorizaram abortos desse tipo. O advogado da CNTS na ação, Luis Roberto
Barroso, classifica a gravidez de anencéfalos de “tortura com a mãe”.
Os críticos do aborto de bebês nessa situação citam um caso de 2008 em
Patrocínio Paulista, interior de São Paulo. Marcela de Jesus Ferreira
sobreviveu um ano e oito meses porque a ausência de cérebro não era
total. Marco Aurélio de Mello disse inclusive em seu pronunciamento que
o caso não era de anencefalia.
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