sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O feminismo está na moda. E agora?

IHU - "Será que é ruim uma criança que tem como referência a Barbie – porque está inserida numa sociedade em que a Barbie é supervalorizada e a rodeia o tempo todo – enxergar que aquele exemplo de mulher pode ser modelo, mas também pode ser médica, dentista, arqueóloga?", escreve Marília Moschkovich em artigo publicado no blog Outras Palavras, 04-11-2013.
Confira.
O ano de 2013 pode ter sido maldoso com muita gente, mas parece, a princípio, que foi um ano de extremo sucesso para o movimento feminista. A escolha de Feliciano como presidente da comissão de direitos humanos da câmara mobilizou muitas pessoas em prol de certas causas feministas. As marchas das vadias continuaram crescendo e se multiplicando apesar (ou por causa) de grandes polêmicas da opinião pública sobre crucifixos enfiados vocês-sabem-onde. A visita do Papa Francisco ao Brasil e a Jornada Mundial da Juventude católica terminaram a receita explosiva para discussões infinitas dentro e fora da internet, que rondavam temas e abordagens feministas sobre os direitos humanos. A questão da descriminalização do aborto foi especialmente importante em tais meses.
Esse momento célebre se estendeu a veículos de comunicação dos mais diversos, de várias maneiras: uma feminista foi convidada para falar no programa matinal de Fátima Bernardes; a revista Carta Capital, de muita influência em círculos ligados ao pensamento de esquerda e que noticiava apenas ocasionalmente assuntos feministas, passou a ter não um, mas dois blogs ligados diretamente ao feminismo (Território de Maíra e Feminismo Para Quê?); a revista TPM promoveu um evento e fez uma capa discutindo questões relacionadas ao feminismo; o site Buzzfeed, muito popular na internet, publicou uma lista de gifs animados direcionada especificamente a ativistas feministas.
Para completar o frisson e inaugurar de vez o próximo Fla-Flu online sobre o feminismo, a revista digital Capricho declarou, em reportagem publicada na última sexta-feira (1º/11), que “o girlpower está na moda”, postando em seguida fotos de celebridades que se declaram feministas. Assim, provavelmente esperam os editores, as meninas têm em quem se inspirar para aderirem a essa “moda”.
Toda essa apropriação têm suscitado muitas questões de ativistas sobre o que significa essa popularidade repentina. É fato que ela implica uma compreensão mínima e um tanto rasa de não-feministas sobre o feminismo e as ideias do movimento. Implica também a transformação do feminismo em produto consumível – um estilo de vida que se pode comprar, copiar de famosas, etc. Ao mesmo tempo, indica a possibilidade de utilizar esses momentos de “fama” para ampliar debates que até poucos meses se restringiam aos mesmos círculos de sempre.
Diante desse dilema, minha posição é uma só: contra fatos não há argumentos e o feminismo agora é pop, sim. A questão é o que faremos com essa informação. Em momentos de afobação como este, é preciso tomar um cuidado imenso para não jogarmos fora o bebê com a água do banho. Calma lá, companheiras.
Vocês se lembram das Spice Girls? Da Barbie Mergulhadora, da Barbie Veterinária, da Barbie Pesquisadora, da Barbie Arqueóloga? Da Mulan e da Merida, personagens de filmes da Disney? Da Madonna nos anos 1980? Leila Diniz? Waleska Popozuda? Da Rainha Amidala em Star Wars? Do filme Thelma & Louise ou A Ilha da Garganta Cortada (pra me concentrar na incrível Geena Davis)? Da lista completa de “celebridades” publicada pela Capricho? Do seriado “Law and Order: Special Victims Unit”?
Pois todas essas – e muitas outras – coisas e pessoas são produtos feministas consumíveis; são representações do feminismo adotadas, embaladas e plastificadas pelo capitalismo para se converterem em estilos de vida, imagens, signos e símbolos que ambicionamos. Isso significa que são ruins? Será mesmo?
Será que é ruim uma criança que tem como referência a Barbie – porque está inserida numa sociedade em que a Barbie é supervalorizada e a rodeia o tempo todo – enxergar que aquele exemplo de mulher pode ser modelo, mas também pode ser médica, dentista, arqueóloga? Será que foi negativo que tantas meninas nos anos 1990 idolatrassem uma banda formada apenas por mulheres que cantava “Se você quer ser meu namorado, precisa se dar bem com minhas amigas”? Foi um retrocesso que a cantora mais popular da década anterior explicitasse a liberdade sexual, como mulher? É um atraso que não apenas as meninas de classe média, mas também quem tem o repertório cultural do funk, das favelas, possa escutar músicas dizendo que “a buceta é minha, eu dou pra quem quiser”?
Como eu disse certa vez, o feminismo precisa ser para todas e todos. Isso significa, além de uma perspectiva intersecionalista, que é preciso parar com essa bobagem de querer que os movimentos sociais sejam feitos por e para apenas alguns grandes iluminados que atingiram certos níveis de compreensão acadêmica-teórica e portanto seriam os guardiões – no caso as guardiãs – do conhecimento específico daquela questão social. Não somos. Parem com isso. Não existe um único feminismo legítimo e essa é justamente uma das belezas desse movimento: ele está aberto para disputa. Então nos armemos para debater, sim, com quem chega agora e tem apenas as referências mais pasteurizadas. Só assim conseguiremos ampliar a discussão.
No que diz respeito ao mundo não-feminista, porém, não me parece, em absoluto, que estejamos perdendo essa batalha.

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