A cruzada do ateísmo militante contra a fé cristã não só abre caminho para falsificações da realidade, como também para o ressurgimento do paganismo.
O mundo relativista também tem seus dogmas. Torna-se cada vez mais
comum nos dias de hoje a exclusão da fé cristã, como um pressuposto
básico para o desencadeamento de uma ação social. O simples ato de crer é
considerado um comportamento desumano, tendo-se a impressão de que a fé
levaria o indivíduo a uma espécie de alienação de seus direitos, posto
que a pessoa se perde em orações e rituais sem sentido. O homem,
portanto, deveria ser privado da fé ou, ao menos, esclarecido sobre os
males que advêm dela, sobretudo daquelas religiões que pregam a crença
num Deus único e pessoal.
A tentativa de eliminar-se a fé das pessoas foi uma constante nos
últimos dois séculos. Sob o axioma marxista de que a religião seria o
“ópio do povo”, inúmeros governos, mormente aqueles de índole gnóstica e
ateia, subjugaram povos inteiros, acusando-os até mesmo de crime contra
a pátria, simplesmente por aplicarem a máxima cristã do “dar a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus” (Cf. Mt. 12,15-21). Foi assim
que o governo maçom de Plutarco Elías Calles dizimou centenas de
cristãos, no México, durante a chamada Guerra de Cristiada, na década de
20, com o pretexto de impedir o avanço de “crenças
fundamentalistas”[1]. De igual modo, nazistas e comunistas no leste
europeu deram cabo de mais de 100 milhões de vidas, em apenas um século,
montados nos auspícios do que Pio XI acertadamente chamou de “ideologia
neopagã detestável”[2]. De fato, a loucura revolucionária, segundo os
cálculos do professor R.J. Rummel, da Universidade do Havaí, levou à
morte mais civis no século XX do que todas as guerras e catástrofes
naturais do começo da civilização até hoje somadas. Eis o tamanho do
crime: 262 milhões de mortos e contando[3].
O montante de corpos contabilizados pelas sendas da revolução dá-nos a
prova do quão equivocado está aquele professor universitário que, a fim
de conquistar a turma e demonstrar ares de superioridade intelectual,
precisa fazer troça da Igreja Católica e daqueles que ousam romper o
dogma de que é necessário desertar de seu batismo para conquistar um
diploma acadêmico. Ateísmo não é sinônimo de inteligência. Pelo
contrário, trata-se de uma simples negação da realidade e, em última
análise, das suas exigências. Com efeito, diz-nos Bento XVI:“somente quem reconhece Deus, conhece a realidade e pode corresponder-lhe de modo adequado e realmente humano”[4]. E essa afirmação se torna tanto mais verdadeira quando confrontada com os frutos do “século do nada” –
para usar uma expressão de Gustavo Corção. Seja na ficção científica de
Richard Dawkins – a nova coqueluche do neoateísmo –, seja nos diálogos
de Nietszche – sobretudo no seu “Assim falou Zaratustra” –, o que se
percebe no ateísmo militante é muito mais uma atitude de afetação e
preconceito religioso do que de autêntica sabedoria.
Certamente, os ateus que procuram acoimar os cristãos de ignorantes
desconhecem a literatura de Chesterton, a profundidade filosófica de
Edith Stein, os progressos científicos de Jerome Lejeune – o responsável
pela descoberta da trissomia 21, comumente conhecida por Síndrome de
Down –, a pesquisa histórica de Paul Johnson e Daniel-Rops ou, quem sabe
ainda, a famosíssima mitologia de J.R.R. Tolkien. Não por acaso, C.S.
Lewis, outro autor cristão de renome internacional, acabou deixando a
bobagem agnóstica para trás justamente pelo exemplo do amigo criador d’O
Senhor dos Anéis:
[...] Lewis achava difícil aceitar o fato de que seu novo amigo era um dos homens mais interessantes, intelectuais e inteligentes que ele jamais havia conhecido e ainda um cristão devoto – e católico, para começar.[5]
A cruzada ateísta contra a fé cristã não só abre caminho para a
falsificação do conceito de realidade, como também para o ressurgimento
do paganismo. Quando não se crê em Deus, acaba-se crendo em tudo. “A
superstição” – recorda-nos G.K. Chesterton – “ocorre em todas as
épocas, e especialmente em épocas racionalistas”[6]. E o resultado não
podia ser outro, senão o que já foi visto em todos os períodos em que a
humanidade foi deixada à mercê dos falsos deuses. O cristianismo, por
sua vez, baseia-se em outra medida: Nosso Senhor Jesus Cristo. É Ele que
vem a nós, é Ele o nosso fundamento. A partir disso, constitui-se
grande verdade a afirmação do Papa Francisco, na última Mensagem para o
dia mundial da paz:
[...] Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro.[7]
Quando se coloca Deus entre parêntesis, pretendendo-se assim dar
prioridade aos bens materiais, econômicos e políticos, começa-se por
incutir no coração do homem uma lógica gladiadora, na qual todos são
nivelados à condição de objeto. É humano aquele que tiver mais poder.
Disso nasce a famosa frase do ateu Jean-Paul Sartre: “o inferno são os
outros”. O homem deixa de ser irmão para se converter em obstáculo. E
uma tal lógica só poderia “terminar por caminhos equivocados e com
receitas destruidoras.”[8] Diz-nos o evangelho que uma árvore é
reconhecida pelos seus frutos. Certamente, 262 milhões de mortos não são
o que poderíamos chamar de “bons frutos”
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