sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Acabou o tempo da imunidade no Vaticano


Hans Zollner, membro da Pontifícia Comissão para Proteção de Menores, comenta casos de pedofilia na Igreja.


Por Paolo Rodari
Jesuíta alemão, presidente do Instituto de Psicologia Gregoriana e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, criada pelo papa Francisco (se reúnem no Vaticano nos dias 04 e 05 de outubro), Hans Zollner é uma das pessoas de confiança do papa quando o assunto é pedofilia no clero.

Confira a entrevista:

O papa deu autorização para prender no Vaticano o ex-núncio Wesolowski, acusado de pedofilia. É a primeira vez que um núncio é preso. Por quê?

Porque nunca antes um núncio havia sido acusado, ou um arcebispo em serviço diplomático em nome da Santa Igreja.

Existe os que digam que nos anos em que Ratzinger e Wojtyla estavam a frente do trono de Pedro a Igreja escondia os abusos. O Vaticano afirma que os responsáveis eram os Bispos locais. Quem está certo?

É um grande erro julgar que os casos foram acobertados em Roma. A realidade é que o então Cardeal Ratzinger, no ano 2000, para contrastar o fenômeno decidiu centralizar a gestão das acusações contra os padres na Congregação para a Doutrina da Fé, e nomeou promotor de justiça (o procurador da Igreja) Charles Scicluna, canonista considerado rigoroso, colocando-o como o chefe dos procedimentos contra os sacerdotes. Eleito papa, continuou com firmeza a linha de uma luta consistente contra aquilo que entintulou “uma praga aberta no corpo da Igreja”. E Francisco disse claramente que pretende continuar com rigor as mesmas orientações.

A ONU pediu que sejam repassados para as autoridades civis os religiosos envolvidos em abusos. Por que na Igreja a denúncia não é obrigatória?

A ONU não está bem informada. Para a parte civil e penal a Igreja se detém às leis dos países. A denúncia não é obrigatória na maioria dos países, como, por exemplo, na Itália, Alemanha, Bélgica. Pode-se discutir se não seria oportuno que um país introduza a denúncia obrigatória, mas a decisão continua sendo do país. No direito penal da Igreja – que se soma mas não substitui a legislação nacional específica – os procedimentos estão melhor elucidados do que nas legislações de muitos países.

O papa, em uma conversa com Eugênio Scalfari, disse que em média 2% do total de pedófilos no mundo são padres. É possível ter números precisos?

Não existe clareza sobre os números, nem a respeito da população geral, nem relativo aos grupos específicos de pessoas, a exemplo educadores e professores de escola, médicos, psicólogos ou sacerdotes. O vice procurador geral de um grande país ocidental de idioma inglês me disse que segundo suas cifras, 95% os abusos ocorrem no ambiente familiar e 5% no contexto de todas as outras instituições, em escolas, orfanatos, creches, academias ou paróquias. Mas não se chega a uma estatística exata porque, acima de tudo no âmbito da família, existe compreensivelmente a auto proteção do abusador.

O papa falou recentemente que os pecados são o lugar privilegiado para encontrar Cristo. Qual o significado disso para os que sofreram abusos?

Um excelente exemplo foi o encontro do papa com algumas vítimas. Dois cidadãos alemães, depois de conversar com o papa, me disseram que para eles foi de grande ajuda a presença empática de Francisco, ter os ouvido e as palavras que falou, os tocaram profundamente. Uma dessas pessoas me falou que um grande distúrbio físico que tinha há anos desapareceu depois da conversa com o papa. Isso somente é possível quando a pessoa – que vive com feridas terríveis na alma devido ao abuso – busca a cura. Mas chega também o momento em que uma pessoa compartilha dores, solidão, raiva, desolação e permanece com aquela pessoa na escuridão. Assim foi entendido o encontro das vítimas com o papa. Foi um momento de graça aquele em que a cruz de Jesus entrou nas profundezas da ferida e começou a difundir a sua força de cura e redenção. Isso não é automático, mas isso que sou testemunha é um sinal profundo de esperança, também para as pessoas que sofrem de vários outros tipos de trauma.

Você acredita que seja necessária uma seleção mais acurada dos candidatos ao sacerdócio?

Formamos, há mais de 40 anos no Instituto de Psicologia Gregoriana, psicólogos e psicoterapeutas que intervém no processo de seleção e formação dos seminaristas e religiosos. Estas intervenções são solicitadas pela Congregação para a Educação Católica há tempos e, em algumas partes do mundo e em muitas Ordens religiosas, tornaram-se um padrão, mas não nos iludimos que com um teste ou uma pergunta no desenrolar de uma entrevista se possa identificar com absoluta certeza possíveis abusadores. É preciso uma atenção contínua ao longo do percurso formativo e precisa coragem, por parte dos superiores, para decidir a retirada de qualquer pessoa que apresentar marcas de problemas de relacionamento ou afetivos.

A Comissão da qual fazes parte foi criada pelo papa Francisco. O que ele espera de vocês?

Faremos propostas ponderadas ao papa e sugeriremos a implementação das melhores práticas (best pratices) as quais serão adotadas para garantir justiça as vitimas e para procurar evitar novos abusos.

La Repubblica, 25-09-2014.

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