A Igreja moldou a civilização ocidental
em todos os seus campos: arte, música, arquitetura, direito, economia,
moral, ciência, letras, línguas, etc., mas, o ponto mais marcante foi o
da caridade. Seria impossível escrever a história completa da caridade
da Igreja, desde que Jesus ensinou os seus discípulos a “a amar o
próximo como a si mesmo”.
São incontáveis os números de hospitais,
sanatórios, escolas para crianças pobres, asilos, creches, etc. que os
filhos da Igreja sempre mantiveram durante todos esses vinte séculos de
cristianismo. E ainda hoje essa rede imensa de caridade continua; só
para dar um exemplo, basta dizer que 25% de todas as obras de
assistência aos aidéticos hoje são mantidas pela Igreja católica em todo
o mundo.
Mesmo o francês Voltaire, talvez o maior
anticatólico do século XVIII, teve de reconhecer a caridade dos filhos
da Igreja. Ele disse que “talvez não haja nada maior na terra do que o
sacrifício da juventude e da beleza, realizado pelo sexo feminino para
trabalhar nos hospitais para aliviar a miséria humana”.
A caridade católica sempre foi totalmente
gratuita, desinteressada, diferente de muitas outras formas de
filantropia que esperavam algum retorno seja em forma de reconhecimento
ou de destaque social.
A caridade ensinada por Cristo foi “algo
novo” no mundo antigo; onde se deve “amar até o inimigo” e “perdoar os
que nos maltratam”. Também para a Igreja vale a frase do Apóstolo: “a
sua imensa caridade encobre a multidão dos pecados dos seus filhos”.
Os Padres da Igreja que legaram seus
ensinamentos ao mundo, mesmo entre suas enormes ocupações, tiveram tempo
de se dedicar ao serviço da caridade. Santo Agostinho fundou um
hospital para peregrinos, resgatou escravos, e socorreu os pobres. Ele
pedia ao povo não lhe dar roupas, mas vendê-las e dar o dinheiro aos
pobres. São João Crisóstomo, o grande Patriarca de Constantinopla no
século IV, fundou ali uma série de hospitais. São Cipriano de Cartago e
Santo Efrém organizaram grandes trabalhos nos tempos de pragas e fome.
Não há um santo sequer da Igreja que não tenha vivido exemplarmente a
caridade.
A Igreja desde o seu início cuidou dos
órfãos e viúvas, numerosos por causa das guerras, e estava presente para
socorrer os doentes em todas as epidemias. Muitos e muitos santos e
católicos perderam as suas vidas socorrendo os doentes. Durante a peste
que atingiu Cartago e Alexandria, os cristãos ganharam respeito e
admiração pela coragem e bravura com que consolavam os moribundos e
enterravam os mortos, enquanto os pagãos abandonavam até mesmo os amigos
à sua terrível sorte.
Sabemos que hospitais como temos hoje,
não havia na civilização grega e romana; a Igreja Católica foi pioneira
em criá-los com médicos, enfermeiros, remédios, e demais procedimentos.
No século IV a Igreja começou a mantê-los nas cidades menores, atendendo
viajantes e doentes, viúvos, órfãos e pobres.
Uma mulher chamada Fabíola, por caridade
cristã, criou o primeiro hospital público em Roma. São Basílio Magno
fundou um hospital em Cesareia, na Terra Santa, ainda no século IV,
especialmente para os leprosos. Os mosteiros também prestaram muitos
atendimentos aos doentes.
Risse Guenter, em A History of Hospitals,
mostra que quando caiu o Império Romano do ocidente (476), os mosteiros
assumiram cada vez mais os cuidados dos doentes como nunca foi feito na
Europa por vários séculos. Esses mosteiros se tornaram verdadeiras
escolas de medicina entre os séculos V e X; falava-se do período da
medicina monástica. Durante os anos do reavivamento (século IX) com
Carlos Magno, os mosteiros se destacaram como os principais centros de
estudo e transmissão dos textos antigos de medicina.
Os Cavaleiros de São João
(Hospitaleiros), deixaram na Europa a sua marca na história dos
hospitais, desde 1080, ajudaram os pobres e os peregrinos que iam à
Terra Santa. Os “Hospitais de São João” impressionavam pelo
profissionalismo, onde se realizavam até pequenas cirurgias e os doentes
recebiam visitas duas vezes ao dia dos médicos, banhos e duas refeições
principais, além de roupas limpas e brancas. Esses hospitais foram
modelos para a Europa.
A caridade da Igreja sempre foi tão
grande que impressionou até os seus inimigos. O escritor pagão Lúcio
(130-200) escrevia impressionado com a urgência com que os cristãos se
ajudavam mutuamente.
O próprio imperador Juliano, o Apóstata,
inimigo do cristianismo, que tentou restabelecer o paganismo no império,
por volta de 360, elogiava a caridade dos cristãos e reconheceu que
enquanto os sacerdotes pagãos abandonavam os pobres, os “odiados
galileus” os tratavam com caridade, com as mesas preparadas para os
indigentes, algo que era comum entre eles.
Mesmo Martinho Lutero, inimigo da Igreja,
foi obrigado a reconhecer que “sob o Papa o povo era ao menos caridoso,
e que não era preciso usar a força para conquistar as almas, e que
agora, no “reino do Evangelho (Protestantismo) ao invés de dar, eles
roubam um ao outro” [Baluffi].
Frederick Huiter, um biógrafo do Papa
Inocêncio III declarou: “Todas as instituições beneficentes que a
humanidade possui nesses dias para ajudar os pobres, todos os que têm
sido feito para a proteção dos indigentes e aflitos… E todos os tipos de
sofrimentos, vêm direta ou indiretamente da Igreja de Roma” [Baluffi].
No século XVI quando Henrique VIII
tornou-se inimigo da Igreja e suprimiu os mosteiros da Inglaterra e
confiscou as suas propriedades, a consequência social, foi enorme. Houve
uma rebelião popular em 1536, conhecida como “Peregrinação da Graça”,
que teve muito a ver com a ira do povo com o desaparecimento da caridade
dos mosteiros [Daniel Rops. V.1, pág. 181]. A dissolução dos mosteiros
ingleses e a redistribuição de suas terras – garante Philip Hughes –
“significou a ruína de milhares de pobres camponeses, a destruição de
pequenas comunidades que os sustentavam”. Milhares de desempregados das
fazendas foram colocados nas ruas; o pauperismo cresceu
assustadoramente.
Durante os séculos após a morte de Carlos
Magno em 814, muito dos cuidados aos pobres, até então a carga das
paróquias da Igreja, migraram para os mosteiros. Nas palavras do rei São
Luís IX da França, os mosteiros eram “o patrimônio dos pobres”; o que
sempre foi desde o século IV. Em cada lugar onde surgia um mosteiro, nos
vales e montanhas, formavam-se centros de vida religiosa organizada com
escolas, modelos para a agricultura, indústria, piscicultura,
reflorestamento, proteção aos viajantes, alívio para os pobres, órfãos,
cuidado dos doentes, e atividade cultural como já vimos.
Durante a Idade Média os monges deram
refúgio aos peregrinos aliviando os horrores da neve nos Alpes. Os
beneditinos premonstratenses, bem como as Ordens mendicantes de São
Domingos de Gusmão e de São Francisco de Assis se destacaram na
caridade. Para São Bento “cada visitante devia ser recebido no mosteiro
como se fosse o próprio Cristo”. Mas os monges não apenas esperavam os
pobres virem a eles, iam atrás dos pobres e doentes para socorrê-los.
O que aconteceu com os mosteiros da
Inglaterra de Henrique VIII, no século XVI, aconteceu também na França
com a Revolução Francesa de 1789, quando os mesmos revolucionários
confiscaram as propriedades da Igreja: secou a fonte da caridade. Na
época o arcebispo de Aix em Provença alertou que tal roubo era uma
ameaça à educação e à provisão do povo. Em 1847 a França tinha 47%
hospitais a menos do que no ano do confisco e em 1799 os 50.000
estudantes das universidades se reduziram a 12000 [Davies, Michel, For Altar and Throne: The Rising in the Vendée, St. Paul, Minn.: Remmant Press, 1997, p. 11].
Nos tempos dos bárbaros a civilização foi
abandonada; só a Igreja lutava contra a miséria, socorria os
indigentes; os “pobres benditos” que viviam perto da catedral; havia os
“fundos de socorro” que estavam em toda parte. Os bispos e sacerdotes
amavam os pobres. Havia também hospícios, hospedarias para estrangeiros e
hospitais, mantidos pela Igreja; surgiram depois os leprosários e ou
“hospitais de Lázaro”.
Os fracos, pobres, órfãos e viúvos
estavam sob a proteção da Igreja. A maior parte dos rendimentos dos
mosteiros era aplicado na caridade. Especialmente nas épocas de grandes
calamidades, fomes e flagelos, a caridade da Igreja se fazia presente,
pois o Estado pouco fazia. O povo, então, se voltava para os conventos,
cujos celeiros, viveiros eram abertos ao povo. “Foram numerosas as casas
de bispados e mosteiros que venderam os seus tesouros, e até mesmo os
vasos sagrados, para arrancarem da fome o povo cristão que os rodeava”
(Daniel Rops, V. III, 281).
A partir do século IX cada paróquia tinha
organizado o auxílio aos pobres e possuía um registro, a “matrícula”,
dos que recebiam ajuda; tudo era subsidiado pela quarta parte dos
dízimos e metade das doações feitas à paróquia. Os mosteiros tinham
também a sua “matrícula” sob os cuidados do monge “esmoler”.
A partir do século XI começaram a surgir
as Ordens dedicadas à caridade. A Ordem hospitalar mais antiga foi a dos
“Antoninos”; nasceu em Vienne, em 1095, na paróquia onde estavam as
relíquias de Santo Antão. Foi a Ordem dos “Irmãos Hospitalares de Santo
Antão”. Em 1178 foi fundada por Guy de Montpelier a “Ordem do Espírito
Santo”, hospital para crianças abandonadas; no final do século XIII
tinha cerca de 800 casas. Em 1150 surgiu em Bolonha o “Crucifeu”, e na
Boêmia os “Stelliferi” em 1160. Em 1099, após a tomada de Jerusalém
pelos cruzados surgiu a “Ordem de São Lázaro”, para cuidar dos leprosos
do Oriente. Foram trazidos também para a França por Luiz VII e cresceram
muito na Europa e na Ásia, onde chegaram a ter 3000 leprosários.
Inocêncio IV a transformou em “Cavaleiros de São Lázaro” que existem até
hoje.
Assim, com o esforço conjunto da
hierarquia da Igreja, das novas Ordens caritativas e da generosidade
popular, surgiu uma multidão de instituições de caridade. É de se
registrar que a Igreja pedia que as crianças abandonadas fossem deixadas
nas portas dos mosteiros, para não serem mortas. Estas eram cuidadas
pela Ordem do Espírito Santo ou pelos hospitalários de São João de
Jerusalém, que vieram do Oriente para prestar seus serviços na Europa.
Alguns desses asilos de crianças eram enormes e elas só saíam daí
trabalhando. Havia casas especializadas em leprosos, o grande mal
daquele tempo. A Igreja tinha aprendido com o “beijo de São Francisco de
Assis no leproso”, a ver neles um irmão em Cristo. São Luís de França,
Santa Isabel da Hungria e Santa Hedwiges se destacaram nessa caridade.
Só na França em 1225, o rei Luís VIII comprovou a existência de mais de
dois mil leprosários. São Roque (1293-1327), patrono dos leprosos,
consagrou toda a sua vida ao cuidado deles, tendo morrido também como
leproso.
É impossível enumerar todas as formas de
caridade assumidas pelas pessoas da Igreja. Algumas se consagraram à
recuperação das prostitutas, essa chaga social. Inocêncio III numa bula
de 1198 prometeu remissão total dos pecados aos homens piedosos que
desposassem essas mulheres reconduzindo-as ao bom caminho. Pedro o
Eremita fundou uma Congregação para salvá-las; e surgiram outras com a
mesma finalidade. A mais célebre foi a Ordem das “Irmãs penitentes de
Santa Madalena”, as ”madalenetas”.
Também os viajantes e peregrinos eram
protegidos pela caridade cristã. Na Itália, os Hospitalários
d’Altapaseio guiavam os viajantes nos pântanos perigosos de Luca; na
Espanha, os Cavaleiros de Santiago protegiam os peregrinos de
Compostela; na Palestina, essa era uma das funções dos Templários.
A Cristandade não era uma noção abstrata,
mas sim a própria força de Cristo animando a sociedade. Há a caridade
que vai mais longe ainda. Não podemos deixar de falar aqui das “Ordens
redentoras”, que na Ásia e na África; esses heróis que partiam para os
países muçulmanos e se ofereciam para substituir os fiéis cativos e
escravos correndo risco de morte. São as Ordens fundadas em 1198 por São
João da Mata (os Trinitários); em 1223 pelo francês São Pedro Nolasco
(os Mercedários – Nossa Senhora dos Mercês) e por São Raimundo de
Peñafort, espanhol. Desde a sua fundação até a revolução Francesa
(1789), estas duas Ordens libertaram mais de 600.000 cativos, entre os
quais Cervantes, o mestre espanhol.
Essa caridade da Igreja ultrapassa em
muitas as nossas obras sociais e a Previdência Social de hoje. O
regulamento dos hospitais de Paris, em 1230, dizia que se deviam receber
“os pobres e doentes como ao Senhor”. Em todos os testamentos
parisienses, da Idade Média, há uma doação para o “Hotel-Dieu” de Paris
(o Hotel de Deus).
A caridade de Cristo, de Madre Teresa de
Calcutá, de São Francisco de Assis, de São Camilo de Lellis, de São João
Bosco, e de tantos santas e santas nunca precisou de uma ideologia
materialista e inimiga de Deus para a impulsionar. A força propulsora
desta caridade bi-milenar sempre foi a oração, o amor a Deus e aos
irmãos, vendo no que sofre o Cristo que padece.
Prof Felipe Aquino
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