Dr. John A. Carroll
Será que a pobreza e a violência precisam mesmo andar de mãos dadas?
Aleteia publica a seguir o depoimento do Dr. John Carroll, médico
norte-americano que passa de dois a quatro meses por ano trabalhando nas
clínicas e hospitais do Haiti com a Haitian Hearts,
organização que leva crianças e jovens haitianos com urgente
necessidade de cirurgia cardíaca para receber o tratamento nos Estados
Unidos. Neste texto, originalmente publicado em seu blog,
o Dr. John fala do trabalho de freiras católicas que fazem o bem e, em
troca, sofrem a violência brutal que apavora o país mais pobre do
continente americano.
A clínica onde eu trabalhava em
LaPlaine é gerida por uma ordem de freiras católicas. Cinco irmãs vivem
num convento simples, no andar de cima da clínica. Elas são de Cuba, da
Colômbia, da Espanha e da América Central e todas são fluentes em
crioulo haitiano.
São religiosas alegres, trabalhadoras e
acompanham os pobres vivendo junto com eles. Centenas de pacientes
chegam todos os dias, antes do nascer do sol, para ser atendidos e
tratados pelos quatro médicos haitianos que trabalham na clínica.
Eu decidi trabalhar com aquelas irmãs em fevereiro, depois que outras
freiras da mesma ordem, na cidade de Soleil, a poucos quilômetros de
distância, foram assaltadas tantas vezes ao longo dos oito meses
anteriores que tiveram de encerrar o seu programa de tratamento de bebês
desnutridos. Além disso, a clínica pediátrica de Soleil vinha sofrendo
já fazia várias semanas com as guerras de gangues e com os tiroteios de
rua, a ponto de as mães terem medo de levar seus filhos até lá.
Um dia antes que eu começasse a trabalhar com as irmãs em LaPlaine, uma
delas, a colombiana, me disse que estava sendo preparado para o dia
seguinte o sepultamento de um médico haitiano de 35 anos de idade que
tinha trabalhado com elas. Os olhos da freira se encheram de lágrimas
quando ela contou que o médico tinha levado seis tiros, disparados por
homens de moto que cercaram o seu carro quando ele ia para o trabalho,
na semana anterior. Ela me ofereceu o consultório dele, porque os outros
três médicos haitianos não queriam trabalhar naquele local.
Faz
uma semana, no meio da noite, as mesmas irmãs foram acordadas por três
invasores armados, que as agrediram. A jovem irmã colombiana foi a mais
espancada, atingida várias vezes na cabeça e no corpo. Os bandidos
levaram o pouco dinheiro que tinha entrado na clínica no dia anterior.
As irmãs não guardam grandes quantidades de dinheiro. Elas levam uma
vida muito simples.
Uma das mais idosas, que atende as pessoas
desnutridas, estava com um braço quebrado por causa de uma queda que
havia sofrido pouco tempo antes. Nem isto impediu os bandidos de bater
nela também.
Todas as freiras vão ficar bem, mas estão com muito
medo. A colombiana me escreveu ontem, por e-mail, contando que está se
recuperando aos poucos e que "Deus permitiu que eu fosse agredida, mas
Ele mesmo vai me curar".
É assim que está hoje o Haiti. Muitas outras freiras católicas foram atacadas e roubadas em Porto Príncipe.
Três funcionários nossos na capital haitiana estão visivelmente mais
magros do que o normal porque simplesmente não têm o suficiente para
comer. Eles me escrevem todos os dias falando da situação, dos perigos e
da desordem nas ruas. A pobreza e a violência caminham lado a lado no
país mais pobre das Américas.
O que é preciso acontecer no Haiti para que as freiras sejam protegidas?
É urgente um governo funcional, com um sistema de justiça que valha
para todos! É urgente que se erga uma infraestrutura de empregos,
alimentos, água, saneamento, eletricidade, habitação, educação, saúde e
estradas transitáveis para as 10 milhões de pessoas do Haiti.
Enquanto não houver o básico, as atrocidades continuarão vitimando
aquelas que são o melhor exemplo de justiça social no Haiti.
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