Por Dom Alberto Taveira Corrêa*
Vale a pena falar de perdão, num mundo em que as pessoas só querem exigir os próprios direitos?
Queremos ver Jesus junto com as pessoas que perderam a fé.
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Em tempos de justiceiros que emergem para matar em
nome de convicções religiosas, ou de fabricantes de armas que municiam
os diferentes lados em conflito, em época de violência
institucionalizada, ou enganos vindos de poderosos que burlam a
confiança das massas, surge uma proclamação que pode soar anacrônica nos
ouvidos de muitos, a convocação de um Jubileu especial, o Ano da
Misericórdia, vinda do grande papa Francisco, para chegar ao coração da
humanidade.
Vale falar de perdão e de misericórdia, num mundo em que as pessoas
só querem exigir os próprios direitos, prontas a processar umas às
outras por qualquer expressão inadequada, onde as cercas se erguem para
defender o próprio espaço e o medo se torna a regra da convivência? Sim,
somos convidados pelo papa e pela Igreja a nadar contra a correnteza e
dizer que existem reservas de bondade e capacidade de reconciliação no
coração humano.
O sonho é de Deus, pois "o Senhor tem tanto entusiasmo: fala de
alegria e de uma palavra: ‘Sentirei alegria em meu povo’. O Senhor pensa
naquilo que fará, pensa que Ele, Ele próprio, estará na alegria com o
seu povo. É como se fosse um sonho do Senhor: o Senhor sonha. Tem o seus
sonhos. Os seus sonhos em relação a nós. ‘Ah, que belo quando nos
encontraremos todos juntos, quando nos encontraremos lá ou quando aquela
pessoa caminhará comigo... Naquele momento, sentirei alegria!’ Para dar
um exemplo que possa nos ajudar, é como se uma moça com o seu namorado
ou o jovem com a namorada (pensasse): ‘Mas quando estivermos juntos,
quando nos casarmos!’ É o ‘sonho’ de Deus. Deus pensa em cada um de nós e
pensa de maneira positiva, ele nos quer bem, ‘sonha’ pensando em nós.
Sonha com a alegria que sentirá conosco. Por isso, o Senhor quer nos
‘re-criar’, fazer com que nosso coração se renove, ‘re-criar’ o nosso
coração para que a alegria triunfe” (Homilia na Casa Santa Marta, 16 de
março de 2015).
Em tempos recentes, a Grécia passa por fases difíceis quanto à sua
economia, em busca de soluções para suas dívidas internacionais. Pois
bem, foram justamente alguns gregos que se aproximaram um dia dos
discípulos, pois queriam “ver Jesus” (Cf. Jo 12, 20-33). Era gente de
longe, em que podemos vislumbrar a multidão de pessoas que acorreriam a
Jesus, durante os séculos futuros, inclusive o nosso, até que ele venha!
Compartilhando o “sonho de Deus”, queremos ver muita gente afastada se
aproximar, encontrando o regaço acolhedor da Mãe Igreja, no qual as
pessoas são reconhecidas pelo nome, recebem o carinho que lhes é devido e
são tratadas com misericórdia.
Queremos ver Jesus junto com as pessoas que perderam a fé. Algumas
delas chegaram a este ponto pela falta de um testemunho coerente que as
atraísse. Outras se encontram num emaranhado de questões internas a
serem, sem dúvida, respeitadas, mas que as lançam num verdadeiro beco
sem saída. Não temos receio de dialogar com elas e desejamos empreender
juntos um caminho de busca da verdade. “Venham!”
Sonhamos com as pessoas que se entregaram à revolta com a vida, com
seus familiares e com Deus. Pensamos naqueles que se tornaram
intratáveis, afastadas de tudo e de todos, jogadas num canto, morando
sozinhas, totalmente isoladas. Queremos visitá-las e desejamos descobrir
irmãos e irmãs que o façam conosco ou em nosso nome. O olhar da
misericórdia comece pelos mais distantes. Nossas cidades estão repletas
de pessoas assim, jogadas ao próprio destino. Encontremos o modo para
dizer-lhes “venham!” para a Casa do Pai das Misericórdias.
Abrimos os nossos braços para os que moram nas ruas, e já são várias
gerações que não sabem o que é uma casa! São muitos os mendigos de pão,
dinheiro e afeto, que precisam reencontrar seu nome e seu lugar na
sociedade. Apelo à criatividade de pessoas, grupos, movimentos e
pastorais, para que uma nova onda de criatividade apostólica encontre
caminhos para chegar a estes irmãos e irmãs. Tenham o espírito
missionário necessário para dizer “venham” a estas pessoas.
Descubram seu espaço no coração da Igreja os que estão mergulhados no
vício, na tragédia das drogas, de modo especial os jovens que carregam
este peso e suas sofridas famílias. Deus nos conceda a graça de
oferecer-lhes espaço de conversão, recuperação e reinserção social. Seja
a “Fazenda da Esperança” ou outras iniciativas semelhantes o espaço de
acolhimento de amor, para que “venham”.
Este é também o tempo para a Igreja ir ao encontro das famílias,
sobretudo as que estão divididas e vivem crises mais graves. Nenhuma
família, por maiores que sejam seus dramas internos, se sinta abandonada
e rejeitada pela Igreja! Cresçam os esforços para chegar a elas o
carinho dos cristãos, com o qual são superados os julgamentos e as
pessoas consigam dar os passos que lhes são possíveis e “venham”.
Não é difícil perceber que o “venham” não é feito de comodismo, mas
se realiza na capacidade de ir missionariamente a todos os que se
encontram em situações difíceis. O reduzido elenco aqui apresentado pode
se multiplicar, transformando-se numa bela ladainha de iniciativas a
serem tomadas. Cada pessoa se revista dos dois papéis! Você pode ser
atingido pelo convite da Igreja ou pode se sentir enviado. Há lugar para
todos!
O sonho de Deus, expresso de forma magnífica no quinto domingo da
Quaresma, soa assim: “Esta é a aliança que farei com a casa de Israel a
partir daquele dia – oráculo do Senhor, colocarei a minha lei no seu
coração, vou gravá-la em seu coração; serei o Deus deles, e eles, o meu
povo. Ninguém mais precisará ensinar seu irmão, dizendo-lhe: ‘Procura
conhecer o Senhor!’ Do menor ao maior, todos me conhecerão – oráculo do
Senhor. Já terei perdoado suas culpas, de seu pecado nunca mais me
lembrarei” (Jr 31, 33-34). Venham compartilhar e construir este sonho,
preparando o Jubileu especial do Ano da Misericórdia, no qual a Igreja
de Belém acolherá o XVII Congresso Eucarístico Nacional, estação da
acolhida e da festa!
CNBB
*Dom Alberto Taveira Corrêa é arcebispo de Belém do Pará (PA).
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