quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Teólogos e crentes reivindicam ao Papa que permita a comunhão aos divorciados em segunda união

[unisinos]

Deus não tem dois pesos e duas medidas, melhor ainda: sua parcialidade é sempre em favor dos mais pobres e das vítimas”. Um grupo de reconhecidos teólogos e teólogas espanhóis enviaram uma carta ao Papa Francisco, na qual, com estas palavras, reivindicam que os divorciados em segunda união possam comungar.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por El Diario, 25-08-2015. A tradução é do Cepat.


A campanha, lançada através da página web Religión Digital e a plataforma Change.org, contrapõe-se à lançada pelos grupos ultratradicionalistas, que coletaram meio milhão de assinaturas para impedir qualquer reforma na doutrina, no próximo Sínodo dos Bispos, que acontecerá em Roma, em outubro. Um bom número de eclesiásticos se mostrou a favor de pedir a comunhão e outras medidas, como a de uma maior acolhida aos casais homossexuais e a aceitação das uniões de fato.
A campanha em espanhol (a qual acompanharão outras em inglês, francês, alemão e italiano) se intitula ‘Carta ao Bispo de Roma’ e é assinada, entre outros, pelo bispo emérito de Palencia, Nicolás Castellanos, e teólogos como José Antonio Pagola, José Ignacio González Faus, Andrés Torres Queiruga, Luis González-Carvajal, Javier Vitoria, Lucía Ramón, Joaquín Perea e Ximo García Roca.
Alguns dos que assinam o documento apontaram ao eldiario.es que esta iniciativa é a primeira de uma série de medidas para “amparar o Papa Francisco” em sua tentativa de construir uma “Igreja da misericórdia”, frente aos “setores ultracatólicos e rigoristas” que “pressionam cada vez mais o Sínodo e Roma”, chegando a conceber, inclusive, a ameaça de um cisma.
Na petição, os que assinam reivindicam a Francisco que escute “o clamor do Povo de Deus, até agora silencioso”, sobre os divorciados em segunda união, ao mesmo tempo em que pedem uma mudança na norma eclesiástica que não lhes impeça de comungar. O próprio Papa já disse, há duas semanas, que os divorciados em segunda união “não estão excomungados e continuam fazendo parte da Igreja”. Agora, Bergoglio, com o apoio do Sínodo, deverá decidir se dá um passo a mais e modifica a normativa.
Para os teólogos que assinam o documento, com a admissão dos divorciados à comunhão, “a Igreja é fiel ao espírito do Evangelho e não a sua letra”, e fazem uma leitura distinta do dogma definido em Trento. “Em nossa opinião – destacam – a prudência pastoral não apenas permite, como também, hoje, reivindica uma mudança de postura”.

“O que Deus uniu...” como frase feminista

Para sustentar sua petição, a carta destaca toda uma série de razões, bíblicas, históricas e antropológicas, partindo do próprio Jesus de Nazaré, cuja citação “O que Deus uniu, o homem não separe” (utilizadas há séculos pela instituição para estigmatizar os divorciados) pretendia, ao contrário, “uma defesa da mulher abandonada”. É que na Palestina do século I não existia o divórcio de mútuo acordo, nem a separação de bens, nem muito menos a igualdade de direitos homem-mulher.
“No tempo de Jesus, não se conhecia a situação de um matrimônio que (talvez por culpa dos dois ou por uma incompatibilidade de personalidade, não descoberta antes) fracassasse em seu projeto de casal”, explicam os teólogos, que enfatizam que “o espírito fundamental de toda a lei evangélica é a misericórdia: não uma misericórdia molenga, é claro, mas uma misericórdia exigente. Contudo, de maneira alguma, uma exigência imisericordiosa”.
Por esta fidelidade ao espírito da Lei, a Igreja primitiva abandonou a circuncisão “após fortes discussões e contra a opinião de alguns que acreditavam ser mais fiéis a Deus e, na realidade, buscavam sua própria segurança. Graças àquela decisão tão discutida, a Igreja não só foi fiel a Deus, como também abriu as portas à evangelização do mundo inteiro. E hoje aquela decisão pode nos parecer evidente, mas, naquele momento, para muitos resultou escandalosa”, recorda o escrito, que acrescenta que a Igreja, segundo os Evangelhos, deve fugir das imposições, “um dos piores pecados que a Igreja pode cometer”.
A decisão de estigmatizar as pessoas que fracassam em seus matrimônios, que é assumida por líderes religiosos que jamais se casaram ou conviveram com uma parceira [é questionável]. “É muito discutível – destaca o texto - que pessoas celibatárias possam compreender o que significa conviver, todos os dias, íntima e pacificamente com outra pessoa com a qual não se tem a menor sintonia. Assim como é discutível que pessoas celibatárias pudessem se privar de manter relações sexuais com uma pessoa com a qual convive, dia e noite, e a qual se ama”.
Atender ao espírito da lei e não impor pesos e optar por uma “disciplina da misericórdia” não significa, diz este manifesto contra o que costumam argumentar os setores mais tradicionais, “abrir as portas para um relaxamento moral, ou para que a Igreja aceite os mesmos critérios sobre o divórcio que nossa sociedade pagã”, mas, sim, uma nova leitura da concepção original do Evangelho de Jesus para os católicos.

Uma dupla vara de medir

Concretamente, referem-se ao direito à propriedade que, segundo a doutrina “não é absoluto”, ainda que, denunciam, “esse ensinamento do destino primário dos bens da terra, tantas vezes recordado pelos últimos papas, não seja cumprido por uma maioria de católicos, sem mostrar, além do mais, o mínimo arrependimento e vontade de reparação por causa disso”. E, no entanto, são admitidos para “receber os sacramentos que são negados para os outros casos de união fracassada”.
Em definitivo, “Deus não tem dois pesos e duas medidas” e, se é parcial com alguém, sempre é com os mais pobres, com as vítimas e com os transgressores. Por isso, conclui o escrito, os que assinam o documento animam Francisco a resistir às ameaças dos setores ultraconservadores e “agradecemos muito pelos seus esforços, em meio a tão cruéis resistências, em dar à Igreja um rosto mais conforme ao Evangelho e ao qual Jesus merece”.

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