Por Antonio Monda*
Em entrevista, um dos maiores escritores americanos vivo explica porque o papa encanta os EUA.
Gay Talese: “Francisco será lembrado para sempre pela frase ‘quem sou eu para julgar’”.
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"Estou colado à TV", conta Gay Talese, "e, neste
primeiro dia, já é muito emocionante: faz refletir o fato de que o
presidente do 'país das oportunidades' diga ao papa: 'Santidade, o
senhor é a esperança'."
Eis a entrevista:
Você é católico?
Sim, mas não professante. Quando criança, eu era coroinha, mas deixei
de ir à igreja em 1949, quando fui para a universidade. Dez anos
depois, casei-me com Nan, também ela católica, em Roma, mas não na
igreja.
Por quê?
Porque vivíamos como marido e mulher há mais de um ano. Era o ano em
que Fellini filmava La Dolce Vita, que, como você deve se lembrar,
começa com uma estátua de Cristo que voa sobre a Cidade Eterna. Mas
tanto eu quanto você sabemos que, uma vez que você é católico, você o é
sempre.
Quem é o papa para você?
Este papa mais alta autoridade moral do mundo, mas, acima de tudo, o
líder espiritual da minha religião e, portanto, o vigário de Cristo.
Você já se encontrou com um papa?
Acompanhei a viagem de João Paulo II na Calábria: era a primeira vez
que um papa ia à minha terra natal depois de muitos séculos. Eu tinha
ido ao seu encontro, ele me parecia ser um homem duro, intransigente e,
ao contrário, vi que eu tinha degenerado algumas das suas
características: ele tinha autoridade, era poderoso e carismático.
Via-se que ele havia sido um atleta e tinha no olhar a dor de quem
sofreu duas ditaduras. Quando ele veio aos Estados Unidos, ele beijou o
chão, e definiu o fato como uma "maravilhosa aventura da época".
O que mais o impressionou?
Fez-me entender que a bondade e, às vezes, a santidade podem passar
pela dureza. Lembro-me de uma anedota: eu conheci o seu motorista, que
fumava às escondidas e vestia os gêmeos com o símbolo da Playboy. Eu
sempre me perguntei se o papa havia notado isso e se se tratava de uma
provocação.
O que você mais gosta do Papa Francisco?
O fato de ele ser inesperado e anticonformista: nisso, ele me lembra
São Francisco, e não me refiro apenas ao de Assis, mas também ao de
Paula. A sua frase "Quem sou eu para julgar?" não é apenas comovente e
alinhada com o mais autêntico ensinamento cristão, mas também genial:
ele conquistou o mundo, os céticos e aqueles que tinham se afastado. É a
frase pela qual ele será lembrado para sempre, e vimos que, no seu
caso, não se trata apenas de palavras, mas também de atos.
Ele está começando uma reforma da Igreja na linha do seu antecessor,
outro grande papa, mas incompreendido pela imprensa: foi Ratzinger que
pediu desculpas pela primeira vez pelo escândalo da pedofilia e que
iniciou o processo de purificação. E não me esqueço da Via Sacra que ele
liderou, ainda como cardeal, poucos dias antes da morte de João Paulo
II. Uma invocação desesperada e corajosa dele fez tremer os pulsos do
mundo inteiro: "Quanta sujeira na Igreja!".
Você acredita que o Papa Francisco é compreendido pela imprensa?
Repito que eu o admiro profundamente, mas sinceramente tenho algumas
dúvidas: substancialmente, ele tem alguns elementos de pura ortodoxia,
que, para o mundo, são conservadores. Esses elementos muitas vezes são
ignorados ou minimizados.
Há um papa de que você mais gostou em particular?
João XXIII, também pelo seu aspecto manso e interiorano. Também
naquele caso, muitas das suas posições não eram tão liberais como
queríamos crer. Ele vinha depois de Pio XII, um papa que foi
repetidamente atacado e merece uma releitura histórica serena. A
grandeza de João XXIII se vê na intuição de abrir o Concílio Vaticano
II.
Você já se perguntou por que existem poucos santos norte-americanos?
Sim, e me respondi que há muitos, na realidade, mas ainda não reconhecidos.
Como mudou o catolicismo norte-americano desde quando você era um menino?
Houve um forte domínio irlandês e uma atenção, às vezes espasmódica, à
forma. Parecia que, para ser católico, bastava não comer carne na
sexta-feira. E, depois, uma atenção espasmódica aos pecados do sexo: o
meu livro A mulher do próximo nasce em reação a esse mundo. Quando eu
repenso sobre isso, comove-me que hoje estamos celebrando um papa que
prega a ternura.
*A entrevista é de Antonio Monda e foi publicada no jornal Corriere della Sera. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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