A XIV Assembleia Geral do Sínodo dos
Bispos realizada de 4 a 25 de outubro último, dedicada ao tema “A
vocação e a missão da família, na Igreja e no mundo contemporâneo”
apresentou um Relatório Final com algumas propostas pastorais submetidas
ao Papa Francisco.
O documento é apenas de natureza consultiva, não possuindo um caráter magisterial formal.
Dom
Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Astana (Cazaquistão) emitiu
sobre esse documento uma oportuna declaração para o site “Rorate Coeli”, sob o título “O Relatório Final do Sínodo abre a porta dos fundos a uma prática neomosaica” na qual tece, com base em sólidos argumentos, comentários sobre os números 84 a 86 do referido Relatório.
Tais
considerações, amparadas na perene doutrina católica, as quais o IPCO
assume, lançam um vigoroso alerta contra o conteúdo desse Relatório:
- Tal conteúdo cede à pressão ideológica da cultura dominante que visa extinguir a indissolubilidade do casamento pela difusão da anticultura do divórcio e concubinato;
- Omite qualquer repreensão aos divorciados recasados no civil, que vivem more uxorio, pelo seu estado de vida gravemente pecaminoso, e os isentam do pecado de adultério, mediante argumentos que tendem a diminuir sua responsabilidade subjetiva;
- Induz, portanto, pessoas que vivem em situações irregulares a permanecer em tais uniões e a profanar o Sacramento do Matrimônio;
- Escandaliza os fiéis e a sociedade como um todo pela sugestão de admitir pessoas que violam publicamente o sexto Mandamento, às funções de leitor na missa, catequista, padrinho ou membro do conselho paroquial;
- Pela sua ambiguidade abre a porta dos fundos para a admissão à Sagrada Comunhão dos divorciados recasados civilmente, o que acarretará a profanação do maior dos sacramentos, a Sagrada Eucaristia;
- Inaugura uma cacofonia, uma confusão magisterial e pastoral, em contradição com ensinamentos e práticas perenes e bimilenárias da Igreja Católica.
* * *
Como
acertadamente afirma o zeloso bispo auxiliar de Astana, os promotores
dessas alterações – neo fariseus – da doutrina sempiterna da Igreja são
os adeptos da chamada “agenda Kásper”, que como seus precursores do
tempo de Jesus Cristo, valem-se de formulações ambíguas para introduzir
novas tradições contra os Mandamentos de Deus.
O
Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, embora dirigido e composto por
católicos leigos, não costuma tomar posição em questões estritamente
teológicas, litúrgicas e canônicas, como admissão de divorciados
recasados à Sagrada Eucaristia.
Contudo,
o que está em jogo nesse conflito teológico-canônico é a permanência da
Igreja Católica como baluarte do casamento indissolúvel e da família.
Caso a Igreja admitisse o divórcio, o que é estritamente impossível pela
promessa de seu divino Fundador, disso adviriam as maiores catástrofes
para a própria ordem temporal.
Assim
sendo, e coerente com os princípios que o tem norteado em defesa da
instituição da família, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira invoca a
proteção da Ssma. Virgem, a qual a Sagrada Escritura compara a um
exército em ordem batalha – “ut castrorum Acies Ordinata” – para sustar
esta investida contra a instituição cujo modelo é a Sagrada Família. E
une-se toto corde à categórica afirmação de resistência de Dom
Athanasius Schneider àqueles que hoje intentam adulterar o depósito da
fé e da moral evangélica:
“Non
possumus! Não aceitarei um ensinamento ofuscado nem uma abertura
habilmente disfarçada da porta dos fundos para que por ela passe uma
profanação dos Sacramentos do Matrimônio e da Eucaristia. Da mesma
forma, não aceitarei uma burla do Sexto Mandamento de Deus. Prefiro ser
ridicularizado e perseguido a ter que aceitar textos ambíguos e métodos
insinceros. Prefiro a cristalina ‘imagem de Cristo, a Verdade, ao invés
da imagem da raposa ornamentada com pedras preciosas’ (Santo Irineu),
porque ‘Sei em quem pus minha confiança’, ‘ Scio, Cui credidi!’ (2 Tim
1: 12 )”.
Instituto Plinio Corrêa de Oliveira
5 de Novembro de 2015
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Abaixo a íntegra da declaração:
| Dom Athanasius Schneider |
Dom Athanasius Schneider
A
XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos (4 a 25 de outubro de 2015), a
qual foi dedicada ao tema “A vocação e a missão da família na Igreja e
no mundo contemporâneo”, emitiu um Relatório Final com algumas
propostas pastorais submetidas ao discernimento do Papa. O documento em
si é apenas de natureza consultiva e não possui um valor magisterial
formal.
Entretanto, durante o Sínodo apareceram os verdadeiros novos fariseus e discípulos de Moisés, que nos números 84 a 86 do Relatório Final
montaram uma bomba-relógio pela abertura da porta dos fundos para a
admissão de divorciados recasados à Sagrada Comunhão. Ao mesmo tempo,
aqueles bispos que defenderam intrepidamente “a Igreja [que] professa a
própria fidelidade a Cristo e à sua verdade” (Papa João Paulo II,
Exortação Apostólica Familiaris Consortio, 84) foram injustamente rotulados de fariseus por algumas notas da imprensa.
Durante
as duas últimas Assembleias do Sínodo (2014 e 2015), os novos fariseus
discípulos de Moisés mascararam a sua negação prática e “caso-por-caso”
da indissolubilidade do casamento e do Sexto Mandamento sob o pretexto
do conceito da misericórdia, utilizando expressões como “caminho de
discernimento”, “acompanhamento”, “orientações do bispo”, “diálogo com o
padre”, “foro interno”, “uma integração mais plena na vida da Igreja” e
a eventual supressão da imputabilidade quanto à coabitação nas uniões
irregulares (cf. Relatório Final, números 84-86).
Essa parte do Relatório Final
contém de fato vestígios de uma prática neomosaica do divórcio, embora
os redatores tenham hábil e solertemente evitado qualquer mudança direta
da doutrina da Igreja. Portanto, todas os setores, tanto os promotores
da assim chamada “agenda Kasper” quanto seus adversários, parecem
satisfeitos, afirmando: “Tudo está okay. O Sínodo não mudou a doutrina”.
No entanto, tal percepção é muito ingênua, porque ignora a abertura da
porta dos fundos e a bomba-relógio montada na referida secção do
documento, que ficam patentes pelo exame cuidadoso do texto segundo seus
critérios interpretativos internos.
É verdade que ao falar de um “caminho de discernimento”, o documento faz uma referência ao “arrependimento” (Relatório Final,
nº 85). Permanece, contudo, uma enorme ambiguidade. Com efeito, de
acordo com as reiteradas afirmações do cardeal Kasper e clérigos afins,
tal arrependimento dos divorciados recasados diz respeito aos pecados
passados contra o cônjuge do primeiro casamento válido e podem, de fato,
não incluir os atos pecaminosos de coabitação conjugal com o novo
parceiro civil.
A prescrição dos números 85 e 86 do Relatório Final
de que tal discernimento deve ser feito de acordo com o ensinamento da
Igreja e segundo um julgamento reto, permanece, porém, ambígua. De fato,
o cardeal Kasper e os clérigos que pensam como ele, enfática e
repetidamente garantem que a admissão à Sagrada Comunhão dos divorciados
recasados civilmente respeita o dogma da indissolubilidade e da
sacramentalidade do casamento, mas afirmam contraditoriamente que, no
caso deles, um exame de consciência deve ser considerado correto mesmo
quando os divorciados recasados continuam a coabitar maritalmente, e que
não se lhes pode exigir de viver em completa continência como irmão e
irmã.
Ao citar o conhecido número 84 da Exortação Apostólica Familiaris Consortio do Papa João Paulo II, os redatores censuraram o texto no número 85 do seu Relatório Final,
cortando a seguinte formulação decisiva: “A reconciliação pelo
sacramento da penitência – a que abriria o caminho ao sacramento
eucarístico – pode ser concedida só àqueles que … assumem a obrigação de
viver em plena continência, isto é, de abster-se dos atos próprios dos
cônjuges”.
Esta prática da Igreja
baseia-se na Revelação divina da Palavra de Deus, tanto aquela contida
nas Sagradas Escrituras quanto a transmitida através Tradição. Esta
prática da Igreja é, de fato, uma expressão da Tradição ininterrupta
desde os Apóstolos, permanecendo, portanto, imutável para todo e sempre.
Já Santo Agostinho afirmava: “Quem repudia sua esposa adúltera e se
casa com outra mulher enquanto sua primeira esposa ainda vive, permanece
perpetuamente em estado de adultério. A penitência de tal homem não
será eficaz enquanto ele se recusar a abandonar a nova esposa. Se ele
for um catecúmeno, não poderá ser admitido ao batismo, porque a sua
vontade continua enraizada no mal. Se ele for um penitente (batizado),
não poderá receber a reconciliação (eclesiástica) enquanto não mudar seu
mau comportamento” (De adulteriis coniugiis, 2, 16). Numa sã hermenêutica, a censura propositada do ensino da Familaris Consortio nº 85 do Relatório Final,
acima mencionada, representa, na realidade, a chave interpretativa
para a correta compreensão da secção do texto sobre os divorciados
recasados (números 84-86).
Em nossos
dias há uma pressão ideológica permanente e onipresente, exercida por
meios de comunicação coniventes com o “pensamento único” imposto pelos
poderes mundiais anticristãos com o objetivo de abolir a verdade sobre a
indissolubilidade do casamento, banalizando o sagrado caráter desta
instituição divina pela disseminação de uma anti-cultura do divórcio e
do concubinato. Já 50 anos atrás, o Concílio Vaticano II declarou que os
tempos modernos estão infectados com a praga do divórcio (cf. Gaudium et Spes,
47). O mesmo Concílio adverte que o casamento indissolúvel, “sancionado
pelo sacramento de Cristo … exclui, por isso, toda e qualquer espécie
de adultério e divórcio” (Gaudium et Spes, 49).
A
profanação do “grande sacramento” (Ef 5, 32) do matrimônio pelo
adultério e pelo divórcio assumiu proporções gigantescas num ritmo
alarmante, não apenas na sociedade civil, mas também entre os católicos.
Quando por meio do divórcio e do adultério, tais católicos repudiam
teoricamente e na prática a vontade de Deus expressa no Sexto
Mandamento, eles se colocam espiritualmente em sério perigo de perder a
sua salvação eterna.
O ato mais
misericordioso dos Pastores da Igreja seria o de chamar-lhes a atenção
para esse perigo através de uma clara – e ao mesmo tempo afetuosa –
advertência sobre a necessidade de uma completa aceitação do Sexto
Mandamento de Deus. Eles devem chamar as coisas pelo seu verdadeiro
nome, admoestando: “divórcio é divórcio”, “adultério é adultério”, e
“quem comete livre e conscientemente pecados graves contra os
Mandamentos de Deus – e, neste caso, contra o sexto mandamento – e morre
sem se arrepender, receberá a condenação eterna, sendo excluído para
sempre do reino de Deus”.
Tal
advertência e exortação é obra do próprio Espírito Santo, como Cristo
ensinou: “Ele convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do
juízo” (João 16: 8). Explicando o trabalho do Espírito Santo em
“convencer sobre o pecado”, disse o Papa João Paulo II: “Todos os
pecados que se cometeram, em qualquer lugar e em qualquer momento, são
referidos à Cruz de Cristo, incluindo indiretamente, portanto, também o
pecado dos que ‘não acreditaram n’Ele’, condenando o mesmo Jesus Cristo à
morte de Cruz” (Encíclica Dominum et vivificantem, 29).
Aqueles que levam uma vida conjugal com um parceiro que não é o seu
cônjuge legítimo – como é o caso dos divorciados civilmente recasados –
rejeitam a vontade de Deus. Convencer essas pessoas a respeito desse
pecado é um trabalho inspirado pelo Espírito Santo e ordenado por Jesus
Cristo e, portanto, uma obra eminentemente pastoral e misericordiosa.
O Relatório Final
do Sínodo infelizmente se omite em convencer os divorciados recasados
acerca de seu pecado concreto. Pelo contrário, sob o pretexto de
misericórdia e de uma falsa pastoralidade, os padres sinodais que
votaram a favor das formulações nos números 84-86 do Relatório tentaram acobertar o danoso estado espiritual dos divorciados recasados.
De
fato, eles lhes dizem que seu pecado de adultério não é pecado porque
de jeito nenhum é adultério, ou pelo menos não é um pecado grave, e que
não correm nenhum perigo espiritual no seu estado de vida. O
comportamento desses pastores é diretamente contrário à obra do Espírito
Santo, sendo, portanto, antipastoral e obra de falsos profetas, aos
quais se poderiam aplicar as seguintes palavras da Sagrada Escritura:
“Ai daqueles que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que mudam as trevas
em luz e a luz em trevas, que tornam doce o que é amargo, e amargo o que
é doce!” (Is 5:20) e: “Os teus profetas tinham visões apenas
extravagantes e balofas. Não manifestaram tua malícia, o que teria
poupado teu exílio. Os oráculos que te davam eram apenas mentiras e
enganos.” (Lam 2: 14). Para tais bispos, o apóstolo Paulo diria hoje sem
dúvida estas palavras: “Esses tais são falsos apóstolos, operários
desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo” (2 Coríntios
11:13).
O texto do Relatório Final
do Sínodo não somente se omite em convencer sem ambiguidade os
divorciados civilmente recasados sobre o caráter adúltero e, portanto,
gravemente pecaminoso de seu estilo de vida; ele justifica indiretamente
tal estilo de vida ao confinar a questão no campo da consciência
individual através de uma aplicação inadequada do princípio moral da
atenuação da imputabilidade ao caso da coabitação dos divorciados
recasados. Na verdade, é inadequado e enganoso aplicar o princípio da
redução da imputabilidade a uma vida estável, permanente e pública de
adultério.
A diminuição da
responsabilidade subjetiva dá-se apenas no caso em que os parceiros têm a
firme intenção de viver em plena continência e fazem sinceros esforços
nesse sentido. Enquanto os parceiros persistirem voluntariamente em
continuar uma vida de pecado, não pode haver suspensão de
imputabilidade. O Relatório Final dá a impressão de pleitear
que um estilo de vida pública em adultério – como é o caso dos recasados
civilmente – não estaria violando o vínculo sacramental indissolúvel do
primeiro casamento, ou que isso não representa um pecado mortal ou
grave, e que esse problema é, além disso, uma questão de consciência
privada. Pode-se assim constatar uma deriva crescente rumo ao princípio
protestante do livre exame subjetivo sobre questões de fé e de
disciplina, bem como uma proximidade intelectual com a teoria errônea da
“opção fundamental”, já condenada pelo Magistério (cf. João Paulo II,
Encíclica Veritatis Splendor, 65-70).
Os
Pastores da Igreja não deveriam de nenhum modo promover entre os fiéis a
cultura do divórcio. Até o menor indício de concessão à prática ou à
cultura do divórcio deveria ser evitado. A Igreja como um todo deveria
dar um testemunho convincente e forte a respeito da indissolubilidade do
casamento. O Papa João Paulo II disse que o divórcio é “uma praga que
vai, juntamente com as outras, afetando sempre mais largamente mesmo os
ambientes católicos” e que “o problema deve ser enfrentado com urgência
inadiável” (Familiaris Consortio, 84).
A
Igreja deve ajudar os divorciados recasados com amor e paciência a
reconhecerem a sua própria condição de pecadores e a se converterem de
todo coração a Deus e à obediência a Sua santa vontade, expressa no
Sexto Mandamento. Enquanto continuarem dando um contra-testemunho
público da indissolubilidade do matrimônio e contribuindo para uma
cultura do divórcio, os divorciados recasados não podem exercer na
Igreja ministérios litúrgicos, catequéticos e institucionais, os quais
exigem, por sua própria natureza, uma vida pública de acordo com os
Mandamentos de Deus.
É óbvio que os
infratores públicos – por exemplo, do Quinto e do Sétimo Mandamentos,
como são, respectivamente, os proprietários de uma clínica de aborto e
os cúmplices numa rede de corrupção do erário público –, não só não
podem receber a Sagrada Comunhão, como não podem evidentemente ser
admitidos em ofícios públicos de caráter litúrgico e catequético. De
modo análogo, os violadores públicos do Sexto Mandamento, como são os
divorciados recasados, não podem ser admitidos no ofício de leitores,
padrinhos ou catequistas. É preciso naturalmente distinguir a gravidade
do mal causado pelo estilo de vida dos promotores públicos do aborto e
da corrupção financeira, daquele causado pela vida adúltera das pessoas
divorciadas. Não se pode colocá-los num mesmo saco. A promoção da
admissão de divorciados recasados às funções de padrinhos e catequistas
não visa, na realidade, ao verdadeiro bem espiritual das crianças, mas
se trata de uma instrumentalização de tais tarefas para uma agenda
ideológica específica. Isto é uma desonestidade e uma burla da
instituição dos padrinhos e dos catequistas, que assumem por meio de uma
promessa pública o encargo de educadores da fé.
No
caso de padrinhos ou catequistas divorciados recasados, suas vidas
contradizem continuamente as suas palavras, e por isso eles devem
enfrentar a admoestação do Espírito Santo através da boca do Apóstolo
São Tiago: “Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes; isto
equivaleria a vos enganardes a vós mesmos” (Tiago 1: 22). Infelizmente,
no nº 84, o Relatório Final pleiteia a admissão dos divorciados
recasados a ofícios litúrgicos, pastorais e educacionais. Essa proposta
representa um apoio indireto à cultura do divórcio e uma negação
prática do ensinamento de que se trata de um estilo de vida
objetivamente pecaminoso. O Papa João Paulo II, pelo contrário, indicou
apenas as seguintes possibilidades de participação na vida da Igreja, as
quais, por sua vez, visam a uma verdadeira conversão: “Sejam exortados a
ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a
perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as
iniciativas da comunidade em favor da justiça, a educar os filhos na fé
cristã, a cultivar o espírito e as obras de penitência para assim
implorarem, dia a dia, a graça de Deus” (Familiaris Consortio, 84).
Deveria
permanecer uma área salutar de exclusão (não admissão aos Sacramentos e
aos ofícios litúrgicos e catequéticos públicos), a fim de lembrar aos
divorciados que seu estado espiritual é realmente grave e perigoso e, ao
mesmo tempo, promover em suas almas uma atitude de humildade,
obediência e anelo de autêntica conversão. Humildade significa coragem
para aceitar a verdade, e somente aqueles que se submetem humildemente a
Deus receberão as Suas graças.
Os
fiéis que ainda não têm a predisposição e a vontade de interromper a sua
vida adúltera devem ser ajudados espiritualmente. Seu estado espiritual
asemelha-se a uma espécie de “catecumenado” com vistas ao sacramento da
Penitência. Eles somente podem receber o sacramento da Penitência, que
foi chamado na Tradição da Igreja de “segundo batismo” ou “segunda
penitência”, caso romperem sinceramente com o hábito da coabitação
adúltera e evitarem o escândalo público, de maneira análoga ao que fazem
os catecúmenos, candidatos ao batismo. O Relatório Final se
omite ao não pedir aos divorciados recasados que reconheçam humildemente
seu estado objetivamente pecaminoso, porque omite incentivá-los a
aceitar com espírito de fé sua exclusão dos sacramentos e dos ofícios
litúrgicos e catequéticos públicos. Sem um tal reconhecimento realista e
humilde de seu verdadeiro estado espiritual, não há nenhum progresso
efetivo rumo à autêntica conversão cristã, que no caso dos divorciados
recasados consiste em uma vida de continência completa, deixando de
pecar contra a santidade do sacramento do matrimônio e de desobedecer
publicamente o Sexto Mandamento de Deus.
Os
Pastores da Igreja, e especialmente os textos públicos de seu
Magistério, devem falar da forma mais clara possível, uma vez que esta é
a característica essencial da tarefa do ensino oficial. Cristo exigiu
de todos os Seus discípulos que falassem de uma forma extremamente
clara: “Dizei somente: Sim, se é sim; não, se é não. Tudo o que passa
além disto vem do Maligno” (Mat. 5: 37). Isto é ainda mais válido quando
os Pastores da Igreja pregam ou quando o Magistério fala em um
documento.
O Relatório Final,
na sua secção relativa aos números 84-86, representa infelizmente uma
transgressão grave dessa ordem divina. Com efeito, nas citadas
passagens, ele não advoga diretamente em favor da legitimidade da
admissão do divorciado recasado à Sagrada Comunhão, e até mesmo evita a
expressão “Sagrada Comunhão” ou “Sacramentos”. Em vez disso, através de
táticas de ofuscação, usa expressões ambíguas como “uma participação
mais plena na vida da Igreja” e “discernimento e integração”.
Por meio dessas táticas de ofuscação, o Relatório Final
coloca de fato bombas-relógio e abre a porta dos fundos para a admissão
dos divorciados recasados à Sagrada Comunhão, promovendo com isso uma
profanação de dois grandes sacramentos, o do Matrimônio e o da
Eucaristia, e contribuindo, pelo menos indiretamente, com a cultura do
divórcio – através da difusão da “praga do divórcio” (Concílio Vaticano
II, Gaudium et spes, 47).
Ao ler cuidadosamente o texto ambíguo da secção “Discernimento e integração” do Relatório Final,
tem-se a impressão de uma ambiguidade sofisticada e habilidosa. Ele
nos faz lembrar as seguintes palavras de Santo Irineu em seu Adversus haereses:
“Quem mantém inalterável em seu coração a regra da verdade que recebeu
por meio do batismo, reconhece sem hesitação os nomes, as expressões e
as parábolas extraídas das Escrituras, mas de modo algum reconhece o uso
blasfemo que estes homens fazem deles. Pois, embora ele reconheça as
pedras [do mosaico que foi adulterado], certamente não considerará a
raposa [que foi colocada no lugar] como representando a verdadeira
imagem do rei. Mas, uma vez que faltaria um última pincelada a esta
exposição para que qualquer um possa discernir a farsa dos hereges até o
fim, acresce-se imediatamente mais um argumento que deve derrubá-la; e
por isso julgo oportuno ressaltar, em primeiro lugar, a respeito dos
próprios pais dessa fábula, que eles diferem entre si, como se fossem
inspirados por diferentes espíritos do erro. Este simples fato constitui
uma prova inicial de que a verdade anunciada pela Igreja é imutável e
que as teorias desses homens não são senão um tecido de falsidades” (I,
9, 4-5).
O Relatório Final
parece deixar às autoridades locais da Igreja a solução da questão da
admissão dos divorciados recasados à Sagrada Comunhão: “acompanhamento
dos sacerdotes” e “orientações do bispo”. Tal questão, no entanto, está
ligada essencialmente ao depósito da fé, ou seja, à palavra revelada de
Deus. A não admissão de divorciados que estão vivendo em estado de
adultério público pertence à verdade imutável da lei da fé católica, e
também, consequentemente, à lei da prática litúrgica católica.
O Relatório Final
parece inaugurar uma cacofonia doutrinária e disciplinar na Igreja
Católica, o que contradiz a própria essência de ser católico. Devemos
nos lembrar das palavras de Santo Irineu sobre a configuração autêntica
da Igreja Católica em todos os momentos e em todos os lugares:
“Tendo
recebido essa pregação e essa fé, a Igreja, mesmo que espalhada por
todo o mundo, as preserva com cuidado, como se habitase uma só morada.
Ela crê nelas de maneira idêntica, como se tivesse uma só alma e um só
coração, e as proclama, ensina e transmite com voz unânime, como se ela
possuísse apenas uma boca. Pois, embora as línguas do mundo sejam
diferentes, o conteúdo da Tradição é um e idêntico a si mesmo. Porque as
Igrejas que foram plantadas na Alemanha não acreditam ou ensinam nada
de diferente, nem aquelas na Espanha, nem aquelas na Gália, nem aquelas
no Oriente, nem aquelas no Egito, nem aquelas na Líbia, nem as que foram
estabelecidas nas regiões centrais do mundo (Itália). Mas assim como o
sol, aquela criatura de Deus, é um só e o mesmo em todo o mundo, assim
também a pregação da verdade brilha em todos os lugares e ilumina todos
os homens que ‘queiram chegar ao conhecimento da verdade’. Tampouco
qualquer um dos chefes das Igrejas, por mais talentoso que seja em
eloquência, dirá algo diferente – porque ninguém é maior do que o Mestre
–, nem aquele que é parco em palavras diminuirá esta Tradição. Porque
sendo a fé sempre uma e a mesma, nem aquele que é capaz de discorrer
longamente a respeito dela possui mais, nem aquele que pode dizer apenas
pouco possui menos” (Adversus haereses, I, 10, 2).
Na secção sobre os divorciados recasados, o Relatório Final
evita cuidadosamente professar o princípio imutável de toda a tradição
católica, segundo o qual aqueles que vivem em uma união civil inválida
somente podem ser admitidos à Sagrada Comunhão sob a condição de
prometerem viver em plena continência e de evitarem escândalo público.
João Paulo II e Bento XVI confirmaram rijamente esse princípio católico.
A renúncia deliberada a mencionar e reafirmar esse princípio no texto
do Relatório Final pode ser comparada com a abstenção sistemática da expressão “homoousios”
[consubstancial] da parte dos adversários do dogma do Concílio de
Niceia, no século IV – os arianos formais e os chamados semi-arianos,
que inventaram continuamente outras expressões para não confessarem
diretamente a consubstancialidade do Filho de Deus com Deus Pai.
No
século IV, tal omissão de uma aberta confissão católica por parte da
maioria do episcopado causou uma atividade eclesiástica febril, com
reuniões sinodais contínuas e uma proliferação de novas fórmulas
doutrinárias, que tinham como comum denominador evitar a clareza
terminológica, ou seja, a expressão “homoousios”. Analogamente,
em nossos dias, os dois últimos Sínodos sobre a família evitaram nomear
e confessar claramente o princípio de toda a Tradição católica, segundo
o qual aqueles que vivem em uma união civil inválida somente podem ser
admitidos à Sagrada Comunhão sob a condição de prometerem viver em
completa continência e de evitarem escândalo público.
A ambigüidade do Relatório
é comprovada também pela reação inequívoca e imediata dos meios
laicistas de comunicação e dos principais defensores da nova prática
não católica de admitir à Sagrada Comunhão os divorciados recasados que
levam uma vida de adultério público. O cardeal Kasper, o cardeal Nichols
e o arcebispo Forte, por exemplo, afirmaram publicamente que, de acordo
com o Relatório Final, pode-se supor que de algum modo uma
porta foi aberta à comunhão para os divorciados recasados. Existe também
um número considerável de bispos, sacerdotes e leigos que se alegram
por causa da chamada “porta aberta” que encontraram no Relatório Final. Em vez de orientar os fiéis com um ensinamento claro e cabalmente inequívoco, o Relatório Final
causou uma situação de obscurecimento, confusão, subjetivismo (o juízo
da consciência do divorciado e o foro interno) e um particularismo
doutrinário e disciplinar não católico em uma matéria essencialmente
ligada ao depósito da fé transmitida pelos Apóstolos.
Aqueles
que em nossos dias defendem corajosamente a santidade dos sacramentos
da Eucaristia e da Eucaristia são rotulados de fariseus. No entanto, uma
vez que o princípio lógico da não-contradição continua válido e o bom
senso ainda funciona, é o contrário que é verdadeiro.
Os ocultadores da verdade divina no Relatório Final
são os que mais se parecem com os fariseus. Porque, a fim de conciliar
uma vida de adúltero com a recepção da Sagrada Comunhão, eles inventaram
habilmente novas regras, uma nova lei de “discernimento e integração”,
introduzindo novas tradições humanas contra o cristalino mandamento de
Deus. Aos promotores da chamada “agenda Kasper” dirigem-se estas
palavras do Verbo Encarnado: “Anulaste a palavra de Deus por vossa
tradição que vós vos transmitistes” (Marcos 7: 13). Os que durante 2.000
anos falaram incansavelmente e com toda clareza sobre a imutabilidade
da verdade divina, muitas vezes à custa de sua própria vida, também
seriam rotulados em nossos dias de fariseus; assim foi com São João
Batista, São Paulo, Santo Irineu, Santo Atanásio, São Basílio, São
Thomas More, São João Fisher, São Pio X, só para citar os exemplos mais
brilhantes.
Na percepção dos fiéis e
da opinião pública secular, o resultado real do Sínodo foi de que ele
focalizou apenas a questão da admissão dos divorciados à Sagrada
Comunhão. Em certo sentido, pode-se afirmar que o Sínodo acabou sendo,
aos olhos da opinião pública, um Sínodo do adultério, e não o Sínodo da
família. Com efeito, todas as belas afirmações do Relatório Final
sobre o casamento e a família foram eclipsadas pelas afirmações
ambíguas na secção do texto sobre os divorciados recasados, uma questão
que já tinha sido resolvida e reafirmada pelo Magistério dos últimos
Pontífices Romanos na fidelidade ao ensino e à prática bimilenar da
Igreja. É, portanto, um verdadeiro infortúnio que bispos católicos,
sucessores dos Apóstolos, tenham utilizado duas assembleias sinodais
para atentar contra uma prática constante e imutável da Igreja sobre a
indissolubilidade do casamento, ou seja, a não admissão aos Sacramentos
dos divorciados que vivem em uma união adúltera.
Em
sua carta ao Papa Dâmaso, São Basílio traçou um panorama realista da
confusão doutrinária causada pelos clérigos que, em sua época, buscavam
um compromisso ôco e uma adaptação ao espírito do mundo: “As tradições
são aviltadas; os dispositivos dos inovadores estão em voga nas Igrejas;
agora os homens são antes inovadores de sistemas astutos que teólogos; a
sabedoria deste mundo ganha os maiores prêmios e rejeitou a glória da
cruz. Os anciãos lamentam-se quando comparam o presente com o passado.
Os mais jovens devem ser ainda mais dignos de compaixão, pois nem sabem
do que foram privados” (Ep. 90, 2).
Em
uma carta ao Papa Dâmaso e aos Bispos ocidentais, São Basílio descreve
da seguinte forma a situação confusa no interior da Igreja: “As leis da
Igreja estão em total confusão. A ambição dos homens, que não têm medo
de Deus, corre em busca de altos postos, e funções de destaque agora são
conhecidas publicamente como recompensa da impiedade. O resultado é
que, quanto mais um homem blasfema, pensa-se que ele é o mais adequado
para ser bispo. A dignidade clerical é coisa do passado. Não há
conhecimento preciso dos cânones. Existe uma imunidade completa em
matéria de pecado; porque quando os homens foram colocados em cargos
pelo favor dos homens, eles são obrigados a devolver o favor demostrando
continuamente indulgência para com os infratores. Julgamento justo é
coisa do passado; e todo mundo anda de acordo com o desejo de seu
coração. Homens constituídos em autoridade têm medo de falar, porque
aqueles que alcançaram o poder por interesse humano são escravos
daqueles a quem devem o seu progresso. E agora a própria defesa da
ortodoxia é encarada por alguns como uma oportunidade para o ataque
mútuo; e os homens dissimulam a sua má vontade privada e fingem que sua
hostilidade é toda por causa da verdade. Os incrédulos riem durante todo
o tempo; os homens de pouca fé ficam abalados; a fé é incerta; as almas
estão encharcadas de ignorância, porque os falsificadores da palavra
imitam a verdade. Os melhores entre os leigos evitam as igrejas como
escolas de impiedade e levantam as mãos nos desertos com suspiros e
lágrimas ao seu Senhor no céu. A fé dos Padres que recebemos; aquela fé
que sabemos que está estampada com as marcas dos Apóstolos; com aquela
fé concordamos, e com tudo quanto no passado foi canonicamente e
legalmente promulgado” (Ep. 92, 2).
Cada
período de confusão durante a história da Igreja é ao mesmo tempo uma
oportunidade para se receber muitas graças de força e coragem e uma
ocasião para demonstrar o amor a Cristo, a Verdade Encarnada. Para Ele,
cada batizado, cada sacerdote e bispo prometeu fidelidade inviolável,
cada um de acordo com o seu próprio estado: através dos votos do
batismo, através das promessas sacerdotais, através da promessa solene
na ordenação episcopal. Deveras, todos os candidatos ao episcopado
prometeram: “Manterei puro e íntegro o depósito da fé de acordo com a
Tradição que foi sempre e em toda parte preservada na Igreja”. A
ambiguidade encontrada na secção sobre os divorciados recasados do Relatório Final
contradiz o supracitado voto episcopal solene. Apesar disso, todos na
Igreja – desde os simples fiéis até os titulares do Magistério – devem
dizer:
“Non possumus!” Não
aceitarei um ensinamento ofuscado nem uma abertura habilmente disfarçada
da porta dos fundos para que por ela passe uma profanação dos
Sacramentos do Matrimônio e da Eucaristia. Da mesma forma, não aceitarei
uma burla do Sexto Mandamento de Deus. Prefiro ser ridicularizado e
perseguido a ter que aceitar textos ambíguos e
métodos insinceros. Prefiro a cristalina “imagem de Cristo, a Verdade,
ao invés da imagem da raposa ornamentada com pedras preciosas” (Santo
Irineu), porque “Sei em quem pus minha confiança”, “ Scio, Cui credidi!”
(2 Tim 1: 12 ).
2 de novembro de 2015
+ Athanasius Schneider
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria em Astana, Cazaquistão.
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