domingo, 23 de outubro de 2016

Lutero pensa que é divino!

[ipco]
Por




Não discernem eles o perigo que a todos nos espreita, no fim deste caminho, ou seja, a formação, em escala mundial, de um sinistro supermercado de religiões, filosofias e sistemas de todas as ordens, em que a verdade e o erro se apresentarão fracionados, misturados e postos em balbúrdia? Ausente do mundo só estaria – se até lá se pudesse chegar – a verdade total; isto é, a fé católica apostólica romana, sem nódoa nem jaça.
Sobre Lutero – a quem caberia, sob certo aspecto, o papel de ponto de partida nessa caminhada para a balbúrdia total – publico hoje mais alguns tópicos que bem mostram o odor que sua figura revoltada espargiria nesse supermercado, ou melhor, nesse necrotério de religiões, de filosofias, e do próprio pensamento humano.
Segundo em anterior artigo prometi, tiro-os da magnífica obra do padre Leonel Franca S. J., “A Igreja, a Reforma e a Civilização” (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 3ª ed., 1934, 558 pp.).
Elemento absolutamente característico do ensinamento de Lutero é a doutrina da justificação independente das obras. Em termos mais chãos, que os méritos superabundantes de Nosso Senhor Jesus Cristo só por si asseguram ao homem a salvação eterna. De sorte que se pode levar nesta terra uma vida de pecado, sem remorsos de consciência, nem temor da justiça de Deus.
A voz da consciência era, para ele, não a da graça, mas a do demônio!
Por isso escreveu a um amigo que o homem vexado pelo demônio, de quando em quando “deve beber com mais abundância, jogar, divertir-se e mesmo fazer algum pecado em ódio e acinte ao diabo, para lhe não darmos azo de perturbar a consciência com ninharias (…) Todo o decálogo se nos deve apagar dos olhos e da alma, a nós tão perseguidos e molestados pelo diabo” (M. Luther, “Briefe, Sends breiben und Bedenken”, e. De Wette, Berlim, 1825-1828 – cfr. op. cit., pp. 199-200).
Neste sentido, escreveu ele também: “Deus só te obriga a crer e a confessar. Em todas as outras coisas te deixa livre e senhor de fazeres o que quiseres, sem perigo algum de consciência; antes é certo que, de si, Ele não se importa, ainda mesmo se deixasses tua mulher, fugisses do teu senhor e não fosses fiel a vínculo algum. E que se lhe dá (a Deus), se fazes ou deixas de fazer semelhantes coisas?” (“Werke”, ed. de Weimar, 12, pp. 131 ss. – cfr. op. cit., p. 446).
Talvez ainda mais taxativo é este incitamento ao pecado, em carta a Melanchton, de 1º de agosto de 1521: “Sê pecador, e peca a valer (esto peccator et pecca fortiter), mas com mais firmeza ainda crê e alegra-te em Cristo, vencedor do pecado, da morte e do mundo. Durante a vida presente devemos pecar. Basta que pela misericórdia de Deus conheçamos o Cordeiro que tira os pecados do mundo. Dele não nos há de separar o pecado, ainda que cometêssemos por dia mil homicídios e mil adultérios” (Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, ed. De Wette, 2, p. 37 – cfr. op. cit. p. 439).
Tão descabelada é esta doutrina, que o próprio Lutero a duras custas nela conseguia acreditar: “Nenhuma religião há, em toda a terra, que ensine esta doutrina da justificação; eu mesmo, ainda que a ensine publicamente, com grande dificuldade a creio em particular” (Werke”, ed. de Weimar, 25, p. 330 – cfr. op. cit., p. 158).
Mas os efeitos devastadores da pregação assim confessadamente insincera de Lutero, ele mesmo os reconhecia: “O Evangelho hoje em dia encontra aderentes que se persuadem não ser ele senão uma doutrina que serve para encher o ventre e dar larga a todos os caprichos” (“Wekw”, ed. de Weimar, 33, p. 2 – cfr. po. cit., p. 212).
E Lutero acrescentava, acerca de seus sequazes evangélicos, que “são sete vezes piores que outrora. Depois da pregação da nossa doutrina, os homens entregaram-se ao roubo, à mentira, à impostura, à crápula, à embriaguez e a toda espécie de vícios. Expulsamos um demônio (o papado) e vieram sete piores” (“Werke”, ed. de Weimar, 28, p. 763 – cfr. op. cit., p. 440).
“Depois que compreendemos não serem as boas obras necessárias para a justificação, ficamos muito mais remissos e frios na prática do bem (…) E se hoje se pudesse voltar ao antigo estado de coisas, se de novo revivesse a doutrina que afirma a necessidade do bem fazer para ser santo, outra seria a nossa alacridade e prontidão no exercício do bem”(“Werke”, ed. de Weimar, 27, p. 443 – cfr. op. cit., p. 441).
Todas essas insânias explicam que Lutero chegasse ao frenesi do orgulho satânico, dizendo de si mesmo: “Este Lutero não vos parece um homem extravagante? Quanto a mim, penso que ele é Deus. Senão, como teriam os seus escritos e o seu nome a potência de transformar mendigos em senhores, asnos em doutores, falsários em santos, lodo em pérolas!” (Ed. Wittemberg, 1551, t. 4, p. 378 – cfr. op. cit., p. 190).
Em outros momentos, a opinião que Lutero tinha de si mesmo era muito mais objetiva: “Sou um homem exposto e implicado na sociedade, na crápula, nos movimentos carnais, na negligência e em outras moléstias, a que se vêm ajuntar as do meu próprio ofício” (“Briefe, Sendschreiben und Bedenken”, ed. De Wette, 1, p. 232 – cfr. op. cit., p. 198). Excomungado em Worms em 1521, Lutero entregou-se ao ócio e à moleza. E a 13 de julho escreveu a outro prócer protestante, Melanchton: “Eu aqui me acho, insensato e endurecido, estabelecido no ócio, oh dor!, rezando pouco, e deixando de gemer pela Igreja de Deus, porque nas minhas carnes indômitas ardo em grandes labaredas. Em suma, eu que devo ter o fervor do espírito, tenho o fervor da carne, da libidinagem, da preguiça, do ócio e da sonolência”(Briefe, Sendscheiben und Bedenken”, ed. De Wette, 2, p. 22 – cfr. op. cit. p. 198).
Num sermão pregado em 1532: “quanto a mim confesso – e muitos outros poderiam sem dúvida fazer igual confissão – que sou desleixado assim na disciplina como no zelo, sou muito mais negligente agora que sob o papado; ninguém tem agora pelo Evangelho o ardor que se via outrora” (“Saemtliche Werke”, ed. de Plochman-Irmischer, 28 (2), p. 353 – cfr. op. cit. p. 441).
* * *
O que de comum se pode encontrar, pois, entre esta moral, e a da Santa Igreja Católica Apostólica Romana?

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  • Artigo publicado na “Folha de S. Paulo” em 10 de janeiro de 1984 .
Lutero resolveu tornar-se monge e entrou no Mosteiro Agostiniano de Erfurt. A sua ordenação foi em 1507.
O evangelista São João escreve em uma de suas cartas o seguinte: Filhinhos, esta é a última hora. Vós ouvistes dizer que o Anticristo vem. Eis que já há muitos anticristos, por isto conhecemos que é a última hora.
Eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, ficariam certamente conosco. Mas isto se dá para que se conheça que nem todos são dos nossos.

Vós, porém, tendes a unção do Santo e sabeis todas as coisas. (I Jo 2, 18-20)

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