segunda-feira, 29 de maio de 2017

Há 'um esforço organizado para eliminar o Cristianismo do Médio Oriente'

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Os nossos cristãos não se sentem seguros nos campos da ONU, devido à radicalização e discriminação feita por outros refugiados não cristãos, por isso vão às igrejas pedir refúgio.


Helma entrevista uma jovem yazidi que foi raptada pelo Daesh e escapou. (Reprodução)

Helma Adde é uma professora norte-americana de descendência síria que decidiu partir, num verão, ao encontro da realidade dos cristãos perseguidos na Síria e no Iraque. O resultado é um filme, Our Last Stand, em que Helma mostra as dificuldades reais por que passam os cristãos. A película já foi exibida nos EUA e a vários responsáveis europeus, alguns dos quais ficaram "em lágrimas" depois de verem o filme.

O que podemos ver neste filme?

Em Our Last Stand, eu, uma professora de Nova Iorque, passa o verão em viagem pelo Iraque e a Síria para ajudar a aumentar a conscientização sobre a situação das comunidades cristãs ameaçadas pela guerra civil e pelo ISIS [autoproclamado Estado Islâmico]. A minha viagem leva-me de campos de refugiados que lutam para cuidar dos cristãos deslocados que fugiram do ISIS no norte do Iraque, às milícias que ajudam a defender e retomar aldeias na cidade natal da minha família em Qamishli, no norte da Síria. A minha viagem revela tanto histórias de partir o coração como histórias inspiradoras de dor, desespero, perseguição, coragem e esperança.

O que a levou a fazer este filme?

Eu sou uma americana assíria, nascida e criada nos EUA, criada por pais cristãos assírios que emigraram do Médio Oriente na década de 70, fugindo da guerra civil no Líbano e da injustiça e discriminação na Síria. Os meus antepassados viviam no Sudeste da Turquia, até que os turcos otomanos os atacaram e cometeram um genocídio que matou quase um milhão e os dispersou para fora das suas terras de origem. Por isso, a perseguição religiosa que ouvimos nas notícias e vemos nas redes sociais não é nova para o nosso povo. A diferença é que, agora, muitos de nós vivemos no Ocidente e temos a sorte de ter muitos recursos à nossa disposição.
Eu tinha de fazer tudo o que podia para quebrar este ciclo de genocídio. Antes de fazer este filme, eu estava envolvida no ativismo a nível local, ajudando a organizar protestos, comícios e escrevendo cartas aos nossos congressistas. Mas nunca me pareceu suficiente, e assim que surgiu a oportunidade de fazer este filme, eu soube que tinha de estar envolvida.

O que encontrou no terreno foi muito diferente do que via nas notícias?

Bem, dificilmente vemos muita coisa nos noticiários, para começar. Mas eu tinha ouvido muitas histórias de paroquianos da minha igreja que têm família no Médio Oriente, e já sabia no que me estava a meter.
Mas ninguém pode estar preparado para ver aquele nível de sofrimento ao vivo. Além disso, quando eu estava lá, percebi que o nosso povo, os cristãos do Médio Oriente, confiam nas nossas igrejas, tanto no Iraque como na diáspora, para ajudar a apoiar os nossos deslocados internos. Os nossos cristãos não se sentem seguros nos campos da ONU, devido à radicalização e discriminação feita por outros refugiados não cristãos, por isso vão às igrejas pedir refúgio. Essencialmente, eles estão a ser discriminados indiretamente por essas agências que se recusam a reconhecer a verdade sobre a situação.

Contatou com várias pessoas e recolheu muitos testemunhos. Quais foram os testemunhos que mais a impressionaram e de que ainda se lembra?

Além das súplicas que ouvimos de pessoas que estão desesperadas por ajuda, havia um tema comum entre muitas das pessoas com quem conversámos. Muitos deles queriam saber se as pessoas no Ocidente sabiam que havia cristãos no Médio Oriente, e se eles sabiam da perseguição atual. Como é que deixaram isto acontecer? Como é que ninguém está a falar por eles? Eles queriam que soubéssemos que eles não têm ninguém que os defenda no Médio Oriente. Os seus vizinhos abandonaram-nos, e sem a ajuda do Oeste, eles estão condenados.
Helma e o seu câmara Jordan com um grupo de refugiados no campo de Erbil, no Iraque

Existe, de fato, uma perseguição organizada e dirigida aos cristãos? E os muçulmanos que são apanhados no meio, são danos colaterais? 

O que está a acontecer aos cristãos em todo o Médio Oriente é um genocídio, não são casos de violência contra indivíduos, mas um esforço organizado para limpar o Cristianismo do Médio Oriente, onde teve a sua origem há mais de 2000 anos. No Iraque e na Síria, os cristãos são alvo por causa da sua religião, as igrejas foram bombardeadas, o clero foi raptado e morto, muitos já foram forçados a deslocar-se internamente ou fugiram para o Oeste, o que é uma pena porque são os povos indígenas destas terras, não são convidados. Mas os nossos líderes religiosos, bem como líderes culturais e políticos, têm pedido ajuda internacional para que possamos incentivar o nosso povo a permanecer nas suas terras ancestrais legítimas, sob pena de arriscarmos perder as nossas antigas tradições e enfrentar a extinção. Sem dizer que, sem cristãos no Médio Oriente, abrimos a porta à polarização completa no Oriente e no Ocidente, que só criarão novas divisões e maior radicalização e alimentam a discórdia que já vimos espalhada por todo o mundo.

De onde vem a ajuda humanitária?

Em relação à ajuda humanitária, grande parte é fornecida pelas nossas próprias igrejas, que não discriminam com base na religião. Eles ajudam todos.

Como é que as pessoas na Síria acham que este conflito pode acabar? Qual seria a solução ideal?

As pessoas na Síria estão despedaçadas, embora eu tenha notado que muitos cristãos ainda pareçam leais ao regime. Muitos deles admitiram que o regime pode não ser perfeito, mas temem que a substituição de um governo secular por um religioso provoque uma discriminação ainda mais severa contra os cristãos do que a que está a acontecer atualmente e traga uma completa eliminação do Cristianismo na zona. Ao longo dos últimos anos, os cristãos deixaram lugares na Síria como Raqqa, Deyr-al-Zor e Hasaka e fugiram para áreas controladas pelo regime porque se vão para áreas controladas por Al-Nusra, ISIS ou outros extremistas, não estão seguros.
Crianças sem pais num campo de refugiados em Erbil, no Iraque  

E alguma vez os cristãos poderão viver em paz? 

Eles têm muito medo do que virá a seguir. Eles querem ser vistos como seres humanos iguais, que lhes sejam dados direitos humanos básicos, e que não sejam vistos apenas pela sua identidade religiosa. Na Síria, os cristãos querem ser incluídos nas negociações de paz. Eles precisam de um governo forte que trate todos igualmente. No Iraque, ficou claro que os cristãos precisam de um refúgio internacionalmente reconhecido e protegido, a ser estabelecido nas suas terras nativas, na região das Planícies de Nínive, no norte do Iraque. É a única maneira de eles viverem em paz e permanecerem na sua terra natal, mantendo as suas antigas tradições. Mas ambas as comunidades, os cristãos caldeus assírios caldeus da Síria e do Iraque, precisam de nós para sermos as suas vozes e advogarmos em seu nome para que eles possam obter a ajuda humanitária adequada no curto prazo e a segurança restaurada nas suas terras no longo prazo.

Como foi o acolhimento do filme na América, na comunidade cristã e fora dessa comunidade?

Até agora, tivemos várias exibições em grandes cidades em todos os Estados Unidos, incluindo Los Angeles, Nova Iorque e Washington D.C. Exibimos também o filme ao Partido da Liberdade Religiosa no parlamento britânico, ao parlamento sueco em Estocolmo, em Bruxelas, na União Europeia, e em Haia, na Holanda. Esperamos que, ao ver este filme, possamos inspirar os nossos decisores a tomar decisões que melhor servirão os nossos cristãos perseguidos.

As pessoas ficaram sensíveis a essa questão depois do filme?

É verdadeiramente surpreendente como muitos não orientais conhecem tão pouco sobre os seus irmãos cristãos do Médio Oriente. Nós vimos membros do parlamento em lágrimas após verem o filme. Muitas vezes ouvimos pessoas dizerem que nem sabiam que ainda havia cristãos a viver no Médio Oriente. Por isso, acho que o filme trouxe muita consciência para as pessoas aqui no Ocidente. Concentrámo-nos no público não médio oriental especificamente por esta razão. Muitas das comunidades que veem o filme vêm ter connosco depois para saber como podem ajudar os perseguidos. Acreditamos que os efeitos deste filme serão de grande alcance, trazendo consciência e também incentivando a defesa em favor dessas comunidades que sofrem. Para o público do Médio Oriente, acho que o filme lhes trouxe alguma esperança num tempo de desespero e tristeza.
Interessados podem contactar-nos através do site www.Ourlaststandfilm.com ou enviem um e-mail para info@ourlaststandfilm.com

Estando longe, o que podemos nós, cristãos e não cristãos, fazer por eles? 

Em primeiro lugar, precisamos reunir as nossas congregações para rezar pelos nossos irmãos e irmãs perseguidos no Médio Oriente. Este é o primeiro passo para nos solidarizarmos com eles. Eu também acho que as comunidades cristãs na diáspora devem chegar a outras congregações locais do Médio Oriente e iniciar relações com eles. Dessa forma, eles podem participar nos seus eventos de advocacia e consciencialização. Muitas vezes, estas comunidades cristãs são muito pequenas e, quando protestam ou se reúnem, não recebem muita atenção por causa do seu número reduzido. Portanto, apoiar os seus eventos e esforços ajudaria a tornar as suas vozes mais fortes e trazer mais atenção para estas questões que estão a defender. Além disso, todos nós podemos falar com o nosso governo nacional. Estas pessoas são eleitas para nos representar, por isso é nosso dever certificar-se de que eles sabem quais as questões que são importantes para nós. Às vezes, um simples telefonema ou carta pode chamar a atenção para uma questão que um governante não tinha ainda percebido, simplesmente porque ninguém lhe tinha chamado à atenção para isso. Por último, acolher uma exibição do nosso filme é também uma ótima maneira de agir e educar a sua comunidade sobre a situação desses cristãos perseguidos.

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