sexta-feira, 8 de setembro de 2017

A Bíblia e o Pentecostalismo

Por Flávia Gomes*

O pentecostalismo parece inaugurar uma nova maneira de entender e se apropriar do texto sagrado.


Observa-se que no culto pentecostal o sermão nem sempre é o ponto culminante como acontece na liturgia cristã tradicional. (Divulgação/ Pixabay)

O Pentecostalismo tem sido alvo de constantes estudos devido ao seu crescimento e paradigma. Esse novo modo de ser cristão implica num discurso que manifesta abruptos rompimentos com a mensagem protestante clássica de onde origina a vertente pentecostal. As distinções entre o protestantismo histórico e pentecostalismo se acentuam quando se passa para o campo da hermenêutica bíblica pela ausência de contextualização da passagem bíblica em sua aplicação cotidiana no discurso pentecostal.
É possível falar de uma grande bifurcação no cristianismo protestante em duas vertentes agregando num mesmo paradigma grupos distintos e antagônicos. De um lado, os cristãos históricos, identificados pelo fato de se compreenderem e se organizarem numa referência hermenêutica racional, e, de outro, os cristãos pentecostais fundados numa relação mítica com suas origens.
Desse modo, o uso do texto sagrado é responsável por uma linha divisória de grupos que conformam ainda um mesmo seguimento.
O pentecostalismo parece inaugurar uma nova maneira de entender e se apropriar do texto sagrado. Sua teologia central, marcadamente formulada pela ênfase na prosperidade, exorcismo e cura, é baseada numa leitura bíblica que se ajuste a esse discurso utilitarista, pois a causa dos problemas dos fiéis é apontada a partir de referências bíblicas em que um texto é lido e comentado como explicação da causa dos males e da oferta de saídas. Haja vista a queda da antiga mensagem da cruz no pentecostalismo, pois o discurso teológico que pregava o sofrimento do cristão caiu por terra, ocorrendo o soterramento de tal mensagem.
Os pentecostais são um seguimento do cristianismo que adota uma interpretação e uma prática marcadas pelo que consideram ser a experiência do Espírito Santo. Tem como características atuais a centralidade na experiência emocional, o culto de louvor efervesceste, a tendência à leitura literalista dos textos bíblicos e a prática do exorcismo.
Observa-se que no culto pentecostal o sermão nem sempre é o ponto culminante como acontece na liturgia cristã tradicional. Coloca-se a dúvida da possibilidade de falar em sermão quando é evidente que toda a liturgia parece ter a mesma ênfase, a mesma força doutrinária e catequética. A palavra vai para além de um sermão, complementando-se nos demais atos do culto, significando mais do que uma exegese do texto bíblico, pois muitas vezes é usada como pretexto para frisar o compromisso do dízimo, da evangelização ou de normas de conduta dos crentes. De qualquer forma, a pregação é um ponto importante cujo tema central é a luta contra o mal através da santificação pessoal.
A afirmação do poder de Deus encontra na leitura literalista do texto bíblico a fundamentação incontestável. A linguagem é simples e direta, afirmadora dos poderes divinos. A pregação é vivencial, pois une episódios bíblicos a circunstâncias nas quais os fiéis se encontram.
A experiência religiosa pentecostal se dá numa dinâmica atemporal em que as narrativas bíblicas tornam-se realidade assim como encontram escritas no texto. Não há, para estes, necessidade de mediações explicativas para os textos bíblicos. Há um passado que interpreta o presente e um presente que reinterpreta o passado a partir de suas condições. No pentecostalismo, aliado à interpretação literalista está presente, também, elementos da crendice popular, o que assegura ainda a criação de um contexto sobrenatural.
Dessa forma faz-se uma ligação direta com o tempo das origens, com o evento de Pentecostes, com os milagres de Jesus, com os dons do Espírito Santo. Os fatos do passado, narrados nos textos bíblicos, tornam-se, imediatamente, realidade vivenciada pelo fiel. O texto bíblico é, antes de tudo, um elo que liga as origens da fé cristã, o tempo da salvação ao hoje do fiel. O Pentecostalismo torna indistinto o ontem do hoje vivenciando suas origens na lógica estrita do tempo mítico.
Para o pentecostal, o texto bíblico tem uma função mais prática que teórica e não uma referência escrita de uma experiência do passado que exige interpretação para ser compreendida e explicada. Para que possa exercer tal função, é fundamental, portanto, que o texto seja conservado em sua literalidade, pois o estudo pode impedir esse processo ao distinguir as temporalidades de ontem e de hoje, por meio do estudo da história e da cultura, da língua e do gênero literário da época em que o texto foi escrito.
Nesse contexto os textos bíblicos não são referências escritas do passado, para os pentecostais, mas sim narrativas imitadas em todos os momentos. Ser pentecostal é sair da prisão da precariedade do tempo profano do mundo.
No pentecostalismo a Bíblia é referenciada como um objeto de poder, enfatizando o uso mágico da mesma a qual se torna muito mais um oráculo a ser consultado, do que a regra de fé e prática. Esse uso da Bíblia como um símbolo faz com que a presença da ação mediada de Deus não seja totalmente iconoclasta, pois a Bíblia é usada como objeto heirofânico (que manifesta o sagrado), que não apenas contém uma mensagem escrita, mas, que emana também força e proteção. 

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