segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Como eram as confissões nos primórdios da Igreja?

[churchpop]


As primeiras confissões

Hoje, erroneamente, muitas pessoas acreditam que o Cristianismo representou um súbito abandono do pensamento e das práticas do antigo Israel – algo tão completamente novo que os contemporâneos de Jesus dificilmente reconheceriam essa fé cristã.
Entretanto, a verdade é exatamente o contrário. De fato, os primeiros cristãos mantiveram muitas das práticas do judaísmo antigo, as quais se tornaram, agora, revestidas de um novo sentido.
Os cristãos construíram suas próprias “sinagogas” e, até o ano 70 d.C., se encontravam regularmente no Templo de Jerusalém.
Alguns observavam o tradicional repouso sabático no sábado, e principalmente, no Dia do Senhor, o domingo. Adotaram em seus cultos muitas orações, bênçãos e formas litúrgicas do Judaísmo.
Nos últimos anos, os estudiosos têm dedicado maior atenção para “as raízes judaicas da liturgia cristã”, e vários deles têm procurado demonstrar em detalhes precisos como as refeições rituais e os sacrifícios de Israel se desencadearam na refeição ritual e no sacrifício do coração da vida cristã: a Missa.
O mesmo é válido para o que a Igreja chama hoje de o sacramento da Confissão, o sacramento da Penitência, o sacramento do perdão, o sacramento da Reconciliação. O novo Israel, a Igreja Católica, não abandonou as práticas eficazes dos seus antecessores. Tanto que encontramos cristãos se confessando, tanto nas primeiras gerações, quanto em cada época seguinte.
O tema da confissão aparece duas vezes num dos mais antigos documentos judaico-cristãos que temos, independentemente da Bíblia. A Didaqué, ou a Instrução dos Apóstolos, é uma compilação de ensinamentos morais, doutrinais e litúrgicos. Alguns estudiosos modernos afirmam que partes deste documento foram compostas na Palestina ou em Antioquia por volta do ano 48 d.C.
Diz a Didaqué: “Na igreja, confessarás tuas faltas e não entrarás em oração com má consciência” (4,14). Este ensinamento vem após longa lista de mandamentos morais e instruções sobre a penitência.
Num capítulo posterior, fala da importância da confissão antes de receber a Eucaristia: “Reuni-vos no Dia do Senhor para a Fração do Pão e rendei ação de graças [em grego, Eucaristia], depois de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro” (14,1).
Mais tarde, mas ainda no primeiro século, provavelmente entre 70 e 80 d.C., encontramos a Carta de Barnabé repetindo, palavra por palavra, a Instrução da Didaqué: “Confessa os teus pecados e não te apresentes em má consciência para a oração” (19).
Ambos, a Didaqué e a Carta de Barnabé, podem insinuar que os cristãos confessavam seus pecados publicamente, pois a expressão “na igreja” pode ser traduzida também por “na assembleia”. Sabemos que, em muitos lugares, a Igreja pode ter administrado a Penitência desta forma. Contudo, a prática foi abandonada nos séculos seguintes por razões pastorais evidentes – por exemplo, para poupar o penitente do constrangimento, poupar as vítimas de qualquer vergonha, e por uma questão de sensibilidade. Esta é uma forma da Igreja aplicar sua piedade de um jeito ainda mais misericordioso.
Encontramos nosso próximo testemunho no início do século seguinte, por volta de 107 d.C.: Santo Inácio, bispo de Antioquia, que desenvolve a ideia de penitência a serviço da comunhão, como ele escreve ao povo de Filadélfia, na Ásia Menor. “A todos aqueles que se arrependem, o Senhor concede o perdão, se apresentam sua penitência em união com Deus e em comunhão com o bispo” (Carta aos Filadélfios 8,1). De acordo com Santo Inácio, a marca do cristão perseverante é a fidelidade à confissão. “Pois todos os que são de Deus e de Jesus Cristo estão também com o bispo. E a todos quantos, no exercício da penitência, voltarem-se para a unidade da Igreja, estes também pertencem a Deus e podem viver de acordo com Jesus Cristo” (Carta aos Filadélfios 3,2).
A opção da confissão era evidente para os Padres da Igreja. Em 96 d.C., o Papa São Clemente de Roma disse: “Mais vale ao homem confessar suas faltas do que endurecer seu coração” (Carta aos Coríntios 51,3).

Embora o sacramento tenha estado conosco desde o dia da ressurreição

de Jesus, os cristãos o praticaram de variadas maneiras. A doutrina da Igreja sobre a Reconciliação se desenvolveu, também, ao longo do tempo. Em sua essência, o sacramento permaneceu o mesmo, embora em alguns particulares possa parecer diferente em determinadas épocas.
Por exemplo: no início, em alguns lugares, os bispos ensinavam que certos pecados – quais sejam: homicídio, adultério e apostasia – poderiam ser confessados, mas não absolvidos nesta vida. O cristão que os tivesse cometido nunca poderia voltar a receber a Comunhão, embora pudesse contar com a misericórdia de Deus na hora da morte. Em outros lugares, os bispos absolviam de tais pecados, mas somente depois que os pecadores cumprissem pesadas penitências, o que poderia levar anos de intensa luta cotidiana para cumpri-las.
Ao longo do tempo, a Igreja foi modificando essas práticas a fim de torná-las menos penosas e de encorajar os cristãos a encontrar forças na Eucaristia para vencer o pecado e fazer com que os pecadores arrependidos não caíssem em desespero.
Nem todos os cristãos estavam ansiosos para acolher os pecadores de volta ao rebanho. Alguns argumentavam que a Igreja era melhor sem esses fracos e desajustados. A questão veio à tona no norte da África, e chegou até um homem chamado Cipriano, bispo de Cartago (248-258 d.C.). Era um tempo de perseguições onde alguns cristãos bravamente enfrentavam a morte, enquanto outros – é triste dizer – renunciavam a Cristo, quando colocados diante da ameaça de morte ou de tortura. Alguns desses que cometiam esse “lapso” na fé, mais tarde, se arrependiam da decisão tomada e procuravam ser readmitidos na Igreja. Contudo, eles encontravam forte oposição dos outros cristãos que haviam sobrevivido às torturas sem renunciar a Cristo.
Cipriano sustentava que os pecadores arrependidos deveriam ser readmitidos à Eucaristia, depois de realizarem as penitências prescritas pela Igreja. Ele pedia a todos os pecadores, grandes ou pequenos, para que tirassem proveito do sacramento da Reconciliação, pois, em tempos de perseguição, eles não sabiam, nem o dia nem a hora, em que seriam chamados. (Na verdade, seja qual for o momento, nós não sabemos o dia nem a hora em que seremos chamados a enfrentar o nosso juízo final). Dizia São Cipriano:
Rogo-vos, amados irmãos, para que cada um confesse seu pecado, enquanto aquele que pecou ainda estiver neste mundo, enquanto sua confissão puder ser recebida, enquanto a satisfação e a remissão feitas pelo sacerdote estiverem agradando ao Senhor. Voltemo-nos para o Senhor com todo o nosso coração; e, expressando arrependimento pelo nosso pecado com verdadeira tristeza, supliquemos a misericórdia de Deus. […] Ele mesmo nos diz de que maneira devemos nos apresentar: “Voltai para mim –oráculo do Senhor – de todo o coração, fazendo jejuns, chorando e batendo no peito! Rasgai vossos corações, não as roupas!” (Jl 2,12s).
Cipriano pôde evocar o profeta Joel que exortava um povo “gentio” a fazer sua confissão. Por quê? Porque o profeta, o Salvador, e o santo compartilhavam um entendimento comum da confissão, da conversão e da aliança. A missão da Igreja, do próprio Cristo, foi proclamar esse entendimento como o Evangelho, como uma boa nova: “e no Seu nome [no de Cristo] será anunciada a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24,47).
Ao ler os Padres da Igreja, vemos que, onde quer que o povo professasse o Cristo, eles confessavam seus pecados aos sacerdotes da Igreja. Vemos isso nos escritos de Santo Irineu de Lião, que serviu na França de 177 a 200 d.C.. Encontramos em Tertuliano, no norte da África, por volta de 203 d.C.; e em Santo Hipólito de Roma, cerca de 215 d.C.. O estudioso egípcio Orígenes14, por volta do ano 250 d.C., escreveu sobre “a remissão dos pecados através da penitência… quando o pecador… não se envergonha de dar a conhecer o seu pecado ao sacerdote do Senhor e a buscar uma cura de acordo com aquele que diz, ‘revelei-te o meu pecado, o meu erro não escondi’. Eu disse: ‘Confessarei ao Senhor as minhas culpas’, e tu perdoaste a malícia do meu pecado” (Sl 32[31], 5).

Retirado do livro “Senhor, tende piedade”. Scott Hahn. Editora Cléofas.

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