sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Santidade: esta palavra ainda faz sentido?

[domtotal]
Por Felipe Magalhães Francisco

A santidade é um ideal possível, não uma coisa distante e restrita a uns poucos meritosos


A santidade é um ideal possível, não uma coisa distante e restrita a uns poucos meritosos (Stephanie LeBlanc/ Unsplash)

Na atualidade, sabemos o que se passa na vida, a partir das redes sociais. Elas têm sido o termômetro que nos ajudam a perceber aquilo que tem interessado às pessoas. A canonização da baiana Dulce dos Pobres, realizada em treze de outubro deste ano, foi acompanhada com entusiasmo. Foram ressaltados, em rememoração, situações da vida da religiosa que doou sua vida em comprometimento com o Evangelho, no amor-cuidado para com os pobres. Foi também na internet que viralizou o comentário de uma cantora, rechaçando a ideia de que pessoas possam ser chamadas de santas, visto que só Deus é Santo!
Muitos católicos e católicas reagiram, alguns com violência, à publicação da cantora. Ignorando, aqui, toda a questão da insensibilidade preconceituosa para com a questão da religião de milhões de pessoas, a crítica dessa personalidade dá pé para uma importante reflexão: há sentido em se falar em santidade, atualmente? Nos meios populares, o fato de que católicos e católicas venerem seus santos e santas, cria bastante polêmica entre evangélicos, sobretudo entre os pentecostais e neopentecostais. Para além das questões pertinentes ao diálogo inter-religioso, propriamente dito, a constante interpelação de evangélicos a católicos e católicas, sobre santos e santas, pode nos ajudar a refletir sobre a própria tradição de fé do catolicismo.
É bastante comum que católicos e católicas tenham seus santos e santas de devoção. Essa é uma das marcas do catolicismo popular que o faz tão rico. Não podemos negar, também, que exista, em muitas dessas devoções, um exagero religioso que ultrapassa, e muito, a questão do lugar que os santos e santas ocupam, de fato, na vida da Igreja. É aqui, pois, que a interpelação de cristãos de outras denominações precisa nos ajudar a refletir sobre nossa própria perspectiva, até mesmo a fim de que esses outros cristãos possam compreender nosso lugar de fala.
O fato de a Igreja Católica reconhecer que mulheres e homens, em suas vidas, viveram a santidade, mais que qualquer outra coisa, revela-nos que a santidade é um ideal possível. Reconhecer mulheres e homens como santos é reconhecer que, no modo em que viveram, deixaram-se configurar pela vida do Filho de Deus, o que nos abre – para a compreensão cristã – o acesso ao Santo dos Santos, tal como nos inspira a Carta aos Hebreus. A canonização de mulheres e homens é pedagógica para nós, que ainda somos chamados a trilhar o mesmo caminho de configuração de nossa vida, à vida de Jesus, o que chamamos de santidade. É pedagógico porque nos ensina como a viver com abertura à graça santificante do Espírito, para que respondamos, cada vez com mais qualidade, nosso sim filial a Deus, no seguimento de Jesus Cristo.
Todos os tempos pressupõem respostas próprias aos seus contextos. É nesse sentido que precisamos não nos esquecer que a santidade é, de fato, um ideal possível, não uma coisa distante e restrita a uns poucos meritosos. É o que, pertinentemente, recorda-nos Francisco, o papa, em sua Gaudete et Exsultate, sobre o chamado à santidade no mundo atual. A santidade é possível de ser vivida com alegria, e esta, por sua vez, coloca nossos pés no chão. Somos chamados à santidade porque Deus quer que vivamos em sua comunhão e, ser santo, significa ser tocado pela santidade de Deus, à qual se tornou mais próxima de nós por força de Jesus Cristo, por meio do Espírito. Para nos mostrar o quanto é possível, fazemos memória da vida de mulheres e homens que viveram, com uma força atualizante importante, a memória da própria vida de Jesus Cristo, o Santo de Deus.
Os artigos de nosso Dom Especial, em estreita sintonia, convidam-nos a uma compreensão possível do que seja a santidade, que continua sendo uma interpelação a mulheres e homens de nossos tempos, tão cediços de corajosos testemunhos de seguimento de Jesus Cristo. Abre nossa reflexão, Daniel Couto, com o artigo Santidade hodierna, no qual propõe um olhar sobre nossa temática numa perspectiva antropológica. Em seguida, temos o artigo de Gustavo Ribeiro, Santidade: perceber Deus na carne do mundo, em que reflete sobre a santidade, a partir de uma dimensão fundamental da fé cristã, que  é o corpo, muitas vezes rechaçado erroneamente por falsas visões de espiritualidade. Amarra nossa reflexão, Daniel Reis, com o artigo Santos e santas em Cristo, o Santo de Deus, no qual recorre à liturgia da Solenidade dos Santos e Santas, que hoje celebramos, mostrando como a vivência litúrgica incide na compreensão daquilo que cremos e do que somos chamados a viver.
Boa leitura! 

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