segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A mulher que foi profetizada do Gênesis ao Apocalipse

O nascimento de Cristo foi profetizado em muitas e variadas passagens do Antigo Testamento, assim como o de São João Batista. Mas eles não foram os únicos. Também a Santíssima Virgem teve seu nascimento e existência preditos nas Escrituras.


 

Por Mons. Charles Pope

 Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere

 

O nascimento de Jesus foi profetizado em muitas e variadas passagens do Antigo Testamento; o nascimento de João Batista também o foi (cf. Ml 4, 5s; Mt 11, 14). Mas Maria, a mãe de Jesus, Nosso Senhor, também teve seu nascimento e existência profetizados. Por ocasião da recente festa de sua natividade, procuremos olhar para alguns desses textos, seguidos de alguns comentários de minha autoria.

1. Começamos bem no início do livro do Gênesis. O pecado original acabara de ser cometido por Adão e Eva, que disse ter sido enganada pela serpente. Deus amaldiçoou Satanás e então apontou para uma nova Eva que diria “sim”, enquanto Eva havia dito “não”. Deus disse a Satanás: “Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência (semente) e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (3, 15).

Deus, portanto, aponta para Maria e para a qualidade única de sua maternidade. Somente ela deu à luz nosso Salvador, que, por seu poder divino e obediência humana, esmagou a cabeça de Satanás. Ora, como não se diz que as mulheres têm “semente”, esta frase incomum atribuída a Maria aponta para ela como fonte única da humanidade de Cristo (pelo poder de Deus) e para o Pai celeste como verdadeiro pai de Jesus.

2. Uma segunda profecia sobre Nossa Senhora está em Isaías. O rei Acaz está resistindo à mensagem de Isaías, que lhe diz para não temer Aram e Efraim, prestes a invadir Judá. Mesmo instruído a pedir um sinal, Acaz recusou. Isaías responde-lhe com impaciência: “Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus conosco” (7, 14).

Muitos estudiosos modernos das Escrituras rejeitam essa passagem como referência a Maria, argumentando que não poderia tratar-se de um sinal para Acaz, morto centenas de anos antes de seu cumprimento. Também argumentam que “virgem” poderia significar apenas “donzela” (ou jovem esposa), sem referência a uma verdadeira concepção virginal. Mas, ao que tudo indica, nem o Espírito Santo nem S. Mateus pensavam assim, já que aplicaram esta profecia a Maria (cf. Mt 1, 23).

Isaías também aponta para Maria no texto a seguir. Embora, pelo contexto, o profeta esteja alegoricamente falando de Jerusalém como uma mãe ao dar à luz, os detalhes só se cumpriram em Maria:

Eis o que diz o Senhor: “O céu é meu trono, e a terra meu escabelo. Que casa poderíeis construir-me, que lugar poderíeis indicar-me para moradia? Fui eu quem fez o universo, e tudo me pertence”, declara o Senhor. “É o angustiado que atrai meus olhares, o coração contrito que teme minha palavra. […] Escutai esse tumulto que se levanta da cidade, esse barulho que vem do templo. […] Antes da hora, ela deu à luz, antes de sentir as dores, deu à luz um filho. Quem jamais ouviu tal coisa, quem jamais viu coisa semelhante?” (66 1s.6a-8a).

É com base nesse texto que muitos dos Padres da Igreja ensinam que Maria deu Jesus à luz milagrosamente e sem as dores do parto. Embora o povo da época de Isaías não tivesse visto nem ouvido falar tais coisas, o da época de Cristo ouviu e viu isso se cumprir.

3. O profeta Miquéias também aponta para Maria no seguinte texto:

Mas tu, Belém de Éfrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel. Suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias do longínquo passado. Por isso, Deus os deixará, até o tempo em que der à luz aquela que há de dar à luz. Então, o resto de seus irmãos voltará para junto dos filhos de Israel (5, 1s).

Sim, a salvação esperaria até que nascesse Maria e ela dissesse “sim”, ao invés do “não” de Eva, e, pelo poder de Deus, trouxesse Jesus, nosso eterno Salvador e Senhor.

4. O texto a seguir é do livro do Apocalipse, o qual, por ter sido escrito após o nascimento e a vida de Cristo nesta terra, não é, em sentido estrito, uma profecia a esse propósito. Mas o é enquanto uma meta-história, e, como tal, descreve de forma poética e abrangente os grandes choques entre o bem e o mal, Deus e Satanás, que ocorreram antes de Cristo e, em menor grau, depois. Aqui, reorganizei um pouco o texto para unir os versículos sobre a batalha no Céu:

Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz. Depois apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. Varria com sua cauda uma terça parte das estrelas do céu, e as atirou à terra. […] Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, mas não prevaleceram. E já não houve lugar no céu para eles. Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos (12, 1-4a.7ss).

Vemos aqui uma espécie de profecia celeste de Maria no sinal da mulher vestida de Sol, que estava grávida e prestes a dar à luz. Tradições antigas afirmam que, quando Deus revelou seus planos de salvar a humanidade unindo-se a ela, Lúcifer, um anjo de alto escalão, recusou o plano e, orgulhoso, resistiu-lhe. Os anjos eram muito mais dignos das graças de Deus do que os homens, feitos do barro (cf. Gn 2, 7). Lúcifer encabeçou uma rebelião e houve guerra no Céu:

Esse Dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o filho. Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro. Mas seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono. A Mulher fugiu então para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um retiro para aí ser sustentada por mil duzentos e sessenta dias (12, 4b-6).

Existem aqui muitas camadas de sentido. Historicamente, a mulher só pode ser Maria, pois o Filho que ela deu à luz só pode ser Cristo. Alegoricamente, a mulher também pode representar Israel e a Igreja. Embora Satanás tenha buscado e ido ao encalço de Cristo durante toda a sua vida terrena, depois da vitória visível na Cruz, o texto nos diz que Jesus foi arrebatado ao Céu, onde está entronizado. A mulher, fugindo para o deserto, pode nos remeter à fuga para o Egito; mas os 1260 dias (ou seja, três meses e meio) é, mais provavelmente, uma referência a uma terceira camada deste texto, em que Maria representa a Igreja primitiva. Em 70 d.C., a Igreja primitiva em Jerusalém fugiu para o deserto, para a cidade de Pella, enquanto os romanos sitiavam a cidade, o que durou três meses e meio.

A representação angustiante do cap. 12 do Apocalipse termina com uma nota sinistra: “Este [o Dragão], então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus. E ele se estabeleceu na praia” (12, 17-18).

Também aqui podemos notar que a mulher é Maria e, ao mesmo tempo, a Igreja: Maria, enquanto mãe de Cristo, é também nossa mãe, uma vez que somos membros do Corpo de Cristo. Ora, se Maria deu à luz a Cabeça da Igreja, Cristo, deu à luz também o Corpo de Cristo, isto é, todos os seus membros. A Igreja também é mãe para nós, pois é ela a noiva de Cristo, de cuja casta união fomos gerados. Vemos aqui outra profecia: a de que nós, filhos de Maria e da Igreja, sofreremos perseguições neste “paraíso perdido”. Devemos, pois, apegar-nos à nossa mãe Igreja e a Maria; devemos apegar-nos também ao Senhor e a seus sacramentos, porque temos um inimigo, Satanás, que perambula pela orla do mar (símbolo do caos) à procura de oportunidades.

Que Nossa Senhora nos cubra com seu manto e que Nosso Senhor e seus anjos nos deem todas as suas graças. Que Nossa Senhora seja grandemente venerada nestes dias em que celebramos seu nascimento (8 set.) e seu santíssimo nome (12 set.).

 

Fonte - padrepauloricardo

 

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