terça-feira, 24 de agosto de 2021

As restrições à missa tradicional não são para frente, mas para trás, explica o arcebispo

Foto de uma missa tradicional ou missa tridentina em latim.  Crédito: Servus Tuus (CC BY-SA 3.0)
Foto de uma missa tradicional ou missa tridentina em latim.

 

POR WALTER SÁNCHEZ SILVA

 

O Arcebispo Emérito de La Plata (Argentina), Dom Héctor Aguer, explicou que as restrições à Missa tradicional ou Missa Tridentina em latim contidas nos custódios do motu proprio Traditionis não são um avanço, mas um "retrocesso lamentável".

“O atual Pontífice declara que deseja continuar ainda mais na busca constante da comunhão eclesial (prólogo aos custódios Traditionis) e, para efetivar este propósito, elimina a obra de seus predecessores, colocando limites arbitrários e obstáculos ao que se estabeleceu com intenção ecumênica intra-eclesial e respeito pela liberdade dos sacerdotes e dos fiéis! Promove a comunhão eclesial ao contrário. As novas medidas implicam em um retrocesso lamentável”, escreve o Prelado em artigo enviado ao ACI Prensa em 23 de agosto.

Dom Aguer indica que com este novo texto pontifício "está nas mãos dos bispos diocesanos autorizar o uso" do Missal de 1962 e, nesse sentido, "tudo começa de novo".

“É de se temer que os bispos sejam gananciosos em conceder licenças. Muitos bispos não são guardiões Traditionis, mas tradicionis ignari (ignorantes), obliviosi (esquecidos) e, pior ainda, tradicionis evertores, destruidores”, continua.

O Prelado questiona se “para aqueles que já usaram a forma extraordinária do Rito Romano”, isto é, que usaram o Missal de 1962, “não foi suficiente a vigilância ordinária dos bispos e a eventual correção dos infratores? Seria preciso ter caridade e paciência com os rebeldes”.

Para o arcebispo emérito, «a limitação dos lugares e dos dias a celebrar segundo o Missal de 1962 (art. 3 § 2 e § 3) é uma restrição injusta e desagradável». Além disso, “o § 6 do art. 3 é uma restrição injusta e dolorosa ao impedir que outros grupos de fiéis participem da missa celebrada segundo o Missal de 1962”.

Entre as disposições do documento pontifício publicado em 16 de julho sobre a missa tradicional em latim, o Papa Francisco estabelece que será o bispo quem autoriza os sacerdotes que desejam celebrar a missa desta forma, ou seja, com o Missal de 1962; bem como onde e quando essas celebrações podem ocorrer; e que os grupos de fiéis que neles participem tenham um sacerdote delegado que os acompanhará pastoralmente.

O texto pontifício indica também no número 6 do artigo 3 que o bispo diocesano não autorizará a criação de novos grupos que desejem celebrar a missa tradicional em latim.

Abusos litúrgicos

“Sei que muitos jovens em nossas paróquias estão fartos dos abusos litúrgicos que a hierarquia permite sem corrigi-los; Querem uma celebração eucarística que garanta uma participação séria e profundamente religiosa. Não há nada de ideológico nesta aspiração”, escreve Dom Aguer.

“Também acho desagradável que o padre que já tem a licença e a exerceu bem, volte a administrá-la (art. 5º). Não é um estratagema para tirá-la? Ocorre-me que talvez não haja poucos bispos (novos, por exemplo) relutantes em concedê-lo”, continua.

O artigo 5 da Traditionis custodes estabelece que “os sacerdotes que já celebram segundo o Missale Romanum de 1962, pedirão ao Bispo diocesano autorização para continuar a manter aquela faculdade”.

O Arcebispo Aguer afirma que “todas as disposições dos custódios Traditionis seriam alegremente aceitáveis ​​se a Santa Sé atendesse ao que chamo de devastação da liturgia, o que se verifica em vários casos”.

A título de exemplo, ele explica o que “acontece na Argentina. Em geral, é muito comum que a celebração eucarística assuma um tom de banalidade, como se fosse uma conversa que o sacerdote mantém com os fiéis, e na qual a simpatia deles é essencial; em alguns lugares torna-se uma espécie de espetáculo presidido pelo 'animador' que é o celebrante, e a missa infantil em uma festinha como as festas de aniversário”.

“Em virtude deste critério, as canções latinas que as pessoas comuns cantavam comumente nas paróquias, como o Tantum ergo na bênção eucarística, desapareceram de uso. A falta de correção dos abusos leva à convicção de que 'agora a liturgia é assim', lamenta.

O Arcebispo sublinha que para corrigir os abusos bastaria «simplesmente fazer cumprir o que o Concílio determinou, com sabedoria profética: 'que ninguém, nem mesmo um sacerdote, acrescente, remova ou mude nada por sua própria iniciativa na liturgia'".

“Não se pode negar que a celebração eucarística perdeu rigor, solenidade e beleza. E o silêncio desapareceu em muitos, muitos casos. Um capítulo à parte mereceria música sacra”, acrescenta.

O latim

Dom Aguer recorda que “o latim foi durante séculos o vínculo de unidade e de comunicação na Igreja do Ocidente. Hoje ele não está apenas abandonado, mas também odiado. Nos seminários seu estudo é negligenciado, justamente porque não é útil”.

“Não se percebe que é assim que se fecha o acesso direto aos Padres da Igreja Ocidental; muito importante para os estudos teológicos: penso, por exemplo, em Santo Agostinho e em São Leão Magno, e em autores medievais como Santo Anselmo e São Bernardo. Esta situação me parece um sinal de pobreza cultural e ignorância voluntária”.

O Prelado destaca que sempre “celebrou com a maior devoção que posso, o rito em vigor na Igreja universal. Sendo Arcebispo de La Plata, todos os sábados no Seminário Maior 'San José' cantava a oração eucarística em latim, aproveitando o precioso Missal publicado pela Santa Sé”.

“Tínhamos formado, de acordo com a recomendação do Concílio Vaticano II na Constituição Sacrosanctum Concilium n. 114, uma schola cantorum, que foi eliminada com a minha aposentadoria”, acrescenta.

O arcebispo destaca que o Concílio Vaticano II incentiva o uso da língua latina nos ritos latinos, “exceto para o direito privado”. “Infelizmente - ele avisa - o 'direito particular' parece ser proibir o latim, como de fato é feito. Se alguém se atreve a propor que seja celebrado em latim, é considerado deslocado, um troglodita imperdoável”.

Na parte final de seu artigo, Dom Aguer compara o tom dos custódios Traditionis com o  discurso que o Papa proferiu no dia 7 de junho  perante a Comunidade dos Padres de São Luís dos Franceses em Roma.

“A comparação não me parece arbitrária; em ambos os casos seria desejável constatar aquela atitude misericordiosa tão celebrada no atual Pontífice”, assinala.

“Parece que o juízo que a Igreja faz, em sua instância máxima, do curso da vida eclesial procede segundo dois pesos e duas medidas: tolerância, e mesmo apreço e identificação com as posições heterogêneas em relação à grande Tradição ('progressistas', como têm sido chamados) e distância ou antipatia de pessoas ou grupos que cultivam uma posição 'tradicional'.

Para concluir, o Arcebispo Emérito de La Plata recorda “o propósito que um famoso político argentino enunciou com brutalidade: 'pelos amigos, tudo; o inimigo, nem a justiça.' Digo isso com o maior respeito e amor, mas com imensa tristeza”.

 

Fonte - aciprensa

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