Por Luiz Sérgio Solimeo
O Papa Francisco usa entrevistas como um novo tipo de magistério papal. Mais especificamente, entrevistas aéreas a jornalistas que o acompanham em suas viagens internacionais.
É um magistério descontraído, igualitário e com tiradas bem- humoradas. O que não é nada engraçado, no entanto, é que o Papa lida com sérios assuntos teológicos, morais, pastorais e disciplinares da Igreja. Frequentemente, suas declarações são contrárias à fé e à moral.
Em 15 de setembro, no avião que o trouxe de volta a Roma depois de sua visita à Hungria e à Eslováquia, o Papa não hesitou em responder às perguntas dos repórteres sobre o Santíssimo Sacramento e a Comunhão aos políticos pró-aborto. Também não perdeu a oportunidade de reiterar seu apoio às uniões civis homossexuais.
Teve também uma referência irônica e pouco caridosa a um cardeal doente com a COVID. Embora ele não tenha mencionado o nome do purpurado (ainda hospitalizado no momento da entrevista), a mídia rapidamente reconheceu que se tratava do Cardeal Raymond Leo Burke.1
Aborto provocado e a Eucaristia
Uma pergunta de Gerard O’Connell, correspondente no Vaticano da revista America Magazine, deu-lhe ensejo para intervir na polêmica americana sobre se os políticos pública e notoriamente pró-aborto podem ou não receber a Sagrada Comunhão.
A resposta do Papa Francisco sobre o mal do aborto foi categórica: “O aborto é um homicídio. O aborto… sem meias palavras: quem faz um aborto, mata”.2 Tal clareza é bem-vinda e merece elogios.
Entretanto, o tom muda e se torna confuso quando ele começa a abordar a questão que mais especialmente interessa aos católicos americanos: um presidente e políticos que favorecem esse homicídio podem receber a Sagrada Comunhão?
Santíssimo Sacramento é a Presença Real, não apenas Espiritual
Vejamos primeiro sua definição ambígua do que seja a Eucaristia; mais precisamente, o que ele considera ser a Sagrada Comunhão: “A comunhão é um dom, um presente… É a presença de Jesus na sua Igreja e na comunidade.” Ele enfatiza: “Esta é a teologia”.3
Está claro, pelo contexto, que o Papa Francisco está falando da Sagrada Comunhão. Entretanto, ele não menciona a hóstia consagrada, isto é, a Presença Real do Salvador, com Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, sob as espécies de pão.
Portanto, parece que, para o Papa, o “dom” ou “presente” que o fiel recebe na Sagrada Comunhão é apenas uma participação na presença espiritual de Cristo em sua Igreja.4
Segundo a doutrina católica, a Comunhão Eucarística é “a participação no banquete sacrificial no qual os fiéis se alimentam do corpo e do sangue de Cristo”5. Em termos mais simples, é a recepção da Hóstia consagrada, em estado de graça e com as disposições necessárias.6
Teologia sem lógica que leva à “moral de situação”
De sua confusa definição de Sagrada Comunhão, o Papa Francisco conclui que “aqueles que não estão na comunidade não podem receber a Comunhão. E por quê? Porque estão fora da comunidade, ex-comunitate, excomungados (chamam-se…) […] porque se afastaram devido a qualquer coisa”.7
O Papa Francisco parece insinuar que não podem comungar somente as pessoas que não fazem parte da Igreja, seja porque nunca entraram, seja porque foram excomungadas. Ele omite que, segundo o Código de Direito Canônico (cân. 915), deve ser negada a comunhão aos pecadores públicos, como os divorciados recasados ou aqueles que dissentem abertamente do ensino da Igreja, como é o caso dos políticos pró-aborto.
Que “coisa” faz uma pessoa afastar-se da Igreja visível, estar “excomungada”, senão certos pecados especialmente graves? O Papa Francisco definiu corretamente o aborto como homicídio, que é um pecado gravíssimo. A lógica mandaria, portanto, que o Papa concluísse que um político pró-aborto não pode receber a Sagrada Comunhão.
Mas sua lógica é outra: ele parece ter adotado a teoria de seu conselheiro, o jesuíta Pe. Antonio Spadaro, editor-chefe da Civiltà Cattolica, o qual acredita que, em Teologia, 2+2 pode ser 5!8
Esta foi a confusa resposta de Francisco:
“Pensemos agora na pessoa que não está na comunidade. Não pode receber a Comunhão, porque está fora da comunidade. Isto não é um castigo; tu estás fora… A Comunhão é unir-se à comunidade. Mas o problema não é teológico (este é simples), o problema é pastoral: o modo como nós, bispos, gerimos pastoralmente este princípio. […] Os princípios são da teologia. A pastoral é a teologia e o Espírito Santo que vai te conduzindo a fazer as coisas com o estilo de Deus”.9
Logo — de acordo com esta concepção da pastoral — a verdade pode mudar, dependendo das circunstâncias. Não há princípios revelados imutáveis. O Espírito Santo modifica a Teologia que Ele mesmo inspirou. Com isso, caímos em uma abordagem pastoral que leva à “moral de situação”.
Pio XII definiu e condenou a “moral de situação”
A “moral de situação” foi definida e condenada pelo Papa Pio XII em 1952:
“O sinal distintivo desta moralidade é que ela não se baseia de fato em leis morais universais como os Dez Mandamentos, mas nas condições ou circunstâncias reais e concretas em que se deve agir, e segundo as quais a consciência individual deve julgar e escolher. Este estado de coisas é único e vale uma única vez para qualquer ação humana. É por isso que a decisão da consciência, afirmam os defensores desta ética, não pode ser comandada pelas ideias, pelos princípios e pelas leis universais. […] Nesta forma expressa, a nova ética está tão fora da fé e dos princípios católicos que até uma criança, se conhecer seu catecismo, o perceberá e o sentirá”.10
É muito grave essa pressão do Papa Francisco sobre os bispos para que não recorram à Teologia moral na solução de problemas morais; devem, ao invés, agir pastoralmente, conforme o sopro do Espírito Santo. Parece estar insinuando que, na prática pastoral, o Espírito Santo possa conduzir os pastores a agir contra os princípios, que pertencem à Teologia… A situação prevalece sobre a fé e a moral reveladas.
Políticos pró-aborto são filhos de Deus? E os bebês abortados, não?
Segundo o Papa Francisco, sempre que os bispos abandonam esse conceito pastoral, eles se desviam para a política: “E se olharmos para a história da Igreja, veremos que cada vez que os bispos não administraram um problema como pastores, tomaram partido na vida política, no problema político. Por não administrar bem um problema, eles tomaram partido no lado político.”11
Portanto, para o Papa, os bispos devem evitar a política, não negando a Sagrada Comunhão ao presidente Biden e à presidente da Câmara de Deputados, Nancy Pelosi, apesar das notórias ações pró-aborto de ambos e de suas afirmações de que continuam sendo católicos.
Na realidade, quem está tomando o partido dos políticos pró-aborto é o Papa Francisco, ao deixar clara a sua preferência, dizendo, ao mesmo tempo, que cabe aos bispos americanos decidir, mesmo que isso signifique deixar de lado a doutrina católica. Diz ele: “Chega de excomunhão, por favor, não excomunguem mais”. E sai em defesa dos políticos pró-aborto: “Pobre gente! São filhos de Deus, estão fora temporariamente, mas são filhos de Deus: querem e precisam da nossa proximidade pastoral. Depois o pastor resolve as coisas como lhe indicar o Espírito”.12
Estranha misericórdia! Aqueles que ajudam a matar os inocentes não nascidos são chamados de “filhos de Deus” e tratados com luvas de pelica. E os pobres bebês abortados? Eles também não são filhos de Deus? Não há justiça e misericórdia para eles? Não são amados por Deus? Não há aqui dois pesos e duas medidas?
Deus é a Verdade e não muda. Como no início, após o assassinato de Abel, diz Ele hoje a todos os que se submetem, realizam, ajudam e instigam os abortos: “Que fizeste! Eis que a voz do sangue do teu irmão clama por mim desde a terra. De ora em diante, serás maldito e expulso da terra, que abriu sua boca para beber de tua mão o sangue do teu irmão. Quando a cultivares, ela te negará os seus frutos. E tu serás peregrino e errante sobre a terra” (Gen. 4,10-12).
Seguindo os passos do Bom Pastor, a Igreja sempre foi clara sobre o dever de um pastor: defender o rebanho e atacar os lobos. O cajado de pastor é uma arma contra eles. Ele nunca se acovarda nem foge dos lobos como um mercenário.
Papa Francisco apoia as uniões civis homossexuais
O Papa foi então questionado por Stefano Maria Paci, da Sky Tg24, sobre uma diretriz da União Europeia recomendando que os Estados membros reconheçam o “casamento” entre pessoas do mesmo sexo. Ao responder, o Papa Francisco reiterou sua aprovação às uniões civis homossexuais.13
Ele afirmou corretamente que o casamento sacramental deve ser entre um homem e uma mulher e que isto não pode mudar. Entretanto, dá a entender que a diferença entre os sexos dos cônjuges é inerente apenas ao sacramento, não à própria natureza do casamento, e, por conseguinte, que a Igreja não tem objeções às uniões civis não sacramentais entre pessoas do mesmo sexo.
Eis suas palavras: “Trata-se de leis que procuram ajudar a situação de muitas pessoas, de orientação sexual diversa. E isto é importante: ajudar as pessoas. Mas sem impor coisas que, por sua natureza, são impossíveis na Igreja. Entretanto, se eles querem viver juntos a vida, um casal homossexual, os Estados têm possibilidade civilmente de apoiá-los, dar-lhes segurança de herança, saúde […].”14
Ora, as leis civis não podem contradizer a lei natural e a lei divina, concedendo direitos e ajuda a pessoas em um estado de vida construído sobre o mal intrínseco da sodomia. Pois, conforme ensina muito claramente o Papa Pio XII, “aquilo que não responde à verdade e à norma moral, não tem objetivamente nenhum direito à existência, à propaganda ou à ação.”15
Ou o Papa Francisco é de uma ingenuidade sem par e acredita que duas pessoas que têm atração pelo mesmo sexo podem normalmente viver juntas e manter a castidade, como dois irmãos ou duas irmãs; ou ele não considera a sodomia como intrinsecamente má e pecaminosa. No primeiro caso, ele nega o ensinamento constante da Igreja a respeito da obrigação de evitar as ocasiões próximas de pecado ou, pelo menos, de evitar o escândalo de terceiros. No segundo caso, ele vai contra a moral católica baseada na Revelação e na lei natural.
Deus não castiga? Não há Inferno?
Ainda na parte da entrevista sobre as uniões civis do mesmo sexo, o otimismo liberal do Papa Francisco levou-o a afirmar: “O Senhor é bom e salvará a todos”. E então, brincou: “Isto, não o digam em voz alta — disse ele rindo — mas o Senhor quer a salvação de todos”.
Estranha essa brincadeira em matéria tão grave. Terá ele querido atenuar o impacto da afirmação taxativa de que o Senhor salvará a todos, levem a vida que levarem?
Do fato de que o Senhor quer a salvação de todos, mas daí não se deduz que Ele salva a todos, porque se assim agisse não seria justo, pois daria o mesmo prêmio àqueles que O amaram e praticaram a virtude e àqueles que foram maus e pecaram contra Ele.16 Mas se Deus não é justo, Ele não pode ser bom, porque a bondade e a justiça não podem ser contraditórias. Antes, elas se completam mutuamente. Sendo Deus a bondade suprema, Ele também deve ser a justiça suprema. Um Deus que não é bom é uma contradição nos termos e não pode existir. Portanto, a declaração do Papa Francisco é enganosa e leva ao ateísmo.
Além disso, se todos serão salvos independentemente do bem ou do mal que tiverem feito, isso equivale a afirmar que não há Inferno. Ora, a existência do Inferno é um dogma católico. A superficialidade que encoraja as pessoas a ignorar o Inferno favorece o pecado, o vício e, assim, a perdição eterna.
Ora, a própria finalidade da Igreja é a salvação das almas. Ela existe para levar as almas ao Céu, evitando o Inferno. Uma política pastoral que ignora esta finalidade fundamental da Igreja pode ser considerada verdadeiramente pastoral?
Voltando-nos para Deus e Nossa Senhora
Que Deus, sumamente bom e sumamente justo, nos ajude nesta situação de extrema confusão.
Que Nossa Senhora, Sede da Sabedoria, nos obtenha de seu amado Filho a graça da sabedoria e da combatividade, para que possamos permanecer fiéis até o fim, como aqueles que nos precederam marcados com o Sinal da Fé, durante crises anteriores da Igreja.
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Notas:
1. “Até no Colégio Cardinalício existem alguns ‘negadores’ [da vacina] e um deles, coitado, está hospitalizado com o vírus. Ironia da vida!”. ‒ Entrevista durante o voo de Bratislava para Roma, quarta-feira 15 de setembro. L’Osservatore Romano (Edição semanal em português), 21 setembro 2021. https://www.osservatoreromano.va/pt/news/2021-09/por-038/nas-raizes-do-espirito-da-europa.html 9/30/2021 12:21 PM
2. Ibid.
3. Ibid.
4. Esta confusão também está presente na Institutio Generalis Missale Romani, de 1969, a “Missa Nova” de Paulo VI. Ver Arnaldo Xavier da Silveira, Considerações sobre o “Ordo Missae” de Paulo VI (Cleveland: Lumen Mariae Publications, 1976), pp. 6-10.
5. Pietro Parente, Antonio Piolanti, e Salvatore Garofolo, Dictionary of Dogmatic Theology, trans. Emanuel Doronzo, O.M.I., 1st English ed. (Milwaukee: The Bruce Publishing Company, 1957), s.v. “Communion, Eucharistic.”
6. Ver Concílio de Trento: Sessão 13ª (Eucaristia). Cap. 7. A preparação a ser feita para receber dignamente a santa Eucaristia. Denzinger- Hünermann n° 1646-1647.
7. Entrevista durante o voo de Bratislava para Roma.
8. Tweet do diretor da Civiltà Cattolica: “Teologia não é #Matemática”. 2 + 2 em #Teologia pode ser igual a 5. Porque tem a ver com #Deus e a vida #real de #pessoas… – Antonio Spadaro (@antoniospadaro), 5 de janeiro de 2017.
9. Entrevista durante o voo de Bratislava para Roma.
10. Discours du Pape Pie XII aux participants au Congrès de la Fédération Mondiale des Jeunesses Féminines Catholiques – Vendredi 18 avril 1952. https://www.vatican.va/content/pius-xii/fr/speeches/1952/documents/hf_p-xii_spe_19520418_soyez-bienvenues.html 1/10/2021 12:39 PM
11. Entrevista durante o voo de Bratislava para Roma.
12. Ibid.
13. Luiz Sérgio Solimeo, “Papa Francisco apoia uniões civis homossexuais, mas algo intrinsecamente mau não pode ser objeto de direitos legais”, TFP.org, 4 de dezembro de 2020. https://www.tfp.org/pope-francis-endorses-same-sex-civil-unions-but-something-intrinsically-evil-cannot-be-the-object-of-legal-rights/.
14. Entrevista durante o voo de Bratislava para Roma.
15. Pio XII, Discorso Ci riesce del 6-12-1953, al V Congresso Nazionale della Unione Giuristi cattolici italiani. https://www.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1953/documents/hf_p-xii_spe_19531206_giuristi-cattolici.html
16. Cf. Summa Theologica, II-II, q. 58.
Fonte - abim
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