Em entrevista publicada pelo jornal ABC, o cardeal Gerhard Ludwig Müller lembra que todo Papa está vinculado à Palavra de Deus e não pode modificar a doutrina como quiser. Ele enfatiza que o Papa não é um monarca absoluto e que sua autoridade tem limites definidos pela fé revelada. Ele também alerta que a autoridade dos bispos não deve ser questionada em um sínodo.
O cardeal Gerhard Ludwig Müller (Mainz-Finthen, 31 de dezembro de 1947), prefeito emérito da Congregação para a Doutrina da Fé, hoje Dicastério homônimo, concedeu uma entrevista ao jornal Abc.
Após uma breve análise dos três últimos papas, o cardeal aprofunda o debate sobre a relação entre pastoral e doutrina:
Na pastoral, não se pode fazer coisas diversas que não estejam em total unidade com a doutrina. Porque a doutrina não é uma teoria desenvolvida por alguns professores de teologia, mas a fé, a moral e a doutrina vêm da Palavra de Deus, que não é arbitrária, é logos.
E ele critica muito a ideologia de gênero:
«Não é por acaso que o homem e a mulher existem, e a existência biológica, intelectual, moral e cultural da humanidade depende da diferença e da unidade do homem e da mulher na sexualidade. Segundo as palavras do próprio Jesus, o matrimônio entre o homem e a mulher está no centro e no fundamento da existência humana. Entretanto, a ideologia LGBT é ateísta e nega completamente as bases da antropologia cristã e quer relativizar o casamento.
Como Fiduccia supplicans
«... há algumas pessoas com quem precisamos conversar, ajudar, estar próximos, mas essas coisas não estão claras na 'Fiducia suppplicans'. Outras denominações cristãs, especialmente os ortodoxos, e muitos bispos católicos, lamentaram a falta de uma base teológica clara.
Limites da autoridade papal
O prelado alemão destaca qual tem sido o problema de Francisco. Falta de compreensão dos limites da própria autoridade:
Este é o problema do pontificado, a boa vontade do Papa Francisco, mas o Papa tem que ser fiel ao magistério supremo da Igreja. Isso não significa, como dizem alguns desprovidos de conhecimento teológico, que o Papa pode fazer o que quiser. Na Igreja Católica não há absolutismo; somos todos homens, assim como os Papas, os bispos e o Concílio. Podemos atuar como mestres, mas não podemos corrigir a Palavra de Deus, porque nossa missão é levar a todos os homens o que Jesus ensinou.
Müller continua explicando a relação entre o Magistério e a Revelação:
«O Magistério depende da palavra de Deus na Sagrada Escritura e na Tradição. Essa é a doutrina. Por exemplo, em Nicéia, há 1.700 anos, diante do arianismo, os Padres do Concílio não inventaram, nem tiraram a sorte, nem decidiram por maioria. Nem mesmo quando Lutero se opôs à doutrina de que existem apenas dois sacramentos, os Padres do Concílio disseram: vamos fazer um acordo e deixá-lo em cinco. Eles persistiram na verdade revelada até a morte e o martírio.
E ele insiste que o catolicismo não é a religião na qual o Papa pode fazer o que quiser:
Quando me recordo da doutrina de que o poder do Papa não é ilimitado, alguns dizem que o Cardeal Müller é inimigo do Papa. Mas quem quiser se informar deve ler os números 7 a 10 da 'Dei Verbum'. O Papa apenas explica a fé, não a cria. Não se pode dizer amanhã que leigos podem celebrar a Missa. Há limites para o seu poder. E ele não pode dizer: "Eu sozinho, com alguns padres, governo a Igreja". O episcopado é por direito divino. O Papa não tem poder sobre a Lei Divina. Também na doutrina. O matrimônio é sacramental, é indissolúvel. E quando alguém está em estado de pecado mortal, o Papa não pode dar-lhe permissão para receber a comunhão.
O cardeal alerta que é preciso esclarecer o que é e o que não é um sínodo de bispos:
No futuro, precisamos esclarecer completamente o que é um sínodo dos bispos e o que é uma assembleia ou simpósio eclesiástico. Não há problema em fazê-los. Todos os dias, os alunos se reúnem com seus professores nas faculdades e discutem temas teológicos. Mas o sínodo dos bispos, a institucionalização da colegialidade dos bispos, é um conceito de direito divino. Há quem entenda pouco ou nada de teologia e pense que o Papa abriu o sínodo aos leigos e às mulheres, mas mudou completamente a natureza desta assembleia.
Guitérrez e a Teologia da Libertação
Ele também reiterou seu apoio às teses de Gustavo Gutiérrez sobre a Teologia da Libertação, que ele afirma ser fruto do Concílio Vaticano II:
"Eu não era próximo de Gustavo Gutiérrez porque vivi de esquerda por um tempo. A doutrina social da Igreja não é de esquerda, não é comunismo. Pelo contrário, é a superação absoluta do comunismo porque tem uma verdadeira antropologia em seu cerne. Os comunistas falam de justiça social, mas ela nunca foi realizada em nenhum sistema comunista, porque lhes falta um conceito de pessoa. A Teologia da Libertação, por outro lado, vem em substância do Concílio Vaticano II, da Gaudium et Spes, que incumbe a Igreja a responder ao mundo com todo o potencial do Evangelho, para melhorar as situações desumanas das pessoas que não têm nada para comer, que não têm acesso à educação. Gustavo Gutiérrez não se comprometeu com os comunistas, porque a verdadeira Teologia da Libertação é a superação do comunismo, porque se baseia na premissa de que todos os homens têm a mesma dignidade e com a força do Evangelho podemos mudar essas situações.
Questionado sobre o perfil do próximo Papa, o cardeal alemão respondeu:
O Papa não precisa necessariamente ser professor de teologia, mas deve estar próximo de bons pensadores e buscar conselhos de pessoas sensatas e dos cardeais. Estou convencido de que o Colégio Cardinalício deve se reunir com o Papa pelo menos uma vez por ano, para ajudá-lo a lidar com os principais desafios atuais da Igreja. O Sínodo dos Bispos, em sua forma clássica, também pode ajudar. Isso não exclui a possibilidade de realizar encontros com leigos e pessoas consagradas aqui em Roma ou em outras partes do mundo, como já fazemos nos conselhos paroquiais e diocesanos, para discutir, informar e avançar sobre como apresentar à Igreja Católica os conteúdos de esperança contra o niilismo, contra o antinatalismo, contra o transumanismo, que são correntes muito perigosas para a humanidade.
E ele acrescenta:
Precisamos também convencer os políticos de que a guerra não resolve os problemas. Outra questão são as grandes migrações, e precisamos analisá-las sob uma perspectiva multifacetada: não apenas como acomodá-las aqui, mas também como elas se integram e como acabarão em seus países de origem se pessoas mais jovens e capazes partirem para migrar. Mas insisto que o Sínodo dos Bispos é uma instituição do Magistério, e somente aqueles com ordenação episcopal podem participar com direito a voto. Ninguém pode mudar isso. Algo pode ser mudado para transformar ou destruir, e neste caso será para destruir. Não podemos transformar o Sínodo em um parlamento; o próprio Papa Francisco disse que não é um parlamento. Algumas pessoas falam sobre a influência do Espírito Santo, mas é muito vago, todos jogam esses jogos.
Manipulação do Espírito Santo
Por fim, ele emite um alerta contra a manipulação do Espírito Santo por alguns:
"Normalmente é alguém que diz algo estúpido em seu discurso, mas não tem argumentos para sustentar isso, e diz que veio do Espírito Santo e culpa o Espírito Santo por sua própria estupidez."
Fonte - infocatolica
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