Entrevista com o arcebispo de Luxor, Dom Youannes Zacharia
LUXOR, sexta-feira, 22 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Depois da revolução de 25 de janeiro, as relações entre o Islã e a Cristandade, o nascimento de movimentos políticos e religiosos fanáticos, as relações entre o Vaticano e Al-Azhar e a situação dos coptas no Egito foram alguns dos temas que captaram a atenção da opinião mundial.
Foi sobre estes assuntos que falou Dom Yoannes Zacharia, arcebispo de Luxor, nesta ampla entrevista concedida à equipe árabe de ZENIT.
A primeira parte da entrevista foi publicada na quarta-feira e a segunda parte, ontem.
ZENIT: Ouviram-se vozes pedindo ao Vaticano que interviesse na proteção dos coptas do Egito. Como explicar isso, já que o Vaticano não tem tropas militares ou armadas, como disse Stalin certa vez?
Dom Zacharia: Pessoalmente, não aceito o que se chama de proteção estrangeira aos coptas. Os coptas que vivem na Diáspora e pedem isso deveriam conhecer o perigo desta petição e a influência perigosa nos interesses dos coptas que moram no Egito junto aos seus irmãos muçulmanos.
O Santo Padre Bento XVI, que é o líder da Santa Sé, um estado espiritual que não tem um exército regular como outros Estados, não pouca nenhum esforço em rezar pelos cristãos e não-cristãos do mundo inteiro, especialmente quando as catástrofes naturais os afligem ou quando vivem em condições difíceis e dolorosas.
Recentemente, o Santo Padre mencionou os trágicos incidentes que os fiéis do Iraque, Egito e Paquistão estão sofrendo, e pediu a todo mundo que se unisse a ele em sua oração por eles. Também pediu aos governantes desses países que dessem mais atenção ao cuidado dos seus cidadãos. Esta petição não deve ser considerada como uma interferência nos assuntos internos dos países mencionados, mas uma mensagem de amor e de apoio para promover a ajuda ao homem oprimido pelo seu irmão.
ZENIT: No que diz respeito à relação com o xeique de Al-Azhar, o doutor Attayeb – que pertence geograficamente a Luxor –, o senhor acha que ele está competindo com os salafitas para pôs fim à sua relação com o Vaticano e ao diálogo?
Dom Zacharia: Acho que este assunto requer muita paciência, tempo e diálogo, para que ambos os lados se entendam. Agora, penso que a insistência em retomar o diálogo de qualquer maneira possível não serve para o desejado diálogo. Também acho que algumas declarações daqui e de lá sobre este tema, retransmitidas pelos meios de comunicação de acordo com seus interesses e políticas, são mais perigosas que benéficas para melhorar as relações entre a Santa Sé e a mesquita de Al-Azhar.
Com o devido respeito e apreço a cada um, desejo explicar que o diálogo desejado não é um diálogo entre o Santo Padre Bento XVI e o grão-imame de Al-Azhar, doutor Attayeb, mas um diálogo entre a Santa Sé em tudo o que representa uma profunda herança cristã e espiritual, e Al-Azhar no que representa a autêntica liberalidade islâmica.
Espero que ambas as partes se comuniquem com rapidez e que o diálogo seja retomado logo, já que a ruptura de relações e o fim do diálogo prejudicam os dois lados e não lhes faz nenhum bem.
ZENIT: Depois da visita do Dr. Nabeel Alarabi, o atual secretário-geral da Liga Árabe, durante seu trabalho como ministro de assuntos exteriores do Egito, ao Papa Bento XVI e a revelação de que as relações entre o Cairo e o Vaticano são boas, o que obstaculiza a renovação do diálogo?
Dom Zacharia: Depois do martírio dos coptas na Igreja de Todos os Santos de Alexandria, o Santo Padre Bento XVI denunciou este ato terrorista e pediu ao governo egípcio e aos governos do Oriente Médio que dessem mais atenção à proteção da minoria cristã dos seus países. Infelizmente, o antigo governo egípcio não entendeu a mensagem do Papa e considerou que era uma interferência nos assuntos internos egípcios. Como protesto diante dessa ingerência, o ministro de assuntos exteriores chamou o embaixador egípcio na Santa Sé para uma consulta.
Enquanto isso, muitos líderes do mundo denunciaram o ataque à igreja de Alexandria e pediram aos governos do Oriente Médio que protegessem a minoria cristã. Mas não houve nenhuma reação similar à ocorrida quando o Santo Padre fez o mesmo.
Depois da volta do embaixador egípcio para continuar sua missão na Santa Sé, e depois da queda de Baraka e da mudança de governo, o ministro de assuntos exteriores egípcio visitou a Santa Sé, reuniu-se com o Papa e discutiu com ele sobre a maneira de promover relações bilaterais próximas entre a República Árabe do Egito e o Estado Vaticano. Também informou sobre os últimos acontecimentos do panorama egípcio depois da revolução da juventude e da mudança de regime no Egito. Portanto, as relações entre a República Árabe do Egito e a Santa Sé voltaram à normalidade e os dois lados entenderam que o ocorrido era resultado de mal-entendidos e de uma situação delicada.
Depois da visita à Santa Sé por parte do ministro de assuntos exteriores e da visita do secretário do comitê de diálogo entre a cristandade e o Islã, imame de Al-Azhar no Cairo, supunha-se que se havia retomado o diálogo entre ambas as partes. Mas infelizmente, depois de uma reunião com os acadêmicos de mais alto nível de Al-Azhar, o imame declarou que se adiava a retomada do diálogo entre Al-Azhar e a Santa Sé.
ZENIT: Há duas décadas, Samuel Huntington falou sobre o enfrentamento de civilizações que acontecia devido a razões religiosas. A mudança da “primavera árabe” à “primavera fundamentalista” é o cumprimento da profecia desse homem?
Dom Zacharia: Depois da queda e fracasso do comunismo, da desintegração da União Soviética, da libertação dos países do Leste da Europa, da dissolução do Pacto de Varsóvia e do final da Guerra Fria entre o Leste e o Oeste, os países do Oeste encontraram finalmente uma alternativa ao enfrentamento e ao conflito, para difundir a influência política e mostrar suas forças militares.
O enfrentamento entre o Oeste e o Leste começou com um aumento dos atos terroristas cometidos por alguns grupos islâmicos, que conduziram à guerra para libertar o Kuwait e às guerras no Iraque, Afeganistão e Somália. Estas guerras, cujo objetivo era eliminar o terrorismo internacional, são consideradas por alguns como uma guerra entre o Oeste cristão e o Leste muçulmano. Outros consideram esta guerra como um enfrentamento de civilizações que se dá por razões religiosas, como Samuel Huntington escreveu em seu livro “O enfrentamento das civilizações”.
Espero que esta revolução jovem contra a injustiça e a corrupção dos ditadores, o começo da primavera árabe e o florescimento da liberdade conduzam ao cumprimento do sonho de um país civil e democrático e construa um ideal de sociedade baseado no amor e na paz, uma sociedade que reúna todos os cidadãos, sem discriminação religiosa ou confessional, na qual todos nós sejamos irmãos que se amem e se ajudem pelo bem e pelo bem-estar do seu país.
ZENIT: Finalmente, entre o pessimismo e o otimismo, qual é sua sensação, Eminência? E qual seria o seu conselho a todos os egípcios, muçulmanos e coptas, nesta encruzilhada a qual o Egito está chegando?
Dom Zacharia: Como cidadão egípcio que estudou a fundo a história das civilizações egípcias, que se estende de distantes épocas até agora, sinto-me otimista sobre a capacidade dos egípcios, em todos os níveis e categorias, tanto muçulmanos como cristãos, para superar as crises que dificultam a construção do estado egípcio moderno. Assim como a civilização egípcia superou todas as dificuldades e sofrimentos através de sua longa história, que remonta a milhares de anos, assim o caráter egípcio teve êxito ao triunfar sobre os poderes de ocupação, injustiça e opressão, neste delicado período da sua história, e da mesma maneira o Egito triunfará e melhorará graças ao espírito egípcio, profundamente enraizado em todos os corações dos seus cidadãos, e graças à garra e entusiasmo dos seus cidadãos.
E como cristão que crê na esperança e vive o poder do amor e da fé, tendo ao otimismo. É otimismo, apesar de estar associado à precaução devido à dificuldade do caminho da liberdade, e grande atenção frente ao que obstaculiza a construção de um estado moderno, a conquista de uma vida melhor e de um futuro brilhante para todos os egípcios.
Meu conselho para todos os meus compatriotas é que cooperem no trabalho e construção, deixando de lado o que nos separa e tentando construir uma sociedade de amor e de paz.
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