quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Bispo dos EUA lança novo sinal na crise dos abusos sexuais

[IHU]


31/8/2011  

Se fosse feita uma pesquisa junto a católicos bem informados sobre quais bispos são considerados líderes mundiais diante da crise dos abusos sexuais, poucos nomes provavelmente se destacariam repetidamente: o arcebispo Diarmuid Martin, da Irlanda, por exemplo, ou o arcebispo Robert Zollitsch, da Alemanha. A abrasadora franqueza de Martin fez dele um herói para alguns e um pararraios de críticas para outros, enquanto os bispos alemães são considerados como os que montaram uma das respostas mais eficazes aos escândalos entre todas as conferências nacionais, e Zollitsch é o seu presidente.
Logo no topo da lista, no entanto, estaria o cardeal Sean O'Malley, de Boston.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 26-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em parte, isso é um produto da história. No início dos anos 1990, O'Malley enfrentou a confusão James Porter [padre acusado de abusar de 28 crianças] como bispo da diocese de Fall River, Massachusetts. Dez anos depois, ele assumiu Palm Beach, onde seus dois antecessores imediatos haviam renunciado depois de admitir que haviam abusado sexualmente de crianças em suas carreiras. Em 2003, é claro, ele se deparou com uma situação quase apocalíptica em Boston.
Não é apenas o currículo de O'Malley que faz dele um ponto de referência, mas sim a sua personalidade. Ele está muito longe de ser um petulante como qualquer outra figura pública e irradia uma religiosidade genuína que tende a impressionar até mesmo aqueles quem discorda dele sobre as questões. Enquanto as decisões de outros líderes se originam em suas cabeças ou em suas entranhas, com O'Malley, se poderia dizer que elas parecem vir dos seus joelhos.
Tudo isso compõe um movimento muito esperado nesta semana por O'Malley, que abordou uma das questões mais espinhosas e ainda não resolvidas pela crise, importante não apenas para Boston, mas como um modelo em potencial para os líderes da Igreja de todo o mundo.
* * *
Desde o início, os reformadores pediram que os bispos divulgassem publicamente os nomes de todos os sacerdotes acusados com provas confiáveis, tanto para evitar novos abusos (no caso de padres que ainda estão vivos), quanto como uma forma de perceber as verdadeiras dimensões do problema. Há resistência a tais divulgações, especialmente de padres que sentem que as suas reputações e seus direitos a um devido processo estão sendo sacrificados em prol do curto prazo legal e dos cálculos de relações públicas.
Isso cria um dilema moral e pastoral: como se deve equilibrar os interesses convincentes de proteção às crianças, transparência e cura das feridas dos sobreviventes e de suas famílias, contra os direitos e a moral dos seus próprios padres – para os quais se supõe que o bispo é não apenas um gerente, mas também um pai e um irmão?
Neste momento, não existe nenhuma política global coordenada, o que significa que cada bispo age mais ou menos por conta própria. Enquanto eles olham ao redor em busca de orientação, um dos lugares de onde eles provavelmente irão encontrar suas dicas é em Boston, com a liderança de O'Malley.
A partir desta semana, eles receberam algo novo para pensar a respeito.
Na quinta-feira, O'Malley anunciou que, depois de "sérias e cuidadosas considerações e orações", ele estava lançando uma lista de padres e diáconos de Boston que haviam sido considerados culpados de abuso sexual de menores ou acusados publicamente de tais abusos. Os nomes foram organizados em um formato pesquisável, disponível no sítio da arquidiocese. Cada entrada inclui o status atual do clérigo (suspenso, laicizado etc.) e um link para o seu histórico de atribuições. Junto com o lançamento, O'Malley emitiu uma detalhada carta de sete páginas explicando o raciocínio subjacente à sua decisão.
O'Malley também publicou uma lista separada de padres que haviam sido publicamente acusados, mas posteriormente exonerados, seja porque o conselho de revisão arquidiocesano descobriu que a acusação era infundada, seja porque o padre foi absolvido em um processo canônico.
Enquanto a maioria das informações já havia sido divulgada pela arquidiocese de uma forma ou outra, ela nunca tinha sido reunida centralmente ou disponibilizada de forma mais facilitada.
Notavelmente, a lista de acusados exclui dois grupos: o clero falecido, para o qual a acusação não foi tornada pública e nenhuma investigação eclesial ou processo canônico foi concluído; e os membros de ordens religiosas ou clérigos de outras dioceses. O argumento com relação ao clero falecido é que eles já não estão entre nós para se defender e não representam um risco de novos abusos. Com as ordens religiosas e as outras dioceses, O'Malley disse que não cabe a ele decidir, embora ele tenha exortado os grupos a publicar suas próprias listas, se ainda não o fizeram.
Ao todo, a nova lista contém os nomes de 159 clérigos arquidiocesanos (157 padres e dois diáconos) dos 250 que haviam sido acusados. Dos 91 nomes não incluídos, 62 estão falecidos, 22 envolvem casos em que a acusação não pôde ser fundamentada, quatro são padres que atualmente enfrentam uma investigação preliminar, e três são padres já laicizados ou demitidos que não foram publicamente acusados.
O'Malley disse que a lista será atualizada regularmente e disponibilizou um número de telefone para que as pessoas forneçam correções ou acréscimos. As novas políticas se centram na identificação pública dos padres acusados. Já é uma prática comum em Boston denunciar as alegações ao procurador local, ao procurador-geral de Massachusetts e, se for o caso, aos órgãos de segurança federal.
Todas as indicações são de que esse não é um passo que O'Malley deu de forma inconsequente. O Pe. Richard Eriskon, vigário-geral da arquidiocese de Boston, me disse que essa era uma das decisões durante os últimos oito anos "sobre a qual o cardeal mais agonizou".
O'Malley terminou a sua carta apresentando a decisão com uma nota de contrição. "Tendo-me encontrado com centenas de sobreviventes, eu conheço em primeira mão as cicatrizes que vocês carregam", escreveu. "E eu carrego comigo, todos os dias, a dor das falhas da Igreja. Quero expressar, mais uma vez, a minha tristeza pela sua dor e os meus pedidos de desculpas por quaisquer formas pelas quais a Igreja e o seu clero falharam com vocês".

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