[bibliacatolica]
Introdução
Desde
os tempos apostólicos a Igreja ensina que os que morreram na amizade do
Senhor, não só podem como estão orando pela salvação daqueles que ainda
se encontram na terra. Tal conceito é conhecido como a intercessão dos
santos.
A Doutrina
Sobre a doutrina da intercessão dos santos, o Catecismo da Igreja Católica ensina:
“Pelo
fato que os do céu estão mais intimamente unidos com Cristo, consolidam
mais firmemente a toda a Igreja na santidade… Não deixam de interceder
por nós ante o Pai. Apresentam por meio do único Mediador entre Deus e
os homens, Cristo Jesus, os méritos que adquiriram na terra… Sua
solicitude fraterna ajuda, pois, muito a nossa debilidade.” (CIC 956)
Por
tanto para a Igreja Católica, os santos intercedem por nós junto ao
Pai, não pelos seus méritos, mas pelos méritos de Cristo Nosso Senhor, o
único Mediador entre Deus e os homens.
Objeções
Os
adeptos do fundamentalismo bíblico normalmente apresentam uma série de
objeções à doutrina da intercessão dos santos. Neste artigo iremos
confrontar as principais:
1a. objeção: Cristo é o único mediador entre Deus e os homens.
Esta
é a principal objeção à doutrina da intercessão dos Santos. Os adeptos
desta objeção fundamentam sua posição em 1 Tim 2,5 onde lemos: “Pois há
um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, um homem, Cristo
Jesus”. Para eles, a Sagrada Escritura não deixa dúvidas de que só Jesus
pode interceder pelos homens junto a Deus.
Se isto é verdade, por
que São Paulo ensinaria que nós cristãos devemos dirigir orações a Deus
em favor de outras pessoas? Vejam 1Tim 2,1: “Acima de tudo, recomendo que se façam súplicas, pedidos e intercessões,
ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que
estão constituídos em autoridade, para que possamos viver uma vida calma
e tranqüila, com toda a piedade e honestidade.”
No exposto
acima não está São Paulo nos pedindo para que sejamos intercessores
(mediadores) junto a Deus por todas as pessoas da terra? Estaria então o
Santo apóstolo se contradizendo? É claro que não. A questão é que a
natureza da mediação tratada no versículo 1 é diferente da do versículo
5.
A mediação tratada em 1Tm 2,5 refere-se à Nova e Eterna
Aliança. No AT a mediação entre Deus e os homens se dava através da
prática da Lei. No NT, é Cristo que nos reconcilia com Deus, através de
seu sacrifício na cruz. É neste sentido que Ele é nosso único mediador,
pois foi somente através Dele que recuperamos para sempre a amizade com
Deus, como bem foi exposto por São Paulo: “Assim como pela
desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim
pela obediência de um só todos se tornarão justos.” (Rom 5,19)
Por
tanto, a exclusividade da medição de Cristo refere-se à justificação
dos homens. A mediação da intercessão dos santos é de outra natureza,
referindo-se à providência de Deus em favor do nosso semelhante. Desta
forma, o texto de 1Tm 2,5 dentro de seu contexto não oferece qualquer
obstáculo à doutrina da intercessão dos santos.
2a. objeção: os santos não podem interceder por que após a morte não há consciência
Os
defensores desta objeção usam como fundamento as palavras do
Eclesiastes: “Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os
mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua
lembrança está esquecida.” (Ecl. 9,5) e ainda “Tudo que tua mão
encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na
região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência,
nem inteligência, nem sabedoria.” (Ecl. 9,10).
Já que a Bíblia é
um conjunto coeso de livros, não podemos aceitar a doutrina da
“dormição” ou “inconsciência” dos mortos simplesmente pelo fato de que
há versículos claros na Sagrada Escritura que mostram que os mortos não
estão nem “dormindo” e nem “inconscientes” (cf. Is 14, 9-10; 1Pd 3,19;
Mt 17,3; Ap 5,8; Ap 7,10; Ap 6,10); o que faria alguém pensar que há
contradições na Bíblia.
A questão é que os versículos citados do
Eclesiastes não fazem referência a um estado mental dos mortos, mas sim
ao infortúnio espiritual em que se encontram por causa do lugar onde
estão. Os mortos os quais os textos se referem são aqueles que morreram
na inimizade de Deus, e não a qualquer pessoa que morreu. Vejamos os
versículos abaixo:
“Ignora ele que ali há sombras e que os convidados [da senhora Loucura] jazem nas profundezas da região dos mortos.” (Prov 9,18)
“O sábio escala o caminho da vida, para evitar a descida à morada dos mortos.” (Prov 15,24)
Os
versículos acima mostram que a região dos mortos é um lugar de
desgraça, onde são encaminhados os inimigos de Deus. Isto é ainda mais
evidente em Prov 15,24. O sábio é aquele que guarda a ciência de Deus,
este quando morrer não vai para a “morada dos mortos”. As expressões
“morada dos mortos” ou “região dos mortos” fazem alusão a um lugar de
desgraça, onde os inimigos de Deus estão privados da Sua Graça.
Voltando
aos versículos do Eclesiastes, o escritor sagrado ao escrever que para
os mortos “não há mais recompensa”, “não há mais trabalho, nem ciência,
nem inteligência, nem sabedoria”, refere-se unicamente ao infortúnio que
existe “na região dos mortos, para onde” eles vão. Eles quem? Os que
estão mortos para Deus.
Por tanto, dentro de seu contexto, os
versículos do Eclesiastes também não oferecem qualquer imposição à
doutrina da intercessão dos santos.
3a. objeção: os santos não podem ouvir as orações dos que estão na terra porque não são oniscientes e nem onipresentes
São
Paulo nos ensina que a Igreja é o corpo de Cristo . Desta forma, os que
estão unidos a Cristo através de seu ingresso na Igreja, são membros do
Seu corpo. Isso quer dizer que tantos nós que estamos na terra, como os
que já morreram na amizade do Senhor, todos somos membros do Corpo
Místico de Cristo, onde Ele é a cabeça. Vejam:
- São Paulo ensina que a Igreja é corpo de Cristo: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja.” (Col 1,24)
- São Paulo ensina que somos membros do corpo de Cristo e por isto os cristãos estamos ligados uns aos outros: “assim nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro.” (Rom 12,5)
- São Paulo ensina que Cristo é a cabeça do seu corpo que é a Igreja: “Ele é a Cabeça do corpo, da Igreja.” (Col 1,18)
Isso
quer dizer que nós e os santos (que estão na presença de Deus) estamos
ligados, pois somos membros de um mesmo corpo, o corpo de Cristo, que é a
Igreja.
Assim como minha mão direita não pode se comunicar com a
esquerda sem que esse comando tenha sido coordenado pela minha cabeça
(caso contrário seria um movimento involuntário), da mesma forma, no
Corpo de Cristo os membros não podem se comunicar sem que essa
comunicação aconteça através da cabeça que é Cristo. Desta forma, quando
nós pedimos para que os santos intercedam por nós junto a Deus
(comunicação de um membro com o outro no corpo de Cristo), isso acontece
através de Cristo. Assim como a nossa cabeça pode coordenar movimentos
simultâneos entre os vários membros de nosso corpo, Cristo que é a
cabeça da Igreja e é onisciente e onipresente possibilita a comunicação
entre os membros do Seu corpo.
Por tanto, a falta de onipresença e
onisciência dos santos não apresenta qualquer impedimento para que eles
conheçam ou recebam nossos pedidos e então possam interceder por nós
junto a Deus.
4a. objeção: nós não podemos dirigir
nossa orações aos santos pois isto caracteriza evocação dos mortos que é
severamente proibida na Bíblia.
Esta objeção baseia-se principalmente nos versículos abaixo:
“Não se ache no meio de ti quem pratique a adivinhação, o sortilégio, a magia, o espiritismo, a evocação dos mortos: porque todo homem que fizer tais coisas constitui uma abominação para o Senhor” (Dt 18, 9-14) (grifos nossos).
“Se uma pessoa recorrer aos espíritos,
adivinhos, para andar atrás deles, voltarei minha face contra essa
pessoa e a exterminarei do meio do meu povo. (…) Qualquer mulher ou
homem que evocar espíritos, será punido de morte” (Lev 20, 6 – 27). (grifos nossos).
Conforme
vimos, Deus abomina a evocação dos mortos. No entanto, há uma diferença
tremenda entre evocar os mortos e dirigir nossos pedidos de orações aos
santos.
A evocação dos mortos é caracterizada pelo pedido de que o
espírito do defunto se apresente e então se comunique com os vivos como
se ainda estivesse na terra. Esta prática é condenada por Deus, pois em
vez de confiarmos na Providência Divina quanto ao futuro e às coisas
que necessitamos, deseja-se confiar nas instruções dos espíritos.
Conforme a Sagrada Escritura dá testemunho em I Samuel 28.
Na
intercessão dos santos, não estamos pedindo que o santo se apresente
para “bater um papo” a fim obter qualquer tipo de informação, mas sim,
dirigimos a eles nossos pedidos de oração, como se estivéssemos enviando
uma carta solicitando algo (o que é bem diferente de evocar mortos). Na
intercessão dos santos continuamos confiando na Providência Divina,
pois os santos são apenas mediadores. Quem atende aos nossos pedidos é
Deus.
Desta forma, as proibições divinas quanto à prática de espiritismo não se aplicam à doutrina da intercessão dos santos.
5a. objeção: não há sequer uma única referência bíblica em relação à intercessão dos santos
Há diversos versículos bíblicos que mostram que os santos oram na presença de Deus. Vejamos:
“Quando
abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas dos homens imolados
por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho de que eram
depositários. E clamavam em alta voz, dizendo: Até quando tu, que és o
Senhor, o Santo, o Verdadeiro, ficarás sem fazer justiça e sem vingar o
nosso sangue contra os habitantes da terra? Foi então dada a cada um
deles uma veste branca, e foi-lhes dito que aguardassem ainda um pouco,
até que se completasse o número dos companheiros de serviço e irmãos que
estavam com eles para ser mortos.” (Ap 6,9-11).
No trecho acima,
os santos estão clamando a Deus por Justiça. Alguém poderia dizer: “mas
eles estão intercedendo por eles mesmos e não pelos que ficaram na
terra”. Ora, e o que impede que o façam pelos que estão na terra? São
Paulo mesmo não recomenda que oremos pelos outros? (cf. 1Tm 2,1). Por
alguma razão estariam os santos incapazes de continuarem orando pelos
que estão na terra? Ora, alguém que esteja no seu juízo perfeito, há de
convir que, o fato dos santos estarem na presença de Deus, não é motivo
impeditivo para que intercedam pelos outros, muito pelo contrário, não
há melhor lugar e momento para fazê-lo. Veja ainda:
“Os quatro
viventes e os vinte e quatro anciões se prostraram diante do Cordeiro.
Tinha cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfumes, que são as
orações dos santos” (Ap 5,8). “A fumaça dos perfumes subiu da mão do
anjo com as orações dos santos, diante de Deus.” (Ap 8,4).
Nos
versículos acima os santos oram para Deus. Por que estariam orando, já
que estão salvos e gozando da presença do Senhor? Oram em nosso favor,
para que os que estão na terra também possam um dia estar com eles na
presença do Senhor.
No livro do profeta Jeremias lemos:
“Disse-me,
então, o Senhor: Mesmo que Moisés e Samuel se apresentassem diante de
mim, meu coração não se voltaria para esse povo. Expulsai-o para longe
de minha presença! Que se afaste de mim!” (Jr 15,1).
No tempo do
profeta, ambos Moisés e Samuel estavam mortos. Que sentido teria este
versículo caso não fosse possível que os dois intercedessem por Israel?
O Testemunho dos primeiros cristãos
Vejamos
agora o que professava os cristãos no tempo em que não havia divisão na
Cristandade, em relação à doutrina da intercessão dos santos:
“O
Pontífice não é o único a se unir aos orantes. Os anjos e as almas dos
juntos também se unem a eles na oração” (Orígenes, 185-254 d.C. Da
Oração).
“Se um de nós partir primeiro deste mundo, não cessem as nossa orações pelos irmãos” (Cipriano de Cartago, 200-258 d.C. Epístola 57)
“Aos
que fizeram tudo o que tiveram ao seu alcance para permanecer fiéis,
não lhes faltará, nem a guarda dos anjos nem a proteção dos santos”.
(Santo Hilário de Poitiers, 310-367 d.C).
“Comemoramos os que
adormeceram no Senhor antes de nós: patriarcas, profetas, Apóstolos e
mártires, para que Deus, por suas intercessões e orações, se digne
receber as nossas.” (São Cirilo de Jerusalém, 315-386 d.C. Catequeses
Mistagógicas).
“Em seguida (na Oração Eucarística), mencionamos os
que já partiram: primeiro os patricarcas, profetas, apóstolos e
mártires, para que Deus, em virtude de suas preces e intercessões,
receba nossa oração” (São Cirilo de Jerusalém, 315-386 d.C. Catequeses
Mistagógicas).
“Se os Apóstolos e mártires, enquanto estavam em
sua carne mortal, e ainda necessitados de cuidar de si, ainda podiam
orar pelos outros, muito mais agora que já receberam a coroa de suas
vitórias e triunfos. Moisés, um só homem, alcançou de Deus o perdão para
600 mil homens armados; e Estevão, para seus perseguidores. Serão menos
poderosos agora que reinam com Cristo? São Paulo diz que com suas
orações salvara a vida de 276 homens, que seguiam com ele no navio
[naufrágio na ilha de Malta]. E depois de sua morte, cessará sua boca e
não pronunciará uma só palavra em favor daqueles que no mundo, por seu
intermédio, creram no Evangelho?” (São Jerônimo, 340-420 d.C, Adv.
Vigil. 6).
“Portanto, como bem sabem os fiéis, a disciplina
eclesiástica prescreve que, quando se mencionam os mártires nesse lugar
durante a celebração eucarística, não se reza por eles, mas pelos outros
defuntos que também aí se comemoram. Não é conveniente orar por um
mátir, pois somos nós que devemos encomendar suas orações” (Santo
Agostinho, 391-430 d.C. Sermão 159,1)
“Não deixemos parecer para
nós pouca coisa; que sejamos membros do mesmo corpo que elas (Santa
Perpétua e Santa Felicidade) (…) Nós nos maravilhamos com elas, elas
sentem compaixão de nós. Nós nos alegramos por elas, elas oram por nós
(…) Contudo, nós todos servimos um só Senhor, seguimos um só Mestre,
atendemos um só Rei. Estamos unidos a uma Cabeça; nos dirigimos a uma
Jerusalém; seguimos após um amor, envolvendo uma unidade” (Santo
Agostinho, 391-430 d.C. Sermão 280,6)
“Por vezes, é a intercessão
dos santos que alcança o perdão das nossas faltas (1Jo 5,16; Tg 5,14-15)
ou ainda a misericórdia e a fé” (São João Cassiano. 360-435 d.C.
conferência 20).
Conclusão
Como pudemos
ver, a doutrina da intercessão do santos, não é invenção do catolicismo
(como pensam alguns), mas sim, uma legítima doutrina cristã, embasa
tanto nas Sagradas Escrituras, quanto na Tradição Apostólica. Os
primeiros cristãos jamais tiverem dúvidas quanto a ela (note que este
tema jamais foi centro de disputas conciliares). Esta doutrina confirma o
Amor de Deus para conosco e Seu plano de que sejamos uns para outros
instrumentos deste Amor.
Autor: Prof. Alessandro Lima.
Fonte: Veritatis Splendor
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