"O
 projeto de Igreja de Jorge Bergoglio está recém-esboçado, mas, a partir
 dos primeiros sinais, captam-se o seu porte e as suas implicações"
Por Domenico Rosati
Do encontro - o primeiro entre o papa Francisco e os bispos italianos - 
 as notícias assinalaram a ocorrida "restituição" à Conferência 
Episcopal Italiana (CEI) daquele papel de sujeito político que, ao menos
 em parte, lhe havia sido subtraído pela Secretaria de Estado no momento
 da substituição Ruini-Bagnasco.
O fato é, sem dúvida, notável para os fins da definição dos 
equilíbrios e das relações no novo pontificado, até mesmo porque o papa 
mostra não querer se deixar envolver em primeira pessoa nos intrincados 
fatos da realidade italiana. É uma atitude que derrama sobre o corpo 
representativo dos bispos o ônus de desenvolver uma reflexão aprofundada
 sobre as orientações e as opções do último período, caracterizado pelo 
investimento sobre o empreendimento-Monti, com os resultados culturais e
 eleitorais que todos conhecem.
Talvez isso se deu porque certas "competências" ainda não haviam sido
 atribuídas, mas não pode ser ignorada a circunstância de que, mesmo no 
denso discurso inaugural do cardeal presidente à Assembleia no dia 20 de
 maio, nem mesmo uma referência de análise foi esboçada sobre o que os 
bispos esperavam dos católicos – "ventre do futuro", dissera ele – e 
sobre o que, realisticamente, deveria ser registrado à luz do resultado 
da votação, e não só.
Mas, se o desenvolvimento do tema político deve ser necessariamente 
adiado para outra ocasião (e, espera-se, com uma abordagem de pensamento
 que leve em conta todos os fatores em jogo), o discurso que o bispo de 
Roma dirigiu aos seus colegas de toda a Itália se apresenta como um 
sinal de grande relevo tanto para o significado eclesial, quanto para as
 implicações práticas que ele também implica, se olharmos bem, nas suas 
repercussões sociais.
O cerne da mensagem é o "ofício do pastor", no sentido evangélico do 
termo. Podem-se obter duas impressões. A primeira é a de uma exortação 
geral, fora de tempo e lugar; a outra é a de uma advertência pontual às 
condições em que os pastores operam aqui na Itália. Os quais, nessa 
segunda versão que parece ser a mais apropriada, sentiram-se chamados à 
obrigação de "vigiar" não só sobre as comunidades que lhes são 
confiadas, mas também sobre si mesmos, para não se tornarem "um 
funcionário, um clérigo de Estado preocupado mais consigo mesmo, com a 
organização das estruturas, do que com o verdadeiro bem do povo de 
Deus".
É esse é o conceito que o papa que veio "do fim do mundo" teve do ar 
de Roma e arredores? E que efeito produz uma palavra tão direta naqueles
 que receberam a responsabilidade de "caminhar à frente do rebanho", com
 "sã celeridade apostólica" e, portanto, de desempenhar uma função de 
liderança?
Cuidado, porém: "Para tornar a nossa voz reconhecível", seja por 
aqueles que estão na fé católica, quanto por aqueles que são estranhos a
 ela, "é preciso também – diz Francisco – dispor-se a caminhar no meio e
 atrás do rebanho" para "ouvir o silencioso relato de quem sofre e para 
apoiar o passo daqueles que temem que não irão conseguir". Não somente 
guiar, portanto, mas também compartilhar, para ser capaz de "reerguer, 
tranquilizar, infundir esperança".
A circunstância do discurso era a de uma profissão de fé realizada de
 forma coletiva com os bispos e, portanto, centrada na relação com Deus.
 O Papa Francisco, porém, desenvolveu o tema detendo-se sobre a relação 
com o próximo, apontando, mais do que para a perfeição da doutrina, para
 o valor do testemunho.
A Igreja é crível se há coerência entre o que ela diz e o que ela 
faz. E é aí que se sente a brecha que existe entre uma fé cristã suposta
 e certificada de uma vez por todas e a avaliação cotidiana das atitudes
 e dos comportamentos como medida de julgamento e autenticidade. Para 
aqueles que estão acostumados – há gerações, para não dizer ab aeterno –
 às fórmulas jurídico-teológicas que permeiam grande parte do 
magistério, um papa que fala de Evangelho pode até ser um problema.
O projeto de Igreja de Jorge Bergoglio está recém-esboçado, mas, a 
partir dos primeiros sinais, captam-se o seu porte e as suas 
implicações. O da linguagem é apenas um corolário da ideia de "Igreja 
pobre para os pobres", que já se lê em mil títulos, mas que uma 
sequência faz com que seja melhor do que outras: um homem vestido de 
branco, precedido por uma cruz, que, a pé, atravessa de a nave de São 
Pedro e sobre ao altar da Confissão, sem um aplauso, sem um "viva o 
papa". Sedes gestatórias, incensos e flabelos permanecem guardados. E 
palavras sem ornamentos que expressam perguntas: "Quem somos, irmãos, 
diante de Deus? Quais são as nossas provas? O que Deus está nos dizendo 
através delas? Sobre o que estamos nos apoiando para superá-las?".
E respostas não automáticas, mas a serem encontradas juntos, "clero e
 povo", diria Rosmini. Onde o povo é recurso de boa vontade.
L'Unità, 27-05-2012.
 
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