4 novembro 2013
Por Reinaldo Azevedo
A INCRÍVEL ENTREVISTA DE UM MINISTRO DO SUPREMO – Barroso confessa que anencéfalos eram mero pretexto; ele quer é a liberação de qualquer aborto. Ou ainda: Quando a causa é “progressista”, atropelar a Constituição, para ele, é um dever; já os embargos infringentes…
Ministro Luís Roberto Barroso: um juiz não pode ter paixões nem ser militante de causas
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, concede
uma entrevista gigantesca a Carolina Brígido e Francisco Leali, do
Globo. Está na edição online de
sábado. Suponho que haja uma versão na impressa deste domingo. E ponham
“gigantesca” nisso: mais de 25 mil toques! Se, um dia, o papa Francisco
decidir dar um pingue-pongue ao jornal, será maior do que a
Enciclopédia Britânica. Questão de proporção, certo? Barroso faz uma
confissão espantosa: ao patrocinar a causa do aborto de anencéfalos,
tinha outra coisa em mente: a defesa de qualquer aborto. À época,
apontei isso aqui. Disseram que eu delirava e que minha oposição ao
aborto retirava a minha objetividade. Ao argumentar, cita como exemplo
positivo uma farsa grotesca ocorrida nos EUA em 1973. Não é só isso,
não. Como vocês poderão notar, o doutor acha legítimo deixar pra lá a
Constituição e as leis quando ele concorda com as demandas. Bem, vamos
lá. Registro trechos de perguntas e respostas em vermelho e comento em
azul. Embora a entrevista seja o chamado “pingue-pongue”, o que se lê é
“pingue-pingue”. Então eu me encarrego dos “pongues”, entenderam?
PINGUE-PINGUE – A REVOLUÇÃO
Agora que o senhor já está há um tempo no tribunal, pode avaliar: o Supremo é como o senhor imaginava, ou é diferente?
Embora eu conhecesse o tribunal como um observador externo, o volume e a diversidade do trabalho ainda assim me surpreenderam, assim como a quantidade de coisas que eu acho que não deveriam estar lá. Há no Supremo um varejo de miudezas maior do que o que eu imaginava e que consome muito o tempo dos ministros. Parte do meu trabalho e da minha equipe é identificar, num oceano de processos, o que justifica uma atuação do Supremo. Em três meses de tribunal, confirmei o meu sentimento de que é preciso fazer uma revolução no modo como o Supremo atua, sobretudo no modo como escolhe sua agenda.
Embora eu conhecesse o tribunal como um observador externo, o volume e a diversidade do trabalho ainda assim me surpreenderam, assim como a quantidade de coisas que eu acho que não deveriam estar lá. Há no Supremo um varejo de miudezas maior do que o que eu imaginava e que consome muito o tempo dos ministros. Parte do meu trabalho e da minha equipe é identificar, num oceano de processos, o que justifica uma atuação do Supremo. Em três meses de tribunal, confirmei o meu sentimento de que é preciso fazer uma revolução no modo como o Supremo atua, sobretudo no modo como escolhe sua agenda.
PONGUE – CONVERSA MOLE
Todos os que se propõem a fazer “revolução” acabam cometendo
injustiças novas sob o pretexto de combater as velhas. Por isso, leitor,
acredite apenas em “reforma”. A melhor maneira de você manter sempre
novo um poste, já observou Chesterton (perdoem-me por não citar Taiguara
ou Caetano Veloso), é pintá-lo. Um poste novo, sem manutenção,
envelhece. Quem ler a entrevista vai constatar que o ministro propõe
apenas uma nova forma de exercer o foro por prerrogativa de função —
logo, não é “revolução”. É que a palavra é atraente e lhe confere um ar
“moderno”. De resto, ele poderia ter rechaçado a demagogia — na
imprensa, jornalistas são contra o foro especial sem se dar conta das
implicações da sua eventual extinção — e lembrado que os réus do
mensalão julgados na primeira instância permanecerão impunes por anos a
fio. Só existe a possibilidade de punição de alguns porque o processo
correu no Supremo.
(…)
(…)
PINGUE-PINGUE – QUANDO O SUPREMO LEGISLA?
Há temas que o Supremo deveria tratar? Que mereceriam ainda uma definição mais clara?
Nem tudo que hoje é premente no Brasil comporta uma solução judicial. Acho que há muitas questões importantes no país que dependem de decisões políticas, e o Supremo não é o espaço mais adequado para as decisões políticas, salvo por exceções. Mas quando o Congresso não legisla…
O Supremo deve tomar decisões que têm impacto político basicamente em três situações. A primeira, quando o legislativo não tenha podido ou conseguido legislar sobre uma questão importante. Em segundo lugar, quando esteja em jogo um direito fundamental de uma minoria. Em terceiro lugar, para a proteção das regras do jogo democrático. São esses os três grandes papéis políticos de uma corte constitucional. (Em relação à) proteção das minorias, o Supremo fez, e bem, na questão das uniões homoafetivas. Em toda parte do mundo, direitos das minorias, homossexuais, negros, mulheres, dependem frequentemente do poder judiciário. As minorias, por serem minorias, não conseguem prevalecer no processo político majoritário. Então, para avançar uma agenda de direitos fundamentais das minorias muitas vezes só é possível fazer isso via judiciário. De certa forma, foi o que aconteceu nos Estados Unidos na questão do aborto em 1973. Transportando para o Brasil, acho que foi o que aconteceu nas uniões homoafetivas, na questão das interrupções das gestações de fetos anencefálicos.
Nem tudo que hoje é premente no Brasil comporta uma solução judicial. Acho que há muitas questões importantes no país que dependem de decisões políticas, e o Supremo não é o espaço mais adequado para as decisões políticas, salvo por exceções. Mas quando o Congresso não legisla…
O Supremo deve tomar decisões que têm impacto político basicamente em três situações. A primeira, quando o legislativo não tenha podido ou conseguido legislar sobre uma questão importante. Em segundo lugar, quando esteja em jogo um direito fundamental de uma minoria. Em terceiro lugar, para a proteção das regras do jogo democrático. São esses os três grandes papéis políticos de uma corte constitucional. (Em relação à) proteção das minorias, o Supremo fez, e bem, na questão das uniões homoafetivas. Em toda parte do mundo, direitos das minorias, homossexuais, negros, mulheres, dependem frequentemente do poder judiciário. As minorias, por serem minorias, não conseguem prevalecer no processo político majoritário. Então, para avançar uma agenda de direitos fundamentais das minorias muitas vezes só é possível fazer isso via judiciário. De certa forma, foi o que aconteceu nos Estados Unidos na questão do aborto em 1973. Transportando para o Brasil, acho que foi o que aconteceu nas uniões homoafetivas, na questão das interrupções das gestações de fetos anencefálicos.
PONGUE – A FARSA
É impressionante que um ministro do Supremo cite como exemplo virtuoso,
quando debate é aborto, o que se deu nos EUA em 1973. Pesquise a
respeito. Trata-se de uma das maiores farsas da história recente do
país. Instruída e manipulada por advogados, como ela mesma confessou, e
financiada por uma revista, Norma L. McCorvey (“Jane Roe”) alegou ter
sido estuprada para obter o direito ao aborto legal. Estudem sobre os
desdobramentos. Seu filho nasceu antes do término do processo. Foi dado
para a adoção. Era tudo guerra de propaganda. Mais tarde, afirmando ter
cometido o maior erro de sua vida, ela confessou: não tinha sido
estuprada coisa nenhuma; era só a personagem de uma causa.
Quando um ministro do Supremo diz que, para fazer avançar os direitos
das minorias, é preciso que se recorra ao Judiciário e cita aquele
exemplo, eu sou obrigado a constatar que as palavras fazem sentido. E
acho que ele está obrigado a responder uma questão: MESMO UMA FARSA
SERVE PARA FAZER AVANÇAR OS TAIS DIREITOS, MINISTRO? Se a sua resposta
for “não”, então mude de exemplo. Se a resposta for “sim”, estamos
ferrados.
Há mais: quando se fala em “direitos de minoria”, entende-se que se
está a falar de DIREITOS FUNDAMENTAIS. O aborto serve como exemplo de um
direito fundamental que se nega a uma minoria só por ela integrar essa
minoria??? Desenvolva a tese, ministro Barroso. Peguemos outro exemplo
eloquente: cotas raciais. Que direito fundamental estariam alguns
brasileiros impedidos de exercer em razão da cor da pele? A resposta é
óbvia: nenhum! “Ah, mas, na prática, não é o que acontece…” Então que se
pensem medidas suplementares. O que uma democracia não pode tolerar é
que se solapem direitos de uns para que possa tratar desigualmente os
desiguais.
PINGUE-PINGUE – A CONFISSÃO DE BARROSO SOBRE ANENCÉFALOS
Até hoje temos uma legislação antiga que criminaliza o aborto. O senhor acha que é um tema que o Supremo poderia resolver?
Sobre as questões que envolvam o Supremo, só gostaria de falar olhando para trás. Não gostaria de falar olhando para frente, porque isso poderia comprometer minha atuação como juiz. Mas tenho facilidade de responder a sua pergunta porque, no caso de anencefalia, se você ouvir a minha sustentação final (como advogado) e os memoriais finais que apresentei em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, a tese que eu defendia era a da liberdade reprodutiva da mulher. Portanto, a mulher tem o direito fundamental a escolher se ela quer ou não ter um filho. E esta tese vale para a anencefalia, como vale para qualquer outra gestação. O meu ponto de vista é transparente desde sempre. Se eu acho que o Supremo pode ou deve fazer isso, eu não vou te responder.
Sobre as questões que envolvam o Supremo, só gostaria de falar olhando para trás. Não gostaria de falar olhando para frente, porque isso poderia comprometer minha atuação como juiz. Mas tenho facilidade de responder a sua pergunta porque, no caso de anencefalia, se você ouvir a minha sustentação final (como advogado) e os memoriais finais que apresentei em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, a tese que eu defendia era a da liberdade reprodutiva da mulher. Portanto, a mulher tem o direito fundamental a escolher se ela quer ou não ter um filho. E esta tese vale para a anencefalia, como vale para qualquer outra gestação. O meu ponto de vista é transparente desde sempre. Se eu acho que o Supremo pode ou deve fazer isso, eu não vou te responder.
PONGUE – MINISTRO CONFESSA CASO DE ANENCÉFALOS FOI SÓ PRETEXTO
Assim como, nos EUA, a acusação de estupro serviu como pretexto para
que se fizesse a campanha em favor do aborto, por aqui, no Brasil, os
anencéfalos foram só uma estratégia. Quem confessa é Luís Roberto
Barroso, o patrocinador da causa. A resposta acima é mais do que
eloquente. O curioso é que, à época, apontei isso aqui. Apanhei muito.
Barroso tem um modo realmente especioso de argumentar. Reproduzo: “A
tese que eu defendia era a da liberdade reprodutiva da mulher. Portanto,
a mulher tem o direito fundamental a escolher se ela quer ou não ter um
filho.” Como? Então o mundo é assim: ele tem uma opinião e, em seguida,
recorre a uma conjunção conclusiva — PORTANTO — para dela extrair um
valor universal. Vamos submeter esse método a outras situações: “A tese
que eu defendo é que biscoito faz mal à saúde; portanto, biscoitos devem
ser proibidos”. Ou: “A tese que é eu defendo é que maconha é inócua
para a saúde; portanto, maconha deve ser liberada”.
Que fique claro: o Supremo não liberou o aborto coisa nenhuma. A fala
do ministro acaba atribuindo ao tribunal uma decisão que ele não tomou.
Ainda que eu considere a confissão de Barroso, com o devido respeito, a
admissão de uma fraude intelectual, dou-me por satisfeito: EU ESTAVA
CERTO. Sempre achei que era outra a causa real.
Observem que ele não dá a sua opinião sobre se o Supremo deve ou não
liberar todos os abortos. Se o tribunal o fizer, estará tomando o lugar
do Congresso, que é o Poder que redige a Constituição. NOTA:
a pergunta do Globo é militante. Entende-se que a legislação é “antiga”
porque criminaliza o aborto. Sei! Se fosse moderna, liberava. Assim, o
mérito de uma lei agora não se define por seu conteúdo, mas por sua
reputação: “antiga” ou “moderna”. Sigamos com mais um pouco de
pingue-pingue.
PINGUE-PINGUE – UM RACIOCÍNIO TORTO
A judicialização da política acontece mais em momentos em que o
legislativo atua menos. O legislativo tem sido leniente em certas
questões?
(…)
Onde haja lei, o judiciário deve fazer cumprir a lei, salvo as hipóteses extremas de a lei ser incompatível com a constituição. Agora, quando o legislativo não tenha atuado, porque não pôde, não quis ou não conseguiu, aí eu acho que muitas vezes o judiciário tem que se expandir, porque surgem as situações da vida, como foi em uniões homoafetivas, como foi em anencefalia, e o judiciário tem que atuar. Em algumas, o judiciário estendeu um pouco mais a corda para atender certas demandas sociais que não foram atendidas pelo processo político majoritário. (…)
(…)
Onde haja lei, o judiciário deve fazer cumprir a lei, salvo as hipóteses extremas de a lei ser incompatível com a constituição. Agora, quando o legislativo não tenha atuado, porque não pôde, não quis ou não conseguiu, aí eu acho que muitas vezes o judiciário tem que se expandir, porque surgem as situações da vida, como foi em uniões homoafetivas, como foi em anencefalia, e o judiciário tem que atuar. Em algumas, o judiciário estendeu um pouco mais a corda para atender certas demandas sociais que não foram atendidas pelo processo político majoritário. (…)
PONGUE – ARGUMENTOS VERGONHOSOS
A Constituição define o que é união estável. Está no Parágrafo 3º do
Artigo 226: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”. O Código Penal estabelece os
casos de aborto legal. Nem a Constituição era incompatível consigo mesma
nem o código é incompatível com a Carta. O papo é outro: Barroso acha
que o Supremo deve atuar como Legislativo quando ele concorda com a
causa e deve se ater ao texto escrito quando ele não concorda. E isso
ficará claríssimo na resposta seguinte.
PINGUE-PINGUE – O DEPUTADO PRESIDIÁRIO: CRIAÇÃO DE BARROSO
Mas no caso do deputado Donadon, tinha uma decisão do Congresso…
Quando eu entrei no Supremo, ele era dividido: cinco ministros achavam que a competência para determinar a perda do mandato em caso de condenação criminal era do próprio Supremo. E cinco ministros achavam que era do Congresso. Acho que o modelo ideal é de que a perda do mandato em caso de crime grave não dependa do Congresso. O modelo ideal é o que a perda de mandato em caso de crime grave seja uma consequência natural da decisão do Supremo. Embora ache isso, a Constituição é inequívoca, ela é claríssima ao dizer que a palavra final é do Congresso Nacional. Acho ruim, acho que não deveria ser assim, mas eu não sou o constituinte. No caso Donadon, o Supremo condenou esse parlamentar a mais de 13 anos de prisão com regime inicial fechado. Ele tem que cumprir efetivamente preso um sexto da pena pelo menos, o que dá mais de dois anos. Aí a Câmara, para a surpresa geral, delibera não retirar o mandato dele, preservar o mandato dele. Aí um parlamentar do PSDB entra com um mandado de segurança dizendo, neste caso, que a competência não deve ser do plenário, mas da mesa. Verifico que este parlamentar vai ter que passar mais tempo preso em regime fechado do que o prazo que lhe resta de mandato. Portanto, ele tem uma impossibilidade material e jurídica de preservar este mandato. A Constituição diz que o parlamentar que se afastar por mais de 120 dias terá a perda do mandato declarada pela mesa da Câmara, e não uma decisão política do caso. Então está aí a solução para o caso Donadon. Embora a regra geral seja a perda de mandato por uma decisão política do Congresso, na hipótese de regime fechado, como ele tem que se ausentar por mais de 120 dias, o próprio sistema da Constituição transfere a decisão desse caso para a mesa. Acho que a decisão é compatível com a Constituição e preserva o Congresso.
Quando eu entrei no Supremo, ele era dividido: cinco ministros achavam que a competência para determinar a perda do mandato em caso de condenação criminal era do próprio Supremo. E cinco ministros achavam que era do Congresso. Acho que o modelo ideal é de que a perda do mandato em caso de crime grave não dependa do Congresso. O modelo ideal é o que a perda de mandato em caso de crime grave seja uma consequência natural da decisão do Supremo. Embora ache isso, a Constituição é inequívoca, ela é claríssima ao dizer que a palavra final é do Congresso Nacional. Acho ruim, acho que não deveria ser assim, mas eu não sou o constituinte. No caso Donadon, o Supremo condenou esse parlamentar a mais de 13 anos de prisão com regime inicial fechado. Ele tem que cumprir efetivamente preso um sexto da pena pelo menos, o que dá mais de dois anos. Aí a Câmara, para a surpresa geral, delibera não retirar o mandato dele, preservar o mandato dele. Aí um parlamentar do PSDB entra com um mandado de segurança dizendo, neste caso, que a competência não deve ser do plenário, mas da mesa. Verifico que este parlamentar vai ter que passar mais tempo preso em regime fechado do que o prazo que lhe resta de mandato. Portanto, ele tem uma impossibilidade material e jurídica de preservar este mandato. A Constituição diz que o parlamentar que se afastar por mais de 120 dias terá a perda do mandato declarada pela mesa da Câmara, e não uma decisão política do caso. Então está aí a solução para o caso Donadon. Embora a regra geral seja a perda de mandato por uma decisão política do Congresso, na hipótese de regime fechado, como ele tem que se ausentar por mais de 120 dias, o próprio sistema da Constituição transfere a decisão desse caso para a mesa. Acho que a decisão é compatível com a Constituição e preserva o Congresso.
PONGUE – MINISTRO TENTA SE LIVRAR DE VEXAME, MAS…
Barroso foi a principal estrela — teórica ao menos — de um grande
vexame. Com o seu infeliz voto de desempate, decidiu-se que cabia ao
Senado e à Câmara cassar ou não o voto de um parlamentar condenado, com
sentença transitada em julgado, em processo criminal. Vocês se lembram
do debate. A Constituição, com efeito, é ambígua a respeito, mas também
oferece saída. Esse julgamento se deu no caso do senador Ivo Cassol. O
de Donadon era anterior. O tribunal não tratara da cassação de seu
mantado porque, à época do julgamento, havia renunciado, elegendo-se de
novo posteriormente. De todo modo, a tese de Barroso foi testada na
prática: a Câmara se negou a cassar o mandato do condenado, e se criou a
figura do parlamentar presidiário.
Deputados recorreram ao Supremo, e Barroso concedeu um liminar que,
vênia máxima, é escandalosa: para ele, o mandato está automaticamente
cassado, independendo da vontade dos parlamentares, se o tempo que restar desse mandato for inferior à pena… Como
já demonstrei aqui, segundo o pensamento desse grande especialista, se
um senador for condenado a uma pena inferior a oito anos logo nos
primeiros meses de mandato, então senador ele continuará… Mais: seu
texto fez lambança: considerou como fator impeditivo apenas o regime
fechado, o que ele repete na resposta acima. Ocorre que os regimes
“semiaberto” e “aberto” são também… fechados (pesquisem), embora mais
relaxados. A tese do doutor, portanto, comporta o
parlamentar-presidiário, que passa o dia na Câmara e no Senado e a noite
na prisão. É um escracho!
Ora, ora… O ministro que defende que o Supremo faça o que o Congresso
não faz; o ministro que defendeu a união civil de homossexuais contra o
que vai na Constituição; o ministro que defendeu o aborto de
anencéfalos (e, confessa agora, qualquer aborto) contra o que está na
Carta e no Código Penal, esse mesmo ministro alega que, no caso dos
mandatos, não poderia ter votado diferente porque, afinal, é o que está
na lei… Perfeitamente! É um legalista quando convém e um, digamos,
“criativo” quando se comporta como militante de uma causa.
PINGUE-PINGUE – O CONTRAMAJORITÁRIO DO MENSALÃO
Assustou como os ânimos estão postos no STF com relação ao mensalão?
Julguei primeiro os embargos de declaração e depois o cabimento dos embargos infringentes da maneira que achava correta. A despeito de reações e de paixões, vivi e continuo a viver dias intimamente muito tranquilos. Fiz o que acho certo. Os embargos infringentes estavam em vigor. Eles constavam do regimento interno do STF. Se você quiser minha opinião pessoal, te diria que estava louco para acabar com esse processo. O país não aguenta mais a AP 470. Mas o meu papel como juiz não é fazer o que eu quero, é fazer o que é certo, e o que é certo é o cabimento dos embargos infringentes. Decidi pelo seu cabimento lamentando, mas a Constituição existe para que o direito de 12 ou de 13 não seja atropelado pelo desejo de 100 milhões. Sou um juiz e ser juiz significa imunizar-se contra o contágio das paixões.
Julguei primeiro os embargos de declaração e depois o cabimento dos embargos infringentes da maneira que achava correta. A despeito de reações e de paixões, vivi e continuo a viver dias intimamente muito tranquilos. Fiz o que acho certo. Os embargos infringentes estavam em vigor. Eles constavam do regimento interno do STF. Se você quiser minha opinião pessoal, te diria que estava louco para acabar com esse processo. O país não aguenta mais a AP 470. Mas o meu papel como juiz não é fazer o que eu quero, é fazer o que é certo, e o que é certo é o cabimento dos embargos infringentes. Decidi pelo seu cabimento lamentando, mas a Constituição existe para que o direito de 12 ou de 13 não seja atropelado pelo desejo de 100 milhões. Sou um juiz e ser juiz significa imunizar-se contra o contágio das paixões.
PONGUE – COMPROVADO O LEGALISMO AD HOC
A Constituição existe para ser cumprida. Nem pode a vontade de 100
milhões fraudá-la para punir 12 ou 13, como ele diz, nem pode a causa
influente de 12 ou 13 — ou de 13 mil ou de 13 milhões — atropelar seus
fundamentos. O problema de Barroso é que, não há como concluir outra
coisa, ele acha legítimo que se mandem às favas os textos legais quando
ele concorda com as demandas, mas, se discorda, mesmo o que encontra
amparo legal é logo tratado como agressão a direitos fundamentais. Sua
tese sobre os embargos infringentes, embora majoritária no Supremo, é
que é escandalosa. Banânia deve ser o único país do mundo em que um
Regimento Interno de um tribunal pode mais do que uma lei.
PINGUE-PINGUE – O SOFRIMENTO
As críticas não o incomodaram?
As críticas me incomodaram na medida em que a minha mulher sofreu, os meus filhos sofreram. As redes sociais dizem barbaridades. Porém, ou não sofri na minha relação comigo mesmo um segundo sequer. Na minha relação com o mundo, evidentemente eu lamento. Uma coisa que nós precisamos fazer no Brasil no debate público em geral, e não tem nada a ver com mensalão, é trabalhar sob duas premissas civilizatórias importantes. A primeira: quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, é meu parceiro na construção de um mundo plural. Vinicius de Morais diz “bastar-se a si mesmo é a maior solidão” e eu acho isso também. A segunda coisa: a divergência deve focar no argumento, e não na pessoa.
As críticas me incomodaram na medida em que a minha mulher sofreu, os meus filhos sofreram. As redes sociais dizem barbaridades. Porém, ou não sofri na minha relação comigo mesmo um segundo sequer. Na minha relação com o mundo, evidentemente eu lamento. Uma coisa que nós precisamos fazer no Brasil no debate público em geral, e não tem nada a ver com mensalão, é trabalhar sob duas premissas civilizatórias importantes. A primeira: quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, é meu parceiro na construção de um mundo plural. Vinicius de Morais diz “bastar-se a si mesmo é a maior solidão” e eu acho isso também. A segunda coisa: a divergência deve focar no argumento, e não na pessoa.
PONGUE – DEIXA COMIGO!
O ministro fique tranquilo: as redes sociais bateram ainda mais naqueles
que se opuseram aos embargos infringentes porque os petistas, que as
aparelham, mobilizaram ao sua tropa de choque. Com um agravante: boa
parte da campanha suja é financiada com dinheiro público, oriundo de
administrações petistas e de estatais — dinheiro do povo.
Quanto ao mais, ele pode ficar tranquilo. Se depender deste blog, o
debate será sempre feito, segundo premissas as mais civilizatórias.
Barroso, está posto, não é um inimigo. É só alguém que está, segundo o
ponto de vista aqui exposto, errado sobre um monte de coisas. E fico,
sim, escandalizado que um agora ministro confesse que, quando advogado —
e faz bem pouco tempo — usou uma causa (os anencéfalos) para tentar
emplacar outra: a liberação de qualquer aborto. A desonestidade
intelectual faz parte da história da civilização — da parte ruim.
Apontá-la é, entendo, uma premissa civilizatória. Parece-me, igualmente,
um princípio importante que um juiz, no caso de uma omissão legal,
decida com base em fundamentos gerais, em valores expressos pelos
códigos em vigência. O que tenho por inaceitável é que tome uma decisão
CONTRA o que está escrito em nome do que pensa ser um mundo melhor.
O prédio onde se cuida dessas coisas é outro. E um juiz sempre pode largar a toga e se candidatar.
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