Daniela
Marques, casada com Felipe Marques há 10 anos, acredita que é possível
ter uma vida sexual sem neuras, mesmo acreditando em valores cristãos
A máxima que diz que entre quatro paredes vale tudo não serve para quem
usa a bíblia como manual para o sexo. Para a maioria dos evangélicos
(22,2% da população, segundo o censo 2012 do IBGE, incluindo todas as
vertentes da religião), antes do desejo vem a vontade de Deus. Mas nem
só de oração vivem os casais religiosos. Apesar das restrições que
envolvem os lençóis daqueles que seguem o que se costuma chamar de
sexualidade cristã, a busca pelo prazer também existe.
A ideia
do sexo apenas como ato para a procriação já anda ficando para trás na
grande parte das correntes religiosas evangélicas de missão e de origem
pentecostal. O assunto é cada vez mais abordado, inclusive dentro das
igrejas, a despeito dos tabus que ainda se proliferam.
Percebendo a importância de uma boa vida sexual para o equilíbrio do
casamento, os fiéis também estão interessados em esquentar as coisas na
cama. A curiosidade crescente pelo tema tem impulsionado até o
surgimento de um mercado erótico exclusivo para esse público, com sex
shops que geralmente trazem as palavras "cristão", "evangélico" ou
"gospel" no nome.
As diferenças em relação a sex shops convencionais não se resumem ao nome. A loja virtual Para Evangélicos,
por exemplo, deixa claro logo na primeira página do site que é um sex
shop para "casais casados". Além disso, o proprietário Rafael Pedroso
explica que o leque de brinquedos eróticos disponíveis é um pouco
diferente. "Não focamos a exposição de produtos voltados ao
sadomasoquismo e aos homossexuais".
A loja também não exibe
imagens muito explícitas e evita divulgar produtos como próteses
penianas e vaginais, apesar de comercializá-las. O destaque maior é para
os cosméticos, como óleos, bolinhas explosivas e géis.
Pedroso, que já atua no ramo erótico há cinco anos, conta que decidiu
criar o negócio depois de perceber que a maioria dos seus clientes das
vendas por catálogo era formada por evangélicos.
Prazer e pecado
Mesmo querendo quebrar a rotina sexual, muitos casais evangélicos têm
dúvidas de até onde podem ir sem cair no pecado. A bíblia é uma só, mas
as interpretações e divergências são muitas. Para o médico ginecologista
Waldir Moreno Arevalo, especialista em Terapia Sexual e membro da
Primeira Igreja Batista de Santo André (SP), a liberdade do casal é
grande, desde que de comum acordo e com base no amor, carinho e afeto.
"No Livro de Cantares (da bíblia) existem várias passagens em que o
casal usa locais eróticos, como jardins, frutas para se revigorar,
visualização do corpo nu para se erotizar, coisas que depois de séculos a
ciência veio orientar para a melhora do desempenho sexual", afirma
Arevalo, sobre o que é válido para apimentar a relação sem fugir dos
valores cristãos, segundo sua orientação religiosa.
O médico, que também é palestrante na área e autor do livro "O Sexo Que
Deus Criou", não vê problema no uso de alguns produtos eróticos, como
cremes e óleos aromáticos. "Na orientação bíblica, o único sexo no
casamento que deve ser evitado é o sexo anal", diz Arevalo.
Não é raro nas congregações mais conservadoras a condenação até do sexo oral. Para Daniela Marques, autora do blog Salve Meu Casamento,
que se intitula apenas como cristã, o parâmetro do que é permitido ou
não entre quatro paredes deve ser a intenção e os sentimentos que
norteiam a união.
"Colocar a boca em alguma parte do corpo do
cônjuge, ir ao motel, fazer canguru perneta ou utilizar adereços para
apimentar a relação só será pecado se o que vier de dentro for ruim, ou
seja, se a intenção do coração for má. Se for prazeroso para ambos,
feito com amor e dentro da aliança do casamento, não vejo problema
algum", declara Daniela, com a segurança de quem já está acostumada a
falar sobre assuntos polêmicos sem meias palavras.
Tabus e culpa
O pastor Cláudio Duarte, autor do livro "Sexualidade Sem Censura"
(Editora Central Gospel), também não tem dificuldade em discorrer sobre
sexo com desenvoltura e humor. Os vídeos com trechos de suas palestras
acerca do assunto contabilizam milhões de visualizações no YouTube.
Apesar do tom descontraído de suas pregações, o pastor, que atua
na Igreja Batista Monte Horebe, em Campo Grande e na Barra da Tijuca,
no Rio de Janeiro, acredita que alguns limites devem ser seguidos, mesmo
que exista amor e entendimento entre o casal. Duarte condena idas ao
motel e, apesar de ser a favor de alguns produtos eróticos, como óleos e
bolinhas explosivas, diz que a proximidade com sex shops pode ser
perigosa, por causa dos outros itens que também são vendidos, mas afirma
que "cada caso é um caso".
"Não posso dizer que ir ao motel é
pecado, mas não recomendo, por causa do ambiente espiritual. Mais de 90%
dos relacionamentos mantidos em motéis são extraconjugais ou
homossexuais. E a Bíblia diz que não devo colocar minha esposa em um
leito maculado, ou seja, sujo espiritualmente", justifica.
Mesmo
defendendo algumas restrições no sexo, Duarte acredita na importância
do prazer na vida a dois. Entretanto, reconhece que muitos líderes
religiosos ainda têm dificuldade em tratar do tema, às vezes confundindo
suas próprias preferências com mensagens da bíblia, e que faltam
informações para os fiéis. "Por muito tempo, a igreja tratou o sexo como
se ele fosse o pecado de Adão e Eva", lembra.
Página do sex shop virtual Para Evangélicos traz imagens românticas e nada de sexo explícito
Daniela Marques também percebe a desinformação, além de vários tabus e
sentimento de culpa, nos muitos e-mails que recebe com pedidos de
orientação. "Conheço casais que pedem perdão depois do sexo. Isso não
tem fundamento bíblico algum".
A blogueira também desenvolve um
trabalho de aconselhamento com pastores, para auxiliá-los a falar do
assunto com mais naturalidade. Para Daniela, casada há 10 anos com
Felipe Marques, os valores cristãos não a impedem de ter um
relacionamento sexual prazeroso, satisfatório e sem neuras. "Muitos cristãos que realmente entenderam a grandeza do amor de Deus por
nós, através da vida e dos ensinamentos de Jesus, conseguem viver uma
vida sexual plena e livre da culpa", diz ela.
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