Redação - (Quarta-feira, 04-12-2013, Gaudium Press)
- O mundo católico, volta-se para a Santa Mãe de Deus para
reverenciá-la no próximo domingo, 8 de dezembro, comemorando o dogma da
Imaculada Conceição de Maria. As considerações que abaixo transcrevemos
foram tiradas do "Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado",
escrito por Monsenhor João Clá Dias, EP, e serve para anteciparmos o
que, certamente, será dito sobre Aquela que foi concebida sem a mancha
do pecado original. Eis o texto:
O vocabulário humano não é suficiente
para exprimir a santidade de Nossa Senhora. Na ordem natural, os Santos e
os Doutores A compararam ao sol. Mas se houvesse algum astro
inconcebivelmente mais brilhante e mais glorioso do que o sol, é a esse
que A comparariam. E acabariam por dizer que este astro daria d'Ela uma
imagem pálida, defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela
transcendeu de muito todas as virtudes, não só de todos os varões e
matronas insignes da Antiguidade, mas - o que é incomensuravelmente mais
- de todos os Santos da Igreja Católica.
Imagine-se uma criatura tendo todo o
amor de São Francisco de Assis, todo o zelo de São Domingos de Gusmão,
toda a piedade de São Bento, todo o recolhimento de Santa Teresa, toda a
sabedoria de São Tomás, toda a intrepidez de Santo Inácio, toda a
pureza de São Luiz Gonzaga, a paciência de um São Lourenço, o espírito
de mortificação de todos os anacoretas do deserto: ela não chegaria aos
pés de Nossa Senhora.
Mais ainda. A glória dos Anjos é algo de
incompreensível ao intelecto humano. Certa vez, apareceu a um santo o
seu Anjo da Guarda. Tal era sua glória, que o Santo pensou que se
tratasse do próprio Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo
revelou quem era. Ora, os Anjos da Guarda não pretendem habitualmente às
mais altas hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está
incomensuravelmente acima da de todos os coros angélicos.
Poderia haver contraste maior entre esta
obra-prima da natureza e da graça, não só indescritível mas até
inconcebível, e o charco de vícios e misérias, que era o mundo antes de
Cristo?
A Imaculada Conceição
A esta criatura dileta entre todas,
superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à humanidade
santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio
incomparável, que é a Imaculada Conceição.
Em virtude do pecado original, a
inteligência humana se tornou sujeita a errar, a vontade ficou exposta a
desfalecimentos, a sensibilidade ficou presa das paixões desordenadas, o
corpo por assim dizer foi posto em revolta contra a alma.
Ora, pelo privilégio de sua Conceição
Imaculada, Nossa Senhora foi preservada da mancha do pecado original
desde o primeiro instante de seu ser. E, assim, n'Ela tudo era harmonia
profunda, perfeita, imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro,
dotado de um entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível,
iluminado pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das
coisas do Céu e da Terra.
A vontade, dócil em tudo ao intelecto,
estava inteiramente voltada para o bem, e governava plenamente a
sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que não
fosse plenamente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade
naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão
irrepreensível, esta e aquela enriquecidas e super-enriquecidas de
graças inefáveis, perfeitissimamente correspondidas a todo o momento, e
se pode ter uma ideia do que era a Santíssima Virgem. Ou antes se pode
compreender por que motivo nem sequer se é capaz de formar uma ideia do
que a Santíssima Virgem era.
"Inimicitias Ponam"
Dotada de tantas luzes naturais e
sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por certo, em seus dias, a infâmia
do mundo. E com isto amargamente sofreu. Pois quanto maior é o amor à
virtude, tanto maior é o ódio ao mal.
Ora, Maria Santíssima tinha em si
abismos de amor à virtude, e, portanto, sentia forçosamente em si
abismos de ódio ao mal. Maria era pois inimiga do mundo, do qual viveu
alheia, segregada, sem qualquer mistura nem aliança, voltada unicamente
para as coisas de Deus.
O mundo, por sua vez, parece não ter
compreendido nem amado Maria. Pois não consta que lhe tivesse tributado
admiração proporcionada à sua formosura castíssima, à graça nobilíssima,
a seu trato dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível, mais
abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.
E como não haveria de ser assim? Que
compreensão poderia haver entre Aquela que era toda do Céu, e aqueles
que viviam só para a Terra? Aquela que era toda fé, pureza, humildade,
nobreza, e aqueles que eram todos idolatria, ceticismo, heresia,
concupiscência, orgulho, vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria,
razão, equilíbrio, senso perfeito de todas as coisas, temperança
absoluta e sem mácula nem sombra, e aqueles que eram todo desmando,
extravagância, desiquilíbrio, senso errado, cacofônico, contraditório,
berrante a respeito de tudo, e intemperança crônica, sistemática,
vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era a fé levada por uma
lógica adamantina e inflexível a todas as suas consequências, e aqueles
que eram o erro levado por uma lógica infernalmente inexorável, também a
suas últimas consequências? Ou aqueles que, renunciando a qualquer
lógica, viviam voluntariamente num pântano de contradições, em que todas
as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetração de
todos os erros que lhe são contrários?
"Imaculado" é uma palavra negativa. Ela
significa etimologicamente a ausência de mácula, e pois de todo e
qualquer erro por menos que seja, de todo e qualquer pecado por mais
leve e insignificante que pareça. É a integridade absoluta na fé e na
virtude. E, portanto, a intransigência absoluta, sistemática,
irredutível, a aversão completa, profunda, diametral a toda a espécie de
erro ou de mal. A santa intransigência na verdade e no bem, é a
ortodoxia, a pureza, enquanto em oposição à heterodoxia e ao mal. Por
amar a Deus sem medida, Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o
Coração tudo quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou
sem medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio e a carne.
Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa intransigência.
Verdadeiro ódio, verdadeiro amor
Por isto, Nossa Senhora rezava sem
cessar. E segundo tão razoavelmente se crê, Ela pedia o advento do
Messias, e a graça de ser uma serva daquele que fosse escolhida para Mãe
de Deus.
Pedia o Messias, para que viesse Aquele
que poderia fazer brilhar novamente a justiça na face da Terra, para que
se levantasse o Sol divino de todas as virtudes, espancando por todo o
mundo as trevas da impiedade e do vício.
Nossa Senhora desejava, é certo, que os
justos vivendo na Terra encontrassem na vinda do Messias a realização de
seus anseios e de suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e
que de todos os pauis, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da
graça, levantassem voo para os mais altos píncaros da santidade. Pois
estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e
as derrotas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo o mal. A
Virgem queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na
Terra da ordem desejada pelo Criador.
Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não
ignorava que este seria a Pedra de escândalo, pela qual muitos se
salvariam e muitos receberiam também o castigo de seu pecado. Este
castigo do pecador irredutível, este esmagamento do ímpio obcecado e
endurecido, Nossa Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma
das consequências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e
pediu como ninguém. Ut inimicos Santae Ecclesiae Humiliare digneris, Te
rogamus audi nos, canta a Liturgia. E antes da Liturgia por certo o
Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela
derrota dos ímpios irredutíveis. Admirável exemplo de verdadeiro amor,
de verdadeiro ódio.
Onipotência suplicante
Deus quer as obras. Ele fundou a Igreja
par ao apostolado. Mas acima de tudo quer a oração. Pois a oração é a
condição da fecundidade de todas as obras. E quer como fruto da oração a
virtude.
Rainha de todos os apóstolos, Nossa
Senhora e entretanto principalmente o modelo das almas que rezam e se
santificam, a estrela podar de toda meditação e vida interior. Pois,
dotada de virtude imaculada, Ela dez sempre o que era mais razoável, e
se nunca sentiu em si as agitações e as desordens das almas que só amam a
ação e a agitação, nunca experimentou em si, tampouco, as apatias e as
negligências das almas frouxas que fazem da vida interior um pára-vento a
fim de disfarçar sua indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento
do mundo não significou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos
ímpios e pelos pecadores do que Aquela que, para os salvar,
voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima de seu Filho
infinitamente inocente e santo? Quem fez mais pelos homens, do que
Aquela que consentiu se realizasse em seus dias a promessa da vinda do
Salvador?
Mas, confiante sobretudo na oração e na
vida interior, não nos deu a Rainha dos Apóstolos uma grande lição de
apostolado, fazendo de uma e outra o seu principal instrumento de ação?
Aplicação a nossos dias
Tanto valem aos olhos de Deus as almas
que, como Nossa Senhora, possuem o segredo do verdadeiro amor e do
verdadeiro ódio, da intransigência perfeita, do zelo incessante, do
completo espírito de renúncia, que propriamente são elas que podem
atrair para o mundo as graças divinas.
Estamos numa época parecida com a da
vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928 escreveu o Santo Padre Pio XI que
"o espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo,
que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que trará o Homem
do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a
honra de um culto" (Enc. Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de
1928).
Que diria ele hoje? E a nós, que nos
compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos, com todas as armas
lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo, confiar na vida interior e
na oração. É o grande exemplo de Nossa Senhora.
O exemplo de Nossa Senhora, só com o
auxílio de Nossa Senhora se pode imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só
com a devoção a Nossa Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria
Santíssima no que de melhor pode consistir, do que em lhe pedirmos não
só o amor a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor
ao bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência,
que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?
* * * * * * *
A Imaculada Conceição da Maria Virgem -
singular privilégio concedido por Deus, desde toda a eternidade, Àquela
que seria Mãe de seu Filho Unigênito - preside a todos os louvores que
Lhe rendemos na recitação de seu Pequeno Ofício. Assim, parece-nos
oportuno percorrer rapidamente a história dessa "piedosa crença" que
atravessou os séculos, até encontrar, nas infalíveis palavras de Pio IX,
sua solene definição dogmática.
Onze séculos de tranquila aceitação da "piedosa crença"
Os mais antigos Padres da Igreja, amiúde se expressam em termos que traduzem sua crença na absoluta imunidade do
pecado, mesmo o original, concedida à Virgem Maria. Assim, por exemplo,
São Justino, Santo Irineu, Tertuliano, Firmio, São Cirilo de Jerusalém,
Santo Epifânio, Teódoro de Ancira, Sedulio e outros comparam Maria
Santíssima com Eva antes do pecado. Santo Efrém, insigne devoto da
Virgem, A exalta como tendo sido "sempre, de corpo e de espírito,
íntegra e imaculada". Para Santo Hipólito Ela é um "tabernáculo isento
de toda corrupção". Orígenes A aclama "imaculada entre imaculadas, nunca
afetada pela peçonha da serpente". Por Santo Ambrósio é Ela declarada
"vaso celeste, incorrupta, virgem imune por graça de toda mancha de
pecado". Santo Agostinho afirma, disputando contra Pelágio, que todos os
justos conheceram o pecado, "menos a Santa Virgem Maria, a qual, pela
honra do Senhor, não quero que entre nunca em questão quando se trate de
pecados".
Cedo começou a Igreja - com primazia da
Oriental - a comemorar em suas funções litúrgicas a imaculada conceição
de Maria. Passaglia, no seu De Inmaculato Deiparae Conceptu, crê que a
princípios do Século V já se celebrava a festa da Conceição de Maria
(com o nome de Conceição de Sant'Ana) no Patriarcado de Jerusalém. O
documento fidedigno mais antigo é o cânon de dita festa, composto por
Santo André de Creta, monge do mosteiro de São Sabas, próximo a
Jerusalém, o qual escreveu seus hinos litúrgicos na segunda metade do
século VII.
Tampouco faltam autorizadíssimos
testemunhos dos Padres da Igreja, reunidos em Concílio, para provar que
já no século VII era comum e recebida por tradição a piedosa crença,
isto é, a devoção dos fiéis ao grande privilégio de Maria (Concílio de
Latrão, em 649, e Concílio Constantinopolitano III, em 680).
Em Espanha, que se gloria de ter
recebido com a fé o conhecimento deste mistério, comemora-se sua festa
desde o século VII. Duzentos anos depois, esta solenidade aparece
inscrita nos calendários da Irlanda, sob o título de "Conceição de
Maria".
Também no século IX era já celebrada em
Nápoles e Sicílias, segundo consta do calendário gravado em mármore e
editado por Mazzocchi em 1744. Em tempos do Imperador Basílio II
(976-1025), a festa da "Conceição de Sant'Ana" passou a figurar no
calendário oficial da Igreja e do Estado, no Império Bizantino.
No século XI parece que a comemoração da
Imaculada estava estabelecida na Inglaterra, e, pela mesma época, foi
recebida em França. Por uma escritura de doação de Hugo de Summo, consta
que era festejada na Lombardia (Itália) em 1047. Certo é também que em
fins do século XI, ou princípios do XII, celebrava-se em todo o antigo
Reino de Navarra.
Séculos XII-XIII: Oposições
No mesmo século XII começou a ser
combatido, no Ocidente, este grande privilégio de Maria Santíssima. Tal
oposição haveria ainda de ser mais acentuada e mais precisa na centúria
seguinte, no período clássico da escolástica. Entre os que puseram em
dúvida a Imaculada Conceição, pela pouca exatidão de idéias à matéria
encontram-se doutos e virtuosos varões, como, por exemplo, São Bernardo,
São Boaventura, Santo Alberto Magno e o angélico São Tomás de Aquino.
Século XIV: Escoto e a reação a favor do dogma
O combate a esta augusta prerrogativa da
Virgem não fez senão acrisolar o ânimo de seus partidários. Assim, o
século XIV se inicia com uma grande reação a favor da Imaculada, na qual
se destacou, como um de seus mais ardorosos defensores, o beato
espanhol Raimundo Lulio.
Outro dos primeiros e mais denodados
campeões da Imaculada Conceição foi o venerável João Duns Escoto (seu
país natal é incerto: Escócia, Inglaterra ou Irlanda; morreu em 1308),
glória da Ordem dos Menores Franciscanos, o qual, depois de bem fixar os
verdadeiros termos da questão, estabeleceu com admirável clareza os
sólidos fundamentos para desvanecer as dificuldades que os contrários
opunham à singular prerrogativa mariana.
Sobre o impulso dado por Escoto à causa
da Imaculada Conceição, existe uma tocante legenda. Teria ele vindo de
Oxford a Paris, precisamente para fazer triunfar o imaculatismo. Na
Universidade da Sorbonne, em 1308, sustentou uma pública e solene
disputa em favor do privilégio da Virgem.
No dia dessa grande ato, Escoto, quando
chegou ao local da discussão, prosternou-se diante de uma imagem de
Nossa Senhora que se encontrava em sua passagem, e lhe dirigiu esta
prece: "Dignare me laudare te, Virgo sacrata: da mihi virtutem contra
hostes tuos". A Virgem, para mostrar seu contentamento com esta atitude
inclinou a cabeça - postura que, a partir de então, Ela teria
conservado...
Depois de Escoto, a solução teológica
das dificuldades levantadas contra a Imaculada Conceição se tornou casa
dia mais clara e perfeita, com o que seus defensores se multiplicaram
prodigiosamente. Em seu favor escreveram inúmeros filhos de São
Francisco, entre os quais se podem contar os franceses Aureolo (m. em
1320) e Mayron (m. em 1325), o escocês Bassolis e o espanhol Guillermo
Rubión. Acredita-se que esses ardorosos propagandistas do santo mistério
estejam na origem de sua celebração em Portugal, nos primórdios do
século XIV.
O documento mais antigo da instituição
da festa da Imaculada nesse país é um decreto do Bispo de Coimbra, D.
Raimundo Evrard, datado de 17 de Outubro de 1320. A par dos doutores
franciscanos, cumpre ainda mencionar, entre os defensores da Imaculada
Conceição nos séculos XIV-XV, o carmelita João Bacon (m. em 1340), o
agostiniano Tomás de Estrasburgo, Dionísio, o Cartuxo (m. em 1471),
Gerson (m. em 1429), Nicolau de Cusa (m. em 1464) e outros muitos
esclarecidos teólogos pertencentes a diversas escolas e nações.
Séculos XV-XVI: acirradas disputas
Em meados do século XV, a Imaculada
Conceição foi objeto de renhido combate durante o Concílio de Basiléia,
resultando num decreto de definição sem valor dogmático, posto que este
sínodo perdeu a legitimidade ao se desligar do Papa.
Entretanto, crescia cada dia mais o
número das cidades, nações e colégios que celebravam oficialmente a
festa da Imaculada. E com tal fervor, que nas cortes da Catalunha,
reunidas em Barcelona entre 1454 e 1458, decretou-se pena de perpétuo
desterro para quem combatesse o santo privilégio.
O autêntico Magistério da Igreja não
tardou a dar satisfação aos defensores do dogma e da festa. Pela bula
Cum proeexcelsa, de 27 de Fevereiro de 1477, o Papa Sixto IV aprovou a
festa da Conceição de Maria, enriqueceu-a de indulgências semelhantes às
festas do Santíssimo Sacramento e autorizou ofício e missa especial
para essa solenidade.
Pelos fins do século XV, porém, a
disputa em torno da Imaculada Conceição de tal maneira acirrou os ânimos
dos contendores, que o mesmo Papa Sixto IV se viu obrigado a publicar,
em data de 4 de setembro de 1483, a Constituição Grave Nimis, proibindo
sob pena de excomunhão que os de uma parte chamassem hereges aos da
outra.
Por essa época, festejavam a Imaculada
célebres universidades, como as de Oxford, de Cambridge e a de Paris, a
qual, em 1497, instituiu para todos os seus doutores o juramento e o
voto de defender perpetuamente o mistério da Imaculada Conceição,
excluindo de seus quadros quem não os fizesse. De modo semelhante
procederam as universidades de Colônia (em 1499), de Magúncia (em 1501) e
a de Valência (em 1530).
No Concílio de Trento (1545-1563) se
ofereceu nova ocasião para denodado combate entre os dois partidos. Sem
proferir uma definição dogmática da Imaculada Conceição, esta assembléia
confirmou de modo solene as decisões de Sixto IV. A 15 de Junho de
1546, na sessão V, em seguida aos cânones sobre o pecado original,
acrescentaram-se estas significativas palavras: "O sagrado Concílio
declara que não é sua intenção compreender neste decreto, que trata do
pecado original, a Bem-aventurada e imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus,
mas que devem observar-se as constituições do Papa Sixto IV, de feliz
memória, sob as penas que nelas se cominam e que este Concílio renova".
Por esse tempo, começaram a reforçar as
fileiras dos defensores da Imaculada Conceição os teólogos da
recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais não se achou um só de
opinião contrária. Aliás, pelos primeiros missionários jesuítas no
Brasil temos notícia de que, já em 1554, celebrava-se o singular
privilégio mariano em nosso País. Além da festa comemorada no dia 8 de
Dezembro, capelas, ermidas e igrejas eram edificadas sob o título de
Nossa Senhora da Conceição.
Entretanto, a piedosa crença ainda
suscitava polêmicas, coibidas pela intervenção do Sumo Pontífice. Assim,
em outubro de 1567, São Pio V, condenando uma proposição de Bayo que
afirmava ter morrido Nossa Senhora em conseqüência do pecado herdado de
Adão, proibiu novamente a disputa acerca do augusto privilégio da
Virgem.
Séculos XVII e seguintes: consolidação da "piedosa crença"
No século XVII, o culto da Imaculada
Conceição conquista Portugal inteiro, desde os reis e os teólogos até os
mais humildes filhos do povo. A 9 de Dezembro de 1617, a Universidade
de Coimbra, reunida em claustro pleno, resolve escrever ao Papa
manifestando-lhe a sua crença na imaculabilidade de Maria.
Naquele mesmo ano, Paulo V, decretou que
ninguém se atrevesse a ensinar publicamente que Maria Santíssima teve
pecado original. Semelhante foi a atitude de Gregório XV, em 1622.
Por essa época, a Universidade de
Granada se obrigou a defender a Imaculada Conceição com voto de sangue,
quer dizer, comprometendo-se a dar a vida e derramar o sangue, se
necessário fosse, na defesa deste mistério. Magnífico exemplo que foi
imitado, sucessivamente, por grande número de cabidos, cidades, reinos e
ordens militares.
A partir do século XVII também foram se
multiplicando as corporações e sociedades, tanto religiosas como civis, e
até mesmo estados, que adotaram por padroeira à Virgem no mistério de
sua Imaculada Conceição.
Digna de particular referência é a
iniciativa de D. João IV, Rei de Portugal, proclamando Nossa Senhora da
Conceição padroeira de seus "Reinos e Senhorios", ao mesmo tempo que
jura defendê-La até à morte, segundo se lê na provisão régia de 25 de
março de 1646. A partir deste momento, em homenagem à sua Imaculada
Soberana, nunca mais os reis portugueses puseram a coroa na cabeça.
Em 1648, aquele mesmo Monarca mandou
cunhar moedas de ouro e prata. Foi com estas que se pagou o primeiro
feudo a Nossa Senhora. Com o nome de Conceição, tais moedas tinham no
anverso a legenda: JOANNES IIII, D. G. PORTUGALIAE ET ALBARBIAE REX, a
Cruz de Cristo e as armas lusitanas. No reverso: a imagem da Senhora da
Conceição sobre o globo e a meia lua, com a data de 1648 e, nos lados, o
sol, o espelho, o horto, a casa de ouro, a fonte selada e a Arca da
Aliança, símbolos bíblicos da Santíssima Virgem.
Outro decreto de D. João IV, assinado em
30 de junho de 1654, ordenava que "em todas as portas e entradas das
cidades, vilas e lugares de seus Reinos", fosse colocada uma lápide cuja
inscrição exprimisse a fé do povo português na imaculada Conceição de
Maria.
Igualmente a partir do século XVII
imperadores, reis e as cortes dos reinos começaram a pedir com admirável
constância, e com uma insistência de que há poucos exemplos na
História, a declaração dogmática da Imaculada Conceição.
Pediram-na a Urbano VIII (m. em 1644) o
Imperador Fernando II da Áustria; Segismundo, Rei da Polônia; Leopoldo,
Arquiduque do Tirol; o eleitor de Magúncia; Ernesto de Baviera, eleitor
de Colônia.
O mesmo Urbano VIII a pedidos do Duque
de Mântua e de outros príncipes, criou a ordem militar dos Cavaleiros da
Imaculada Conceição, aprovando ao mesmo tempo seus estatutos. Por
devoção à Virgem Imaculada, quis ele ser o primeiro a celebrar o augusto
Sacrifício na primeira igreja edificada em Roma sob o título da
Imaculada, para uso dos menores capuchinhos de São Francisco.
Porém, o ato mais importante emanado da
Santa Sé, no século XVII, em favor da Imaculada Conceição, foi a bula
Sollicitude omnium Ecclesiarum, do Papa Alexandre VII, em 1661. Neste
documento, escrito de sua própria mão, o Pontífice renova e ratifica as
constituições em favor de Maria Imaculada, ao mesmo tempo que impõe
gravíssimas penas a quem sustentar e ensinar opinião contrária aos ditos
decretos e constituições. Esta bula memorável precede diretamente, sem
outro decreto intermediário, a bula decisiva de Pio IX.
Em 1713, Felipe V de Espanha e as Cortes
de Aragão e Castela pediram a solene definição a Clemente XI. E o mesmo
Rei, com quase todos os Bispos espanhóis, as universidades e Ordens
religiosas, a solicitaram a Clemente XII, em 1732.
No pontificado de Gregório XVI, e nos
primeiros anos de Pio IX, elevaram-se à Sé Apostólica mais de 220
petições de Cardeais, Arcebispos e Bispos (sem contar as dos cabidos e
ordens religiosas) para que se fizesse a definição dogmática.
(Monsenhor João Clá Dias, EP, Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado, Volume I, 2° Edição - Agosto 2010, p. 436 à 441)
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