sábado, 15 de fevereiro de 2014

“ENRIQUECIMENTO” OU DESTRUIÇÃO PROGRESSIVA DA “FORMA EXTRAORDINÁRIA”?

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Fonte: La Paix Liturgique – Tradução: Dominus Est - A missa na “forma extraordinária” teoricamente readquiriu, desde o Motu Proprio de 2007, seu direito de cidadania. Todo padre pode celebrá-la de modo privado, e ela pode ser dita publicamente se um grupo o solicitar. Porém… porém ela continua, no espírito dos responsáveis, especialmente episcopais, sejam eles indulgentes, uma exceção que é preciso enquadrar, até mesmo que convém restringir.

Paris conta, para uma centena de paróquias e, sem dúvida, por tantos lugares de cultos não-paroquiais, com uma dezena de lugares de culto tradicionais. É precisamente esse status de fenômeno ainda minoritário que exige dos usuários da liturgia na forma extraordinária uma grande vigilância. A redução das minorias é uma tendência sociológica e política muito conhecida, que é por assim dizer natural. Ademais, a auto-culpabilização também é um fenômeno frequente entre as minorias, que por vezes se antecipam às exigências daqueles que estão em posição de força – uma das variantes da “servidão voluntária”. Muito concretamente, pensamos aqui nesses tradicionalistas que praticam não a reforma da reforma, mas a reforma da forma tradicional por toda uma série de bricolagens destinadas a torná-la mais aceitável – acham eles – pela opinião geral. Contudo, nosso propósito aqui não é alfinetar essas adaptações, que às vezes podem ser explicadas por usos locais ou costumes comunitários, e que é bom tolerar pela paz geral – na medida em que não se questiona o princípio unificador e regulador consagrado pelo Motu Proprio e a instrução Universæ Ecclesiæ: a liturgia tradicional tem por norma os livros litúrgicos em uso em 1962.

Por outro lado, a mais elementar defesa da equidade exige não permitir a destruição da forma extraordinária pela forma ordinária, sob pretexto de “enriquecimento”. 

A pressão é exercida sobre certo número de pontos. Evocaremos três deles:


1 – Reduzir a “especialização” de padres ou de comunidades que praticam a forma tradicional;

2 – Substituir o lecionário da forma extraordinária pelo da forma ordinária;

3 – Introduzir a comunhão na mão na forma extraordinária.

1 – REDUZIR A “ESPECIALIZAÇÃO” DOS PADRES OU DAS COMUNIDADES QUE PRATICAM A FORMA TRADICIONAL


Todo padre do rito latino, nos termos do Motu Proprio Summorum Pontificum (n.2), tem o direito de celebrar a missa de acordo com a forma antiga. Ele não está, contudo, obrigado a isso e pode perfeitamente julgar inoportuno para ele celebrar assim. Inversamente, e poderíamos dizer por maior razão, pelo fato do estatuto minoritário da forma extraordinária, nada obriga por si um padre a celebrar na forma ordinária se ele julgar inoportuno fazê-lo.

Concretamente, esta “especialização”, considerando a generalidade da celebração da forma ordinária nas paróquias, resulta normalmente, seja da pertença a uma comunidade ela mesma especializada, seja de um consenso entre esse padre e seu bispo ou seu superior.

A “especialização tem uns graus. Como se sabe, um número coerente de padres diocesanos, ou de religiosos, celebram em ambas as formas. Acontece também de padres que pertencem a comunidades “especializadas” na forma extraordinária – comunidades ditas Ecclesia Dei, quer elas sejam de direito diocesano ou de direito pontifício – celebrarem na forma ordinária. Contudo, em princípio, não se pode obrigá-los a isso. A especialização pode, com efeito, ser total, e fala-se então de “exclusivismo”. Nada, em direito, proíbe o “exclusivismo” na forma extraordinária como na forma ordinária. Há aqui uma questão de justiça, de respeito pelas pessoas e de bom senso. Além do mais, quem sonharia em exigir de padres de ritos orientais que eles oficializassem no rito latino (o que pode perfeitamente e livremente lhes ocorrer)? Nem, novamente, que se possa obrigar um padre que celebra habitualmente na forma ordinária a celebrar na forma extraordinária.

Também não se pode fazer da exigência de celebrar na forma ordinária uma condição de ordenação, solicitando, por exemplo, aos padres de uma comunidade Ecclesia Dei o compromisso de celebrar eventualmente a missa de acordo com a forma ordinária. Isso equivaleria, com efeito, em adicionar sub-repticiamente às “irregularidades e impedimentos” de ordenação previstas pelo direito (cânons 1040 e seguintes do Código de Direito canônico), um impedimento de não intenção de celebrar a missa na forma ordinária, inventada arbitrariamente pelo capricho de tal autoridade! Ou então, na ordenação, seria preciso exigir também de todo candidato diocesano ou religioso, como condição de sua ordenação, que ele aceitasse em princípio celebrar na forma extraordinária.

Hoje não estamos mais na época (ao menos geralmente) da guerra litúrgica aberta, mas há ainda muitas segundas intenções de um lado ou de outro, que se alimentam, ademais, umas das outras, e que poderíamos exprimir em termos crus e forçosamente inadequados: é legítimo para as autoridades romanas e diocesanas pedir aos resistentes de ontem para depor suas armas? Por outro lado, é prudente a esses últimos fazê-lo? Pois devemos nos recordar de que é a existência desses padres “especializados”, e frequentemente exclusivamente, na celebração da missa tradicional, que permitiu historicamente que essa perdurasse de 1969 a 2007. Sua extensão legítima e seu futuro hoje estão suficientemente assegurados para que esses padres aceitem renunciar a esse princípio de “especialização”? 

2 – SUBSTITUIR O LECIONÁRIO DA FORMA EXTRAORDINÁRIA PELO DA FORMA ORDINÁRIA


De modo relativamente frequente, essa pressão pela adoção do lecionário ordinário nas missas da forma extraordinária é exercida, ou como uma diligência geral, com base em que o lecionário ordinário seria mais rico que o lecionário extraordinário, ou pontualmente, em tal diocese ou para tal celebração, em nome da unidade dos fiéis através daquela da pregação sacerdotal. 

A) A “doutrina”, como dizem os juristas, se opõe a isso: a adoção do lecionário ordinário na forma extraordinária apresenta grandes dificuldades, desequilibrando o lecionário venerável do Missal romano, que existia no século XIII (e possível bem antes) no estado em que o conhecemos hoje. O lecionário ordinário, por exemplo, não conhece o Tempo da Septuagésima, migra a festa de Cristo Rei para outra data, etc.. Sem falar no fato de que o lecionário da reforma, completamente novo e composto precipitadamente de acordo com critérios pessoais de seus autores, é atualmente muito criticado no mundo dos liturgistas. 

Em todo caso, a doutrina da Comissão Ecclesia Dei foi estabelecida assim: o enriquecimento do rito tradicional incidirá, se for o caso, sobre três pontos:

1 – As leituras da epístola e do evangelho também serão geralmente feitas na língua local;

2 – Alguns dos prefácios do novo missal poderiam ser utilizáveis na forma extraordinária (que já conhece o uso ab libitum dos prefácios diocesanos próprios); 

3 – Novos santos poderiam ser introduzidos no calendário tradicional, a título de comemorações.

Essa posição era compartilhada por Dom Schneider, homem muito bem informado sobre essas questões, em uma entrevista publicada na nossa carta 250 de 1º de outubro de 2010.

B) O direito também se opõe claramente a isso.

A Carta apostólica em forma de Motu Proprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007, especifica que a missa solicitada por grupos de fiéis e que lhes é concedida, é aquela do missal de 1962: 

Art. 1 – Portanto, é lícito celebrar o Sacrifício da Missa de acordo com a edição típica do Missal Romano promulgado pelo Beato João XXIII em 1962 e nunca anulado, como a forma extraordinária da Liturgia da Igreja. 
Art. 5 - § 1. Em paróquias onde um grupo de fiéis aderidos à prévia tradição litúrgica existe de maneira estável, que o pároco aceite seus pedidos para a celebração da Santa Missa de acordo ao rito do Missal Romano publicado em 1962. 

A instrução de aplicação, Universæ Ecclesiæ, de 30 de abril de 2011, é ainda mais precisa:


24. Os livros litúrgicos da forma extraordinária devem ser usados como previstos em si mesmos. Todos os que desejam celebrar segundo a forma extraordinária do Rito Romano devem conhecer as respectivas rubricas e são obrigados a executá-las corretamente nas celebrações.

Os números 25 e 26 retomam, aliás, conferindo-lhes força de lei, os três pontos da doutrina indicados mais acima:

25. No Missal de 1962 poderão e deverão inserir-se novos santos e alguns dos novos prefácios, segundo as diretrizes que ainda hão de ser indicadas.
26. Como prevê o Motu Proprio Summorum Pontificum no art. 6, precisa-se que as leituras da Santa Missa do Missal de 1962 podem ser proclamadas ou somente em língua latina, ou em língua latina seguida da tradução em língua vernácula ou ainda, nas missas recitadas, só em língua vernácula.

C) A jurisprudência, enfim, é constante. Ela emana do organismo competente da Santa Sé, a Comissão Pontifical Ecclesia Dei. Assim, à pergunta feita por fiéis poloneses, em 5 de janeiro de 2010: “É possível utilizar na forma extraordinária prefácios, leituras ou calendário da forma ordinária?”, a Comissão respondeu, em 20 de janeiro de 2010, pela negativa. 

3 – INTRODUZIR A COMUNHÃO NA MÃO NA FORMA EXTRAORDINÁRIA


Esta é outra pressão que é exercida sobre a forma extraordinária, de grande consequência, pois ela tende a erodir um dos elementos mais preciosos da liturgia tradicional: as formas de respeito concedidas à Presença real. Um exemplo disso é encontrado no decreto redigido em 19 de dezembro de 2013, por um bispo, além do mais indulgente e de boas intenções, Dom Alain Castet, bispo de Luçon – decreto que reproduzimos integralmente:

Decreto relativo à celebração da missa sob a forma extraordinária

Na diocese de Luçon, a celebração da missa na forma extraordinária do rito romano, segundo o missal do Beato João XXIII, em conformidade com o Motu Proprio Summorum Pontificum de julho de 2007, respeitará as seguintes disposições:
1. A edição típica de 1962 do missal romano continua normativa.
2. As leituras da missa são proclamadas em francês, no ambão, sem doblete.
3.  A epístola é lida no ambão por um leigo ou um clérigo.
4. Todos os prefácios do missal de João XXIII autorizados em certas dioceses o são na diocese de Luçon.
5. A fim de permitir uma maior piedade, o cânon romano, lido em voz baixa, só pode ser iniciado após o canto do Sanctus.
6. Por caridade pastoral, autorizar-se-á a comunhão na mão para as pessoas ligadas a esse modo de comunhão.
Não obstante todo contrário.
Dado em Luçon, em 19 de dezembro de 2013.
Por mandato, Béatrice Pignon, chanceler – Alain Castet, bispo de Luçon. 

Ousaremos dizer que os juristas do bispo de Luçon não parecem de um elevado profissionalismo? Se eles acreditam bom decidir que a “edição típica de 1962 continua normativa”, eles deveriam ter apontado, como é de costume, os textos de onde a lei particular do Ordinário do lugar entendera tirar sua competência, e indicar – o que teria sido o mínimo – que o bispo apresentara seu decreto “após consultar a Comissão Pontifical Ecclesia Dei“. 

A disposição 4, que permite utilizar prefácios próprios que não estão concedidos à diocese de Luçon, é um ponto completamente positivo e interessante. Em si, somente a Santa Sé poderia estender o uso de um prefácio próprio a uma diocese. Porém hoje não se pode imaginar a Congregação para o Culto divino ou a Comissão Ecclesia Dei tratar de uma questão desse tipo. De modo que esse prefácio tendo sido aprovado outrora pela Santa Sé para outra diocese, não parece exorbitante que o bispo de Luçon o adote em sua própria diocese. 

Também é possível que o bispo do lugar tenha competência para a disposição 3. Porém, certamente, não para as disposições 2 e 5. Esses pontos são, não obstante, de menor importância. Por outro lado, essencialmente, o decreto é mais criticável em sua disposição 6 (por caridade pastoral, autorizar-se-á a comunhão na mão para as pessoas ligadas a esse modo de comunhão). Essa disposição não possui valor jurídico, na medida em que ela introduz na forma extraordinária uma prática que essa desconhece. 

Ademais, na forma ordinária, esse modo de comunhão é apenas uma “tolerância”, em relação ao princípio que se mantém da comunhão de joelhos e na boca (ver especialmente sobre esse assunto: Dom Juan Rodolfo Laise, La communion dans la main, Ciel, 2001; Athanasius Schneider, Dominus est, Tempora, 2008 e Corpus Christi, Libreria Editrice Vaticana, 2013, com publicação francesa em curso pelas edições da Renaissance catholique).[...]

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