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Quando a sociedade exclui grupos que incomodam, a Igreja deve ir contra a correnteza.
Misericórdia: tema deve ser reproposto com novo entusiasmo.
Por Dom Alberto Taveira Corrêa*
É magnífico fazer parte da Igreja de Jesus Cristo e acolher, como
aconteceu recentemente, palavras tão atuais, fortes e consoladoras, que
imediatamente se transformam em vida: "A Igreja tem a missão de anunciar
a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio
dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo
assume o comportamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos
sem excluir ninguém.
No nosso tempo, em que a Igreja está comprometida
na nova evangelização, o tema da misericórdia exige ser reproposto com
novo entusiasmo e uma ação pastoral renovada. É determinante para a
Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela
mesma, a misericórdia. A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem
no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente a estrada
para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia. A primeira verdade
da Igreja é o amor de Cristo.
E, deste amor que vai até ao perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja
faz-se serva e mediadora junto dos homens. Por isso, onde a Igreja
estiver presente, aí deve ser evidente a misericórdia do Pai. Nas nossas
paróquias, nas comunidades, nas associações e nos movimentos, em suma,
onde houver cristãos, qualquer pessoa deve poder encontrar um oásis de
misericórdia" (Misericordiae Vultus, 12).
O papa Francisco proclamou, na Vigília da Festa da Misericórdia, a
Bula "Misericordiae Vultus", com a convocação do Ano Santo, um Jubileu
extraordinário a ser celebrado em toda a Igreja, a partir da Solenidade
da Imaculada Conceição do corrente ano. Quando o mundo pretende
delimitar os espaços das pessoas, ou a sociedade exclui grupos que
incomodam, quando o egoísmo e o indiferentismo avançam, a Igreja vai
contra a correnteza, com a mensagem da misericórdia, edificando
monumentos vivos da caridade. Que o apelo do papa, que será aprofundado
nos próximos meses, transforme-se em vida para todos os homens e
mulheres de boa vontade, através do serviço, do anúncio, do diálogo e do
testemunho de comunhão dos fiéis.
Os seguidores de Jesus foram chamados nas mais diversas
circunstâncias da vida. Boa parte das narrativas de vocações apresenta
pessoas que desenvolvem suas atividades normais ou envolvidas em seus
dramas quotidianos. São pescadores, cobradores de impostos, pessoas
envolvidas em suas realidades familiares, mulheres pecadoras, enfermos e
muitos marginalizados. Em qualquer circunstância, o abraço da
misericórdia de Deus pode alcançar quem quer que seja. E eram multidões
que acorriam ao Senhor!
De multidões afloram os discípulos, dentre os discípulos ele escolhe
12 apóstolos, entre eles um trio de amigos o acompanham mais de perto,
João foi certamente confidente mais próximo e o escolhido para estar à
frente do grupo foi Simão Pedro. O olhar de Jesus vai ao encontro de
cada pessoa, com sua história própria, sem excluir ninguém, mas em todos
suscitando a conversão. Mais tarde, depois de todos os fatos que
ocorreram com o Senhor, sua Morte e Ressurreição iluminará um outro,
Paulo Apóstolo, que assim se expressa em primeira pessoa: "De fato, eu
vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber:
que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi
sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado, segundo as Escrituras; e
apareceu a Cefas e, depois aos Doze. Mais tarde, apareceu a mais de 500
irmãos de uma vez. Destes, a maioria ainda vive e alguns já morreram.
Depois, apareceu a Tiago depois, a todos os apóstolos; por último,
apareceu também a mim, que sou como um aborto. Pois eu sou o menor dos
apóstolos, nem mereço o nome de apóstolo, pois eu persegui a Igreja de
Deus (1Cor 15, 3-7). Há uma linha que une pessoas e fatos: a partir de
um chamado direto, ou através de uma crise, que pode se chamar doença ou
interrogações internas, segue-se uma aproximação do Senhor, a
experiência do seguimento, descoberta do próprio lugar, para depois
aceitar a missão de testemunhar Jesus Cristo Salvador, sua Morte e
Ressurreição (Cf. Lc 24, 35-48).
Testemunha é quem viu um fato com os próprios olhos e pode comunicar
aos outros. Chamou-se martírio o testemunho dado até à efusão do sangue,
como muitos cristãos ao longo da história. É que os fatos que
assistiram lhes pareceram tão significativos que valeram mais do que a
própria vida! E o Espírito Santo lhes concedeu a graça de permanecer
fiéis diante das pressões, da tortura e da morte (Cf. Ap 6, 9).
Mesmo quando não nos for pedido o gesto extremo do derramamento do
sangue, o conta-gotas do dia a dia deve ser marcado pela disposição para
dar razões à esperança que nos conduz (Cf. 1Pd 3,15). Os valores da
verdade, da justiça, a sinceridade de vida, lisura nos negócios, paixão
pela verdade, fidelidade à palavra dada e outros mais, são a estrada do
testemunho, muitas vezes silencioso, outras proclamado em alto e bom
som, mas sempre coerentes, por ter visto o Senhor. O espaço para
cultivar tais valores é a comunidade cristã, lugar privilegiado da
manifestação do Senhor ressuscitado. Quando reunidos no Cenáculo, os
discípulos de Jesus receberam os dois viajantes de Emaús, que traziam na
boca e no coração a experiência feita, pois "eles o tinham reconhecido
ao partir o pão" (Cf. Lc 24, 35). Era o primeiro dia da semana, que nós
chamamos domingo. Ouvir as maravilhas de Deus ser fiéis à Eucaristia
dominical, compartilhar as experiências feitas, esta foi a vida dos
cristãos de lá para cá e assim faremos, enquanto esperamos a vinda do
Senhor.
Por dádiva da Providência, a Arquidiocese de Belém se prepara para
acolher o Brasil e ser a capital eucarística de nosso país, durante o
XVII Congresso Eucarístico Nacional, a ser celebrado de 15 a 21 de
agosto de 2016, justamente dentro do Ano Santo da Misericórdia,
proclamado pelo Papa Francisco, quando deveremos dizer uns aos outros e
ao mundo que nós reconhecemos Jesus "ao partir o pão", na Eucaristia,
coração dos corações. Até lá, haveremos de formar a nossa geração de
cristãos católicos no ardor missionário, para que ninguém fique de fora,
mas todos sejam alcançados, no abraço da misericórdia.
CNBB, 28-04-2015.
*Dom Alberto Taveira Corrêa é arcebispo de Belém (PA).
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