segunda-feira, 19 de março de 2018

Livros sobre oração refletem os movimentos espirituais de uma era pós-secular

[unisinos]


Há algum tempo já, sociólogos e filósofos têm lançado mão da expressão “pós-secular” como uma maneira de descrever o meio cultural do século XXI. Popularizado pelo intelectual alemão Jürgen Habermas, “pós-secular” é destacadamente um conceito elástico – entre outras coisas, não está claro se significa que o mundo certa vez foi secular e agora é algo diferente, ou se simplesmente ele nunca foi secular como pensávamos inicialmente.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 18-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em todo caso, “pós-secular” é basicamente um modo de reconhecer a resistência surpreendente da fé e da prática religiosas apesar de séculos de secularização ocidental. Se escolhermos vê-las, as evidências do impulso religioso estão em todo o lugar, e certamente o caso em questão que é a oração: não importando a situação de vida ou o sistema de crença, um número impressionante de pessoas ainda, pelos menos às vezes, sentem uma necessidade de estenderem as mãos e se conectarem com Deus. Dois títulos católicos recentes refletem e alimentam este interesse na oração. Um escrito pelo grande escritor católico e amigo, Gary Jansen, e o outro pelo bem-conhecido guia espiritual católico, o próprio Papa Francisco.

O livro com o papa intitula-se “Our Father: Reflections on the Lord’s Prayer”, e traz uma série de diálogos sobre a Oração do Senhor entre o pontífice e um conhecido padre italiano e capelão prisional Marco Pozza, no serviço televisivo da conferência dos bispos da Itália, a TV2000.
As transmissões, nove ao todo, foram ao ar nos meses de outubro e novembro passados na TV2000, e traziam trechos das conversas de Pozza com o Papa Francisco, seguidos de comentários de leigos italianos famosos, religiosos ou não, incluindo romancistas e estrela de TV.

Em novembro passado, a casa editorial vaticana lançou uma versão destas conversas, e a tradução inglesa está à venda desde o dia 13 de março, período que coincidiu com o quinto aniversário da eleição de Francisco ao papado e com a Páscoa.

Este livro, quando foi lançado, deu o que falar, sendo motivos de manchetes ao redor do mundo junto da ideia de que “O Papa Francisco quer mudar as palavras do Pai-Nosso”. No curso dessas conversas com Pozza, Francisco diz não gostar da frase “não nos deixei cair em tentação”, argumentando se tratar de uma tradução enganosa porque pode implicar que é Deus, e não Satanás, quem tenta os seres humanos ao pecado.

Em verdade, é claro, esse desejo não tem a ver com mudar as “palavras” da oração. O termo grego helenístico no Novo Testamento para ser tentado é “peirasmos”, e ninguém está falando em alterá-la ou alterar qualquer outra palavra da Bíblia.

Em vez disso, o que Francisco diz tem a ver com a maneira de se traduzir esta palavra para as línguas modernas de modo que transmita precisamente o seu significado, o que é um assunto inteiramente diferente e terrivelmente complicado.
Além das conversas com Pozza, a edição inglesa é complementada com excertos de outros discursos papais, incluindo lições catequéticas de suas audiências gerais, homilias e orações do Ângelo, em que aborda alguns dos mesmos pontos. O livro igualmente contém um prefácio de Pozza, que reflete sobre algumas de suas experiências em encontrar momentos de oração entre os internos que conheceu no trabalho de capelão prisional em Pádua, na Itália.
A obra pode facilmente ser lida numa sentada, mas suspeito que ela será utilizada mais aos poucos, como um estímulo à oração e reflexão pessoal. Imagino este livro estando disponível nas milhares de prateleiras espalhadas ao redor do mundo, sempre disponível a quem escolher desplugar-se da realidade e tirar um tempo para si, para suas vidas, e se relacionar com aquilo que Francisco descreve como um Deus que é um Pai amoroso e íntimo.
Um outro livro com o mesmo futuro provavelmente será a obra “Life Everlasting: Catholic Devotions and Mysteries for the Everyday Seeker”, de Gary Jansen, velho amigo e editor há vários anos de meus próprios livros. Essa obra também está disponível desde 13 de março. Além de ser um excelente editor, Jansen é um grande escritor espiritual, como atesta o seu mais novo livro. Em certo sentido, Jansen é quase um “guia para os perplexos numa era pós-secular”, quer dizer, as pessoas que não estão vivendo sob as rochas e, portanto, conhecem bem os desafios de se ter fé aí fora, mas que, mesmo assim, sentem uma atração pelo transcendente e estão abertos a encontrá-lo, seja via oração e culto, a experiência do milagroso, ou de qualquer outra forma que Deus queira se fazer presente nas vidas das pessoas. Jensen oferece orações simples e disciplinas básicas aos que lidam com uma variedade de problemas e cenários comuns:

• Buscando por proteção e orientação em tempos de escuridão? Reze para São Miguel.
• Sentindo-se perdido e abandonado? São Gabriel lhe dá um sustento.
• Buscando força e cura? Visualize o Sagrado Coração de Jesus.
• Precisando de um momento de alívio? Reze o Rosário.
• Tomado pelo medo? Apele a São Francisco de Sales.
• Necessitando de uma solução rápida para um problema urgente? Olhe para Santo Expedito.
Como o livro do papa, o volume de Jansen pode ser lido em uma só vez, mas provavelmente este não é o seu destino natural. Pelo contrário, é uma fonte para manter-se à mão.
Para constar, devo dizer que sou a última pessoa a ser consultada para fins de aconselhamento espiritual. São uma nulidade espiritualmente falando, caindo na desculpa de que o meu trabalho é a minha oração. (Em minha defesa, a minha oração na verdade é tal como o meu trabalho: feita às pressas na maioria das vezes.) Nesse caso, no entanto, a minha incapacidade como guia pode ser exatamente o que precisávamos. Se eu percebo o potencial destes livros no sentido de enriquecer a minha própria vida de oração, então Deus sabe que eles devem funcionar com todo mundo!

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