A
promulgação do motu proprio Traditionis Custodes deu uma nova urgência a
um antigo debate sobre a interpretação do Concílio Vaticano II. O Papa
Francisco acredita que aqueles que frequentam a Missa Tradicional são
propensos a rejeitar os ensinamentos do Concílio.
Os
tradicionalistas, porém, contra-argumentam sugerindo que os
ensinamentos do Concílio – particularmente aqueles que retratam a
reforma litúrgica – têm sido sistematicamente ignorados. Então voltamos
novamente à questão se é que o “espírito do Vaticano II”, frequentemente
invocado pelos Católicos liberais, se encontra verdadeiramente em
sintonia com o resultado que dele se originou.
É
realmente extraordinário, não é verdade, que cinquenta anos após o
Concílio, não exista ainda um consenso sobre as intenções dos pais
Conciliares? Desacordos relacionados com algumas nuances teológicas
seriam compreensíveis, no entanto, este caso situa teólogos competentes
em linhas de pensamento diametralmente opostas, ambos citando o Concílio
como suporte do seu pensamento.
Existe
um precedente de disputas ferozes no rescaldo de Concílios da Igreja;
basta retornar ao Concílio de Calcedónia e relembrar que as suas
definições cristológicas culminaram no cismo entre Roma e as Igrejas
Orientais Ortodoxas. Mas será que terá alguma vez sido tamanha a
disparidade de opiniões sobre as decisões de um Concílio?
Com
muito pouca esperança de resolver o velho debate – dado que as opiniões
contrastantes se entrincheiraram faz já décadas – deixem-me fazer
algumas questões retóricas para que, ao menos, possa ajudar a clarificar
a situação que agora enfrentamos.
1.
Devemos interpretar os ensinamentos do Vaticano II à luz da
Tradição, ou devemos interpretar a Tradição à luz do Vaticano II?
Esta
questão é essencialmente aquela colocada pelo Papa Bento XVI, quando
decretou a “hermenêutica da ruptura” que levou muitos teólogos a sugerir
que o Concílio marcou uma quebra radical com os antigos ensinamentos da
Igreja.
No
motu proprio, o Papa Francisco argumenta corretamente que um Católico
não pode rejeitar as decisões de um concílio ecuménico sem colocar em
causa o dogma doutrinal de que o Espírito Santo guia a Igreja nas suas
decisões. Mas, seguindo a mesma lógica, um fiel Católico também não pode
aceitar a noção de que a Igreja foi mal guiada por séculos; o Espírito
Santo também iluminou a Igreja antes do Concílio Vaticano II.
A
“hermenêutica da continuidade” – a crença que o Concílio não podia
mudar fundamentalmente os ensinos da Igreja, mas somente clarificar e
desenvolver aquilo que já era ensinado – é a única opção de pensamento
disponível para um fiel Católico. Portanto, o Concílio deve ser
entendido pela prespectiva da constante tradição da Igreja. Se existem
passagens nos documentos do Concílio que parecerem conflituar com essa
tradição, são necessárias mais clarificações, mais desenvolvimento ou
até, possivelmente, simples correções.
2. Será que o Concílio queria aproximar a Igreja do mundo moderno ou queria ser guiada pelo mundo moderno?
O
Iluminismo, a Reforma e a Revolução Francesa fizeram a Igreja adotar
uma postura defensiva vis-à-vis contra a modernidade. O Papa João XXIII
pensou ser necessário sair desse forte eclesiástico, abrindo novas
linhas de comunicação com o mundo secular. Contudo, queria ele e queriam
os pais do Concílio, que a Igreja medisse o seu sucesso ou as suas
falhas de acordo com os critérios desse mundo secular? Certamente que
não. Bem pelo contrário, o Concílio exorta os Católicos a transformarem o
mundo secular pelo poder do Evangelho.
Hoje,
infelizmente, a exortação é sobejamente reduzida para a sugestão de que
os Cristãos se devem concentrar nas “boas obras” que a nossa sociedade
secular reconhece – em detrimento do testemunho profético que a Igreja
oferece quando os Cristãos condenam o mal de uma sociedade que espezinha
a dignidade da vida humana.
O que me leva à terceira e final questão retórica.
3. Será que o Concílio proclamou o chamamento universal à santidade ou o chamamento universal de santidade?
Isto
é, o Concílio ensina os Cristãos de que estes são chamados a
santificar-se e a santificar o mundo à sua volta? Ou ensina que os
Cristãos já estão santificados e devem ser encorajados e elogiados em
cada acção que empreendem? Será que devemos nós Católicos fazer do mundo
sagrado ou reconhecer o mundo como sendo já sagrado?
A
demanda pela santidade é uma campanha árdua, por sua vez uma Igreja
complacente contentar-se-ia em estabelecer padrões mais baixos para essa
santidade, aceitando falhas pessoais e fazendo vista grossa a pequenas
transgressões. O leitor pode julgar por si próprio se, por exemplo, o
“caminho sinodal” da hierarquia alemã levará à santidade ou à
complacência.
Existem
realmente alguns tradicionalistas que rejeitam os ensinamentos do
Concílio Vaticano II, contudo são muitos mais, submeto, que reconhecem
que algo tem corrido seriamente mal dentro da Igreja nas últimas
gerações. E se não podemos culpar o Concílio pelos problemas do
Catolicismo – porque esses problemas já estavam em evidência antes do
começo deste – é também tristemente evidente que o Concílio não resolveu
todos os problemas. Portanto, os Católicos mais fervorosos tornam-se
para a tradição da Igreja em busca de uma segura fundação para nela
contruírem a sua fé.
Phill Lawler in catholicculture.org
(Tradução: Margarida Vilan e Manuel Maia Simões)
Fonte - senzapagare
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