quarta-feira, 22 de junho de 2022

Maçonaria e Igreja Católica: inimigos implacáveis

Desde a fundação das primeiras até hoje, “permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja”.

  


Por Peter Kwasniewski
Tradução: Equipe Christo Nihil Præponere

 

Quando falamos da natureza e dos fins da associação internacional semirreligiosa conhecida como Maçonaria, discordar é regra, não exceção. Para cada livro que enfatiza a obediência à lei, a filantropia e a tolerância universal das organizações maçônicas, outro as condena por seu papel oculto em reviravoltas políticas da guerra cultural contra a Igreja Católica, outros ainda lhe exaltam ou escarnecem a doutrina esotérica e os ritos elaborados.

Pesquisar sobre o tema é complicado porque a Maçonaria não é uma entidade única, mas um todo conceitual composto de redes regionais de lojas e organizações irmãs, cada uma com rituais, doutrinas e projetos mais ou menos semelhantes aos das outras. É um caso mais ou menos parecido com o do “protestantismo”, pois o que existe é uma multidão de seitas independentes com crenças e práticas mais ou menos aparentadas [i].

A Maçonaria pode ser definida como um “sistema de moralidade encoberto pela alegoria e ilustrado por símbolos” [ii], ou, como diz um manual alemão de 1822, 

a atividade de homens intimamente unidos que, empregando formas simbólicas tomadas de empréstimo sobretudo à profissão de pedreiro e de arquiteto, trabalham pelo bem-estar da humanidade, esforçando-se moralmente para enobrecer a si e a outros e, desta forma, fundar uma liga universal da humanidade, da qual tentam ser reflexo já agora em escala menor [iii].

A origem da Maçonaria é um dos assuntos mais discutidos e discutíveis em todo o mundo da investigação histórica”, afirma Frances Yates.

Devemos separar com cuidado o que se pode comprovar pela investigação histórica séria dos relatos lendários e fantásticos consignados em textos tradicionais, tanto maçônicos como antimaçônicos. A Maçonaria moderna não surgiu na Inglaterra do século XVIII, como se costuma repetir, mas na Escócia do início do século XVII, quando “a contribuição medieval de organizações profissionais e das lendas” foi combinada com “aspectos do pensamento renascentista […] em conjunto com uma estrutura institucional baseada em lojas, rituais e procedimentos secretos conhecidos como a Palavra do Pedreiro” [iv].

Originalmente, as lojas se preocupavam com a vida laboral dos pedreiros (neste aspecto, tal como em relação ao uso do simbolismo religioso e de rituais paralitúrgicos, davam continuidade às precedentes guildas medievais); mas na metade do século XVII um número significativo de membros já não tinha nenhum vínculo real com o ofício, e se reunia com propósitos sociais e rituais. No início do século XVIII, as lojas inglesas, compostas principalmente de cavalheiros, e não de pedreiros, ganharam certa preeminência e começaram a sintonizar sua orientação teórica com a vanguarda do pensamento iluminista. A meados do mesmo século, a vertente inglesa da Maçonaria já se espalhara por todos os cantos da Europa e do Novo Mundo, transformando-se rapidamente num agente de prática e ideologia revolucionárias.

Foi a esta maçonaria iluminista que os Papas se opuseram de forma veemente, tão-logo viram o perigo que ela representava para a integridade da fé e a tranquilidade da ordem [v].

Entre os maçons do século XVIII, os radicais apoiavam abertamente políticas secularizantes, como a dissolução de Ordens religiosas, a expropriação e a redistribuição de bens eclesiásticos, leis para regulamentar o casamento civil e o divórcio, tolerância política para religiões não católicas e educação escolar estatal e compulsória para crianças, pautas que se tornaram marca distintiva do liberalismo continental europeu no século XIX.

A Igreja começou a reagir com determinação durante o pontificado de Clemente XII (1730-1740), o primeiro Papa a condenar a Maçonaria (com a constituição In Eminenti, de 1738). (A título de comparação: a Grande Loja de Londres, símbolo mais notável da organização, foi fundada em 1717, e o primeiro Grão-Mestre Provincial na América do Norte foi nomeado em 1730.) As condenações se repetiram, com severidade crescente e com apelos para que as autoridades civis tomassem medidas concretas, pelos Papas Bento XIV em 1751, Pio VII em 1821, Leão XII em 1825, Pio VIII em 1829, Gregório XVI em 1832 e o Beato Pio IX em diversos documentos (da encíclica Qui pluribus em 1846 à Etsi multa em 1873). 

As objeções papais à Maçonaria podem ser reduzidas a quatro pontos: 

  1. comprometimento com um naturalismo filosófico que resulta inevitavelmente em indiferentismo religioso
  2. natureza secreta, que encobre projetos malignos; 
  3. demanda por juramentos de absoluta fidelidade, ainda quando tais juramentos não se possam justificar moralmente; 
  4. o perigo à segurança e à tranquilidade da ordem civil que a existência de sociedades secretas representa.

Das encíclicas papais consagradas ao tema, a mais longa e influente é a Humanum Genus, de Leão XIII (1884). Depois de recordar aos leitores o veredito imutável da Igreja, Leão XIII apresenta um resumo e uma crítica dos princípios filosófico-religiosos e das atividades revolucionárias da sociedade: 

Seu propósito último força-a a se tornar visível — especificamente, a completa derrubada de toda a ordem religiosa e política do mundo que o ensinamento cristão produziu, e a substituição por um novo estado de coisas de acordo com as suas ideias, segundo as quais as instituições e leis hão de fundar-se no mero naturalismo (§ 10). 

Como a “doutrina fundamental” desse sistema “é que a natureza humana e a razão humana deveriam ser, em todas as coisas, senhora e guia” (§ 12), “esforçam-se para alcançar este resultado — especificamente, que o ofício de ensinar e a autoridade da Igreja tornem-se sem valor no estado civil” — e “imaginam que os Estados devem ser constituídos sem qualquer consideração pelas leis e preceitos da Igreja” (§ 13). Também afirmam que “o poder é exercido por ordem ou permissão do povo”, de modo que “a fonte de todos os direitos e deveres civis está ou na multidão ou na autoridade governante quando esta é constituída conforme as últimas doutrinas” [isto é, as doutrinas iluministas] (§ 22). 

Leão XIII identifica uma série de doutrinas ou tendências características do pensamento maçônico: 

  • um humanismo que aspira à irmandade universal desvinculada da obediência a Cristo e à Igreja; 
  • um pelagianismo moral que nega o pecado de origem e situa a fonte da virtude e da felicidade sobretudo na autonomia da vontade humana; 
  • um deísmo que aceita a existência de Deus, concebido porém como arquiteto da natureza, com o que rejeita a Revelação, os milagres e a divindade de Cristo; 
  • um indiferentismo graças ao qual todas as religiões são consideradas de igual valor ou linguagens simbólicas análogas para expressar as coisas divinas. 

Essas opiniões são condenadas inequivocamente pelo Papa como contrárias à fé católica e, não raro, à razão mesma (§ 24) [vi].

 

 

Embora promulgada há mais de um século, a Encíclica Humanum Genus não perdeu relevância. Alguém poderia mencionar, por exemplo, sua penetrante análise das consequências dos princípios maçônicos. O que foi predito pelo Papa confirmou-se em todo o mundo ocidental justamente pelas razões por ele apontadas. A crítica é acompanhada pela contraproposta de encontrar no Evangelho o poder libertador da humanidade, procurado embalde nas ideologias. O Papa dá ao lema da Revolução Francesa, autêntico lema da Maçonaria, um sentido cristão:

A liberdade, nós queremos dizer, de filhos de Deus, através da qual podemos ser livres da escravidão a Satanás ou a nossas paixões, os dois mais perversos mestres; a fraternidade, cuja origem está em Deus, o Criador comum e Pai de todos; a igualdade, que, fundada na justiça e na caridade, não anula todas as diferenças entre os homens, mas, a partir das variedades da vida, dos deveres e das ocupações, dá forma àquela união e àquela harmonia que tende naturalmente ao benefício e à dignidade da sociedade (§ 34). 

Embora Humanum Genus tenha sido a mais importante, não foi a única manifestação de Leão XIII sobre a Maçonaria, censurada por ele em documentos de 1882, 1890, 1894 e 1902.

No século XX, foram escassos os pronunciamentos específicos contra a Maçonaria, não porque a Igreja tenha mudado de posição, mas porque já não fazia falta nenhum esclarecimento mais depois de Leão XIII. De Clemente XII a Leão XIII, uma única e gravíssima pena foi designada a qualquer católico que se associasse a uma loja: excomunhão latæ sententiæ [isto é, automática]. O Código de Direito Canônico promulgado por Bento XV em 1917 repetiu expressamente este alerta.

Após o Concílio Vaticano II, sugeriu-se a iminência de uma era de reconciliação entre católicos e maçons. A ideia foi levada a sério por bispos alemães que, entre 1974 e 1980, deram início ao diálogo com representantes de lojas maçônicas alemãs. O resultado da consulta foi o que já se previa: “Filiar-se simultaneamente à Igreja Católica e à Maçonaria é impossível” (Amtsblatt der Erbistums Köln, jun. 1980) [vii]. 

Quando o novo Código de Direito Canônico foi promulgado em 1983, houve quem interpretasse o silêncio [da lei] com respeito à Maçonaria como uma atenuação discreta das proibições da Igreja. Para afastar essa falsa interpretação, no mesmo ano a Congregação para a Doutrina da Fé, com aprovação de João Paulo II, publicou uma Declaração em que se afirma: 

Permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão. 

Dom Athanasius Schneider prestou outro notável serviço à Igreja ao pôr o tema em evidência em The True Face of Freemasonry [“A Verdadeira Face da Maçonaria”], palestra ministrada em 2017, tricentenário de fundação da Maçonaria moderna em Londres.

Não deveríamos nos iludir e pensar que a Igreja Católica é a única que tem suspeitas em relação à Loja. Deixemos de lado as condenações da Maçonaria por protestantes e cristãos ortodoxos orientais [viii]: monarcas e estadistas dos últimos dois séculos deram muita atenção às chamadas sociedades secretas, pois à primeira vista elas eram suspeitas de apoiar opiniões ou promover projetos de subversão da ordem estabelecida, operando muitas vezes como centros nevrálgicos de intrigas em escala global. As suspeitas confirmaram-se mais de uma vez.

Longe de ser uma vã conjectura, o envolvimento de maçons em empreendimentos revolucionários (particularmente anticlericais) desde o Iluminismo até o século XX pode contar-se entre os fatos fundamentais da história moderna, embora evidentemente não possamos supor que as lojas de cada país estivessem igualmente envolvidas em maquinações políticas (as lojas do Grande Oriente na Europa continental e na América Latina, consideradas “heréticas” pelos maçons ortodoxos de língua inglesa, têm o maior número de membros anticlericais e revolucionários), nem que os membros de graus inferiores soubessem do que faziam os superiores ou por que o faziam. É provável que maioria dos maçons só tenha um interesse superficial na doutrina religiosa e política da Loja. Dada a disciplina de sigilo que tem prevalecido entre os maçons por séculos, muitas linhas históricas de causalidade permanecem obscuras, na melhor das hipóteses, e impossíveis de conhecer, na pior delas.

Contudo, levando-se em conta o que sabemos, não há nenhuma razão para duvidar que os maçons colaboram de forma intencional ou involuntária com o enganador, o pai da mentira, o acusador, o “portador da luz” [Lúcifer]. Um Papa semelhante a Leão XIII será no futuro, mais uma vez, o antagonista implacável deles, e Estados futuros, reformulados sob inspiração cristã, buscarão devidamente a supressão da Maçonaria.

Referências

  1. William J. Whalen, Christianity and American Freemasonry, 3rd. rev. ed. (San Francisco: Ignatius Press, 1998), 169–86 et passim.
  2. Ibid., 15.
  3. Hermann Gruber, “Freemasonry”. In: The Catholic Encyclopedia (New York: Appleton, 1910).
  4. David Stevenson, The Origins of Freemasonry. Scotland’s Century, 1590–1710 (Cambridge: Cambridge University Press, 1988), 6.
  5. Cf. Whalen, op. cit., 136–49.
  6. Cf. “Freemasonry and Allied Societies”. In: E. Cahill, The Framework of a Christian State [1932] (Harrison, NY: Roman Catholic Books / Catholic Media Apostolate, n.d.), 221–41.
  7. Citado em Whalen, op. cit., 144. A obra de Whalen é o melhor livro em inglês sobre a mútua exclusão entre os princípios defendidos pela Maçonaria e os defendidos pela Igreja Católica (N.A.). Embora desatualizada, uma das obras mais bem documentadas sobre a atuação da Maçonaria no Brasil ainda é A maçonaria no Brasil, do Frei Boaventura Kloppenburg (N.T.).
  8. Cf. Whalen, op. cit., 150–68.

 

Fonte - padrepauloricardo

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